Segunda cidade mais visitada do mundo (pelo menos até antes da pandemia), Paris sempre foi sinônimo de bons negócios quando se trata de passeios guiados e excursões turísticas. De caminhadas históricas a aulas de culinária, passando por programas que garantem acesso exclusivo a ateliês de artistas, arquivos de museus e mansões particulares, há atividades para praticamente todos os interesses.
Com os turistas voltando aos poucos à capital depois de um ano marcado não só pela pandemia, mas também por um balanço global sobre raça, justiça social e questões da mulher, ganham destaque os tours e as experiências oferecidos por um número cada vez maior de pequenas empresas que enfatizam as histórias e as vidas locais pouco conhecidas.
— Estou tentando atualizar a narrativa desta cidade, reconhecendo explicitamente o impacto da mulher sobre ela — diz Heidi Evans sobre a Women of Paris, empresa dedicada à história e aos direitos da mulher por meio de caminhadas específicas, que ela fundou ao se cansar da narrativa que deveria transmitir quando trabalhava como guia para outras companhias. — A história contada em muitos passeios introdutórios normalmente enfatizava os homens "grandes" e "valorosos" que influenciaram a cidade, enquanto descrevia as mulheres como influências secundárias e "rebeldes". Não estava certo. Aliás, a procura pelos meus percursos aumentou consideravelmente depois do surgimento do movimento #MeToo — completa.
Com retomada prevista para o fim do verão setentrional (setembro), seus passeios temáticos (a partir de US$ 27 por pessoa, realizados diversas vezes por semana) abordarão o passado e o presente de Paris, destacando desde a contribuição de Marie Curie e a de Geneviève, a santa padroeira da cidade, até a de líderes locais como a prefeita Anne Hidalgo e Simone Veil, ex-ministra da Saúde e defensora dos direitos da mulher. Durando entre duas e três horas, os itinerários levam o visitante para a região dos teatros e também para diversos trechos ao longo da Margem Esquerda.
Delectabulles e The Gay Locals
Também voltada para as mulheres é a Delectabulles, agência de turismo que organiza workshops de degustação na cidade (US$ 100 por pessoa) e excursões a Champagne (US$ 1.670 para um grupo de seis pessoas), com o objetivo de ensinar as fundações da província e da produção do vinho espumante que leva seu nome e oferecer a oportunidade às participantes de identificar seus rótulos favoritos, livres de qualquer julgamento.
— Aprendi com vinicultoras amigas minhas que homens e mulheres simplesmente não se comportam da mesma forma durante a degustação, e que elas normalmente se sentem pouco à vontade em compartilhar suas impressões. Quero que ganhem confiança e tenham meios para comprar o que quiserem quando voltarem para casa. E, é claro, saibam mais sobre as mulheres que já influenciaram e influenciam o setor hoje — afirma Cynthia Coutu, fundadora da Delectabulles e especialista em vinhos que organizou tours virtuais durante a pandemia e agora retomou a experiência em pessoa.
A importância de se sentir à vontade e representado durante uma viagem foi, em parte, o que inspirou Bryan Pirolli a abrir The Gay Locals, que pretende tornar a história mais inclusiva concentrando-se nos inúmeros indivíduos LGBTQIA+ que contribuíram para a história de Paris, além de também criar um ambiente seguro e receptivo para os visitantes.
— Quando trabalhava para outras empresas, senti que ninguém podia falar abertamente sobre as necessidades dos LGBTQIA+. Eu não queria ter de me identificar como guia, nem os clientes interessados se sentiam à vontade para se abrir — conta ele.
Como resultado, seja por meio de tours culturais ou baladeiros (de US$ 166 a US$ 335, com as opções privada ou em grupo), itinerários customizados ou mesmo organizando eventos para pedido de casamento, Pirolli tenta colocar as necessidades específicas do viajante em primeiro lugar ("Falamos de tudo abertamente, e acho que assim aproximo muito mais o visitante da cidade"). Sua agência já recomeçou a oferecer passeios e eventos.
Little Africa e Le Paris Noir
Tais experiências especializadas têm a ver não só com Paris como destino de viagem, mas também com a possibilidade de os viajantes se verem refletidos em uma história. Para Jacqueline Ngo Mpii, fundadora da agência cultural Little Africa, oferecer passeios que explorem a cultura africana por intermédio da culinária, da moda e do artesanato é uma forma de educação que cria entendimento e laços fortes.
— A cidade é um elo de ligação na diáspora africana há mais de cem anos e, no entanto, os turistas pouco sabem dessa história — diz ela.
No tour que é sua marca registrada (US$ 72 por pessoa, de uma hora e meia a duas horas de duração), de volta a partir de setembro, Ngo Mpii leva seus clientes a artesãos e estilistas que vivem em Goutte d'Or, bairro multiétnico que abriga uma comunidade vibrante de norte-africanos e nativos da África Ocidental desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
— A maioria dessas empresas afro-parisienses não se beneficia do dólar do turista. Esses tours são uma ótima forma de ajudar a dar uma força para a economia local — afirma Ngo Mpii.
— Se essas empresas estão decolando agora, depois de vários anos em funcionamento, é porque é o momento certo. As pessoas estão questionando, discutindo e avaliando a questão de identidade, olhando por aí para ver como a comunidade a que pertencem vive em outras partes do mundo — aponta Kévi Donat, fundador da Le Paris Noir, agência de excursões voltada para as histórias da experiência negra em Paris.
Quando o movimento Black Lives Matter repercutiu com força na França em meados do ano passado, ampliou as discussões locais sobre as dificuldades do país em lidar com seu passado colonial, a discriminação racial atual e a necessidade de uma maior representatividade. Assim, Donat passou grande parte do segundo semestre de 2020 organizando tours virtuais para empresas internacionais, universidades e organizações como o Google, a Universidade do Sul da Califórnia e a Aliança Francesa de Nova York.
Agora que as viagens estão recomeçando, Donat voltou a oferecer uma série de caminhadas (a partir de US$ 220 para quatro) na Margem Esquerda e nos bairros da região norte para mostrar a relação da metrópole com a África, o Caribe e os EUA, abordando temas críticos que vão da colonização e da imigração às figuras literárias, políticas e artísticas que influenciaram a história francesa.
— No mundo ideal, as instituições públicas já estariam contando essas histórias da maneira adequada. Mas tours como os meus vão continuar a existir porque não podemos nos dar ao luxo de esperar que isso aconteça — conclui Donat.