A Argentina é muito mais do que Buenos Aires e Bariloche. E, para os brasileiros que desejam conhecer onde pulsa muito do coração, da cultura e da história dos hermanos, uma opção diferenciada são as províncias do norte do país: Tucumán, Salta e Jujuy. Por ficarem próximas à fronteira com a Bolívia, a região recebe forte influência dos vizinhos, refletida na dança, nas músicas e na gastronomia. Para quem gosta de turismo rural e de aventura, há cenários deslumbrantes: em direção ao Norte, a selva vai cedendo lugar à aridez das montanhas pré-Cordilheira dos Andes, com formações rochosas que lembram flechas desenhadas pelo vento. O vinho de altitude, produzido a 4 mil metros do nível do mar, é o Torrontés, que, combinado com empanadas ou queijos de lhama e cabra, garante uns quilos a mais no fim da viagem.
Há duas formas de se percorrer as províncias: por via rápida entre San Miguel de Tucumán e San Pedro de Jujuy, pela Rota Nacional 9 e depois a 34, fazendo um desvio para Salta, se desejar; ou pelo interior dos vales Calchaquíes, por meio de estradas como a mítica Rota 40, com longos trechos de chão batido, que garantem as melhores paisagens.
A partir de 4 de julho, a Aerolíneas Argentinas terá três voos semanais (segundas, quartas e sábados) entre São Paulo e Salta, com conexão para San Miguel de Tucumán. A rota entre Porto Alegre e Buenos Aires, que pode servir para conexão com o norte argentino, opera às segundas, terças, sextas e sábados, com decolagem às 20h45min e chegada às 22h30min.
(*) O jornalista viajou a convite do Instituto Nacional de Promoção Turística da Argentina (Inprotur).
Patriotismo e gastronomia
San Miguel de Tucumán pode ser a primeira parada de quem deseja fazer uma road trip pelo norte da Argentina — ou também pode ser o último ponto, a quem começar a viagem por Salta. A cidade tem papel fundamental na história do país. Foi em um prédio de paredes brancas e janelas e portas azuis (as cores nacionais), em estilo colonial, que foi declarada a independência, em 9 de julho de 1816. Outro local importante é O Museo Folklorico Provincial, que apresenta tradições dessa região e homenageia uma das filhas diletas de Tucumán, Haydée Mercedes Sosa.
Se empanada é uma das comidas típicas da Argentina, as de Tucumán têm fama de serem as melhores do país. As mais famosas são as produzidas em Famaillá, a 40 minutos de San Miguel de Tucumán. Em dias de sol, um passeio legal é até o dique El Cadillal, a 25 minutos da cidade, onde é possível passear de barco ou praticar esportes náuticos. No local, foi construída recentemente uma estrutura para receber turistas, com restaurante e um museu arqueológico sobre os povos indígenas.
A cerca de duas horas de San Miguel de Tucumán, capital da província, fica Tafí del Valle, pequeno município no coração do vale Calchaquí. Duas ruas principais — Peatonal Los Faroles e Avenida Presidente Domingo Perón — concentram lojas de queijo artesanal, alguns temperados com pimenta, e suvenires. Ao longo de todo o vale, há vinícolas que começam a concorrer em qualidade com os produtos de Mendoza. A especialidade da região é a cepa Torrontés, uma uva de altitude (também em Salta), cultivada entre 1.750 e 4 mil metros acima do nível do mar.
É uma ótima base para seguir até a cidade sagrada dos Quilmes, as ruínas do maior assentamento pré-colombiano da Argentina. No local, um guia descendente dos povos originários conta, com orgulho, como a comunidade, que chegou a reunir, no auge da civilização, 5 mil pessoas, é anterior à chegada dos incas e sobreviveu a diferentes tentativas de ocupação.
Fique ligado
- Ao chegar ao dique El Cadillal, não deixe de subir, de teleférico, até o alto do cerro Medici, a 600 metros de altura, o que garante fotos lindas do lago.
- San Miguel de Tucumán mistura a cozinha espanhola com a de civilizações pré-colombianas. Aproveite para provar pratos com páprica e pimenta de caiena.
- Para quem gosta de cozinhar, no centro de San Miguel de Tucumán é possível explorar roteiros que incluem aulas para aprender a preparar as famosas empanadas.
Perto do céu
Não é o trem mais alto do mundo, mas talvez seja um dos mais charmosos. A começar pelo nome: Trem das Nuvens, ou Tren a las Nubes, em espanhol. A viagem começa em San Antonio de Los Cobres, vilarejo de 5 mil habitantes a 3.760 metros acima do nível do mar na província de Salta. Quem não está acostumado com grandes altitudes possivelmente já precisou recorrer às famosas folhas de coca, vendidas no caminho, que amenizam os efeitos do soroche (mal de altura).
O trem parte da estação de San Antonio de Los Cobres e serpenteia cânions, planícies, passa por antigas minas e chega ao viaduto La Polvorilla, o ponto mais alto da ferrovia que, no passado, partia de Salta levando alimentos e material para as minas do deserto do Atacama, no Chile.
Não há nuvens, no máximo, alguma neblina. Mas estamos a 4.200 metros do nível do mar. O nome do tem, além de ser poético, surgiu devido à fumaça produzida pela locomotiva antigamente. Outra explicação veio pela caneta do escritor Luis Borelli, segundo o qual um tucumano produtor de vídeos, a bordo do trem, flagrou o momento em que o escapamento de vapor lateral não se dissipou rapidamente, em razão das baixas temperaturas, e ficou flutuando no ar por alguns momentos, contornando o trem sobre o La Polvorilla.
O importante é embarcar na mística. E os guias, em cada vagão, fazem de tudo para criar o clima. Quando o trem está prestes a ingressar no viaduto, uma pequena joia da engenharia mundial a 63 metros do chão, uma música toma conta do ambiente. Trata-se de Tren Del Cielo, da cantora argentina Soledad Pastorutti. O trem, então, avança, a 35 km/h, ocupando toda a extensão da estrutura. É o clímax da viagem, como se estivéssemos suspensos no ar. Em seguida, retornamos a San Antonio de Los Cobres. Mas, antes, há uma parada de 30 minutos para que os passageiros possam descer e fotografar as estepes andinas. No caminho de volta, quem está a bordo também é orientado a trocar de poltrona: quem está no lado direito passa ao esquerdo, e vice-versa. Assim, democraticamente, se pode observar o cenário completo. O passeio de ida e volta dura duas horas.
Fique ligado
- O ideal é comprar, em Salta, o pacote que inclua o trecho de ida e volta de ônibus ou van até San Antonio de Los Cobres, além da passagem no trem.
- No trem, há um vagão de restaurante com comidas leves à venda, e enfermaria, com profissionais e equipamentos como balões de oxigênio, caso alguém passe mal devido à altitude. Os sintomas mais comuns são dor de cabeça, sono, mal-estar estomacal e náuseas. Ao descer do trem, caminhe devagar para evitar sentir falta de ar.
Deserto de sal
Prepare-se para voltar a ser criança. Até o mais sisudo dos viajantes dificilmente resistirá a alguma fotografia mais descontraída no passeio por Salinas Grandes. Trata-se do segundo maior deserto de sal do mundo — o primeiro é o Salar de Uyuni, na Bolívia.
Parece gelo, mas é sal. Desses 525 quilômetros quadrados de área, são exportados 1 milhão de toneladas do produto por ano. É quase impossível não saltar, a fim de garantir uma foto com fundo infinito, entre céu e sal, ou buscar uma imagem duplicada nas piscinas naturais, com águas turquesas no meio do branco, chamadas Ojos de Salar. Também é comum fazer fotos em perspectiva: aquelas imagens divertidas que parecem que um turista está engolindo outro ou sendo pisado por alguém, dependendo do ponto de vista.
As Salinas Grandes tiveram início como um grande lago de água salgada entre 5 milhões e 10 milhões de anos atrás. O processo natural de evaporação levou a água embora, mas a camada de sal, de origem vulcânica e com 30 centímetros de espessura, permaneceu. Os guias locais preferem que o turista chegue cedo ao salar — dizem que, pela manhã, são feitas as melhores fotografias. Mas o pôr do sol também é espetacular.
Também vale curtir a Rota 52, que liga a Argentina ao Atacama, no Chile. Há muitas lhamas, vidinhas, condores e sutis, animais típicos dos Andes.
Fique ligado
- Por se tratar de região desértica, o clima em Salinas Grandes tem grandes amplitudes térmicas, ou seja, pode fazer muito frio e muito calor no mesmo dia. No verão, os dias chegam facilmente aos 45ºC, enquanto, no inverno, a mínima pode cair a -15C. Passe protetor solar e leve óculos escuros, afinal é um lugar que reflete muito o sol.
- Há pouca estrutura turística. Prepare a mochila: leve muita água e lanches rápidos e leves para passar o dia.
Montanhas coloridas
Na província de Jujuy, você pode ver montanhas de sete cores, mas existe também uma com até 14 cores. O Cerro de los Siete Colores é um dos morros que cercam a Quebrada de Purmamarca. Sua exclusiva gama de cores é resultado de uma complexa história geológica, que inclui sedimentos marinhos, lacustres e fluviais elevados por movimentos tectônicos. A vila de Purmamarca, um lugarejo com restaurantes e pousadas charmosas em meio ao árido norte argentino, tem investido no conforto dos turistas. O cerro fica praticamente dentro da cidade, a ponto de você conseguir se hospedar em lugares do vilarejo com vista para as rochas.
É preciso um pouco de esforço para visualizar todas as cores ou tons. A camada mais antiga e presente majoritariamente na base da montanha é verde-água e tem cerca de 600 milhões de anos. Essa camada é rica em ferro, magnésio, potássio, silício e alumínio. A segunda camada é um branco levemente rosado formado principalmente por quartzo. Há mais outras camadas em rosa e bege. E o marfim, de 60 milhões de anos. Por fim, uma alaranjada e outra bastante rosada.
A alguns quilômetros dali, na Quebrada de Humahuaca, está o El Hornocal, nome oficial do Cerro de los 14 Colores. É como se estivéssemos diante da paleta de cores de um pintor.
Fique ligado
- Ficar hospedado em Purmamarca é muito legal. Há pousadas charmosas e com bom preço e muito próximo do cerro das Sete Cores. Outra opção é Tilcara, no meio do vale.
- Para ir até Cerro de los 14 Cores é recomendável contratar um guia local. Para chegar ao mirante, também é preciso um automóvel. O local fica a 25 quilômetros do povoado da Quebrada de Humahuaca.
- Hornocal está acima dos 4.760 metros de altitude. Você pode observá-lo de altitude de 4 mil metros. Mas, mais uma vez, cuidado com os efeitos da altitude. Além disso, a partir do mirante, a sensação térmica é de bastante frio.