Ontem, o Almanaque Gaúcho publicou a colaboração do médico e ex-cantor do grupo musical Renato e seu Conjunto Sabino Vieira Loguercio, sobre os primórdios da banda (quando ela ainda se chamava Renato e seu Sexteto) e suas outras formações ao longo daquela trajetória de sucesso.
Voltamos hoje ao assunto para recuperar um episódio curioso que envolveu o famoso acordeonista e pianista Breno Sauer, nascido em São Sebastião do Caí, em 3 de novembro de 1929, e que morreu em Niles, próximo a Chicago (EUA), no mês de março deste 2017 que está terminando.
O músico e jornalista Arthur de Faria fez breve referência ao fato num texto publicado em ZH quando seu amigo Breno morreu. Entreguemos nosso espaço ao Sabino para que ele conte, com as suas palavras, o que aconteceu:
"Aproveito para esclarecer como ocorreu o diagnóstico que fiz de uma doença cardíaca no Breno. É que o Luiz Carlos Ballista – engenheiro eletricista e contrabaixista, fundador do conjunto – tinha construído, em 1961, uma cápsula especial para adaptar o contrabaixo acústico, pois já começara a surgir o baixo elétrico, usado por Ruben Grumann no Conjunto Flamingo. Com essa cápsula, o contrabaixo acústico passou a ser ouvido em todo o salão. O Breno sempre me pareceu um tanto pálido, mas imaginei que fosse porque tocava à noite, há muitos anos, e quase não via a luz do sol. Como cantor, eu era o último a chegar nos clubes, pois não precisava montar os instrumentos e testá-los. Bastava avaliar o som do microfone quando estivesse tudo preparado pelo Holmes Aquino ou por seus auxiliares, Edson e, depois, Elson. Um dia, eu cheguei ao salão de festas da reitoria uma hora antes do baile e eles estavam brincando de colocar a cápsula do contrabaixo no peito. Dava para ouvir, então, nas caixas de som, o ‘tum-tac’ do coração. Quando chegou a vez do Breno Sauer, ouvi algo como ‘tchum-tjac, tchum-tjac’. O Breno era um acordeonista do mais alto padrão, de harmonia requintada, estilo jazzístico, discípulo perfeito do mestre e referência de todos os acordeonistas da época, Art Van Damme. Um acordeom pesa entre 13 e 18 quilos. Mas, no conjunto, o Breno tocava também vibrafone e piano, revezando no acordeom com Marco Aurélio. Terminado o baile, eu (na época, já estudante de Medicina) me dirigi ao Breno e mantivemos este curto diálogo:
– Breno, hoje foi a tua última noite no acordeom.
– Ué, tu tá louco? Ou tá brincando?
– É que tu estás com uma dupla lesão aórtica e não vais
poder mais segurar esse peso todo.
Para que ele não sofresse um grande abalo, procurei levar na brincadeira, mas sugeri que procurasse o doutor Jayme Maltz, cardiologista que trabalhava na enfermaria 27 da Santa Casa (Instituto de Gastroenterologia e Nutrição), onde eu faria estágio como doutorando no ano seguinte e iniciaria meu primeiro ano como médico residente, na área da gastroenterologia, em 1967. Marcada a consulta, o doutor Maltz confirmou o diagnóstico após os exames apropriados".
A partir de então, o teclado do piano passou a ser o instrumento mais indicado para o grande músico que foi Breno Sauer. Mais uma "historinha" do acervo de Sabino:
"Outro músico que fez parte do conjunto foi Vladimir Lenine Lattuada (conhecido por Bigode, embora não usasse o adereço, originário do Conjunto Flamboyant), um notável saxofonista e flautista. Aqui vai um detalhe, entre prosaico e surrealista: Bigode tocava saxofone e flauta e chegou a ser funcionário da Rádio Gaúcha durante um certo tempo. Jamais participou de qualquer ação contra os militares naqueles duros anos da ditadura. Mas, por causa do nome (Vladimir Lenine), acabou preso pelo Dops. Felizmente, o equívoco desfez-se logo, com a intervenção de amigos".
Os dias eram assim.