A história do navio de cruzeiro Diamond Princess, que no início do ano precisou permanecer por um mês e meio em quarentena no porto de Yokohama, no Japão, após mais de 700 passageiros testarem positivo para o coronavírus e 10 morrerem, é uma das mais marcantes da pandemia. O “cruzeiro do terror”, como foi chamado, ainda assombra turistas que planejam suas próximas férias. As empresas de cruzeiro, no entanto, têm reformulado profundamente seus controles sanitários e protocolos de embarque para recuperar a confiança dos potenciais passageiros.
Muitas dessas mudanças já são vistas na Europa, onde os cruzeiros voltaram ao Mediterrâneo em agosto. Na MSC, por exemplo, todos os passageiros e tripulantes passam por três testes para verificar a presença do coronavírus. Se alguém tiver a doença detectada, é impedido de entrar no navio e encaminhado às autoridades sanitárias.
Para evitar aglomeração em shows, aulas de ginástica ou teatros, todas as atividades são marcadas com antecedência. Os clientes também recebem pulseiras de pagamento que facilitam as transações por todo o navio. Restaurantes, bares e lounges foram reprojetados para possibilitar o distanciamento social, e todas as refeições e bebidas são servidas aos hóspedes em suas mesas, sem o tradicional self-service no bufê.
Se aprontando para o início da temporada brasileira, as companhias elaboraram uma série de protocolos para aumentar a segurança nos percursos.
Entre as regras estão testes de todos antes do embarque, procedimentos de embarque online, aprimoramento de protocolos de triagem, reforço na higienização e na limpeza, distanciamento social e diminuição da capacidade total.
Também há mudanças em relação aos procedimentos em restaurantes e áreas de entretenimento com o intuito de evitar aglomerações. Instalações e serviços médicos foram melhorados, com capacidade para realizar testes e dar tratamento inicial aos passageiros com suspeita de covid-19.
— Os protocolos foram projetados para prevenir e mitigar ao máximo o risco de transmissão na jornada do hóspede, desde o momento da reserva até o embarque, da vida a bordo até o retorno para casa — explica o presidente da Cruise Lines International Association (Clia Brasil), Marco Ferraz.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Atualmente, as normas estão sob avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com acompanhamento do Grupo Executivo Interministerial (GEI), composto por órgãos e ministérios como Saúde, Infraestrutura e Turismo. Por enquanto, não há autorização para funcionamento dos cruzeiros na costa brasileira em razão da pandemia. A Anvisa informou que a questão ainda está sob análise e não deu um prazo para a definição.
Isso não impede, no entanto, que a MSC - única empresa que pretende fazer cruzeiros nesta temporada de verão no Brasil - projete suas rotas no país. O Associação Brasileira de Terminais de Cruzeiros Marítimos (Brasil Cruise) informa que já há cerca de 50 saídas marcadas para a temporada de verão no Brasil, entre 15 de novembro de 2020 e 29 de março de 2021. Em setembro, a Costa Cruzeiros informou que suas linhas na costa brasileira, argentina e uruguaia estão canceladas na próxima temporada, em razão do cenário de incertezas.
Risco de infecção baixo, mas passeios em terra trazem ameaça
Infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Luciano Goldani avalia que as medidas planejadas pelos cruzeiros podem criar uma bolha de proteção para os passageiros e tripulantes. Como todos serão testados de diferentes maneiras, o risco de alguém embarcar infectado será baixo.
Por outro lado, pondera que há um problema inerente aos cruzeiros que mesmo todas essas medidas não conseguem eliminar: os passeios dos turistas em terra. Os navios costumam ter paradas em diferentes cidades turísticas, onde os passageiros desembarcam por um período e retornam para o navio na sequência. Nesses locais, geralmente muito movimentados, o risco de pegar a doença é grande.
— Basta um indivíduo que se descuide nesses passeios em terra para levar o vírus para dentro do navio — afirma Goldani.
Como resposta a essa ameaça, muitas empresas estão limitando os passeios em terra. Os trajetos são feitos apenas pela própria companhia, com protocolos sanitários mais rígidos. Na volta ao navio, todos os passageiros são testados novamente e há medição de temperatura. Goldani avalia, no entanto, que isso não suprime o risco de infecção.
— Há uma concentração grande de pessoas nos cruzeiros, e, quando se verifica o primeiro contágio, provavelmente este já espalhou o vírus. É por uma lógica semelhante que há tantos casos de gastroenterite nos navios de cruzeiro, pois o contato é muito próximo — pondera.
Para as empresas de cruzeiros, o pandemia veio em péssimo momento. O setor registrou um crescimento de 16,1% no primeiro semestre do ano passado, segundo dados da Clia Brasil, que representa o setor.
Os preparativos para a volta dos cruzeiros
Todos testados
Nos cruzeiros já iniciados na Europa, as empresas marítimas têm feito triagem universal de saúde dos hóspedes antes do embarque, que compreende três etapas abrangentes: verificação da temperatura, questionário de saúde e teste swab para covid-19. Qualquer hóspede que testar positivo, apresentar sintomas ou temperatura alta terá o embarque negado.
Além disso, todos os tripulantes são testados para a covid-19 antes do embarque e também regularmente durante a navegação. Eles têm verificações diárias de temperatura, com monitoramento regular de sua saúde e bem-estar.
Passeios em terra controlados
A medição de temperatura também ocorre ao final de passeios em terra. Muitas empresas de cruzeiro têm optado por restringir essas saídas a opções que elas mesmas organizam, mantendo os protocolos sanitários similares aos do navio e evitando que os passageiros tenham contato próximo com outras pessoas.
Reforço na limpeza
Empresas como a MSC têm ampliado os cuidados com a higienização e limpeza, com o uso de produtos desinfetantes de nível hospitalar. Além disso, a companhia tem incorporado técnicas para melhorar e purificar a circulação de ar.
Capacidade reduzida em ambientes comuns
Os navios têm zarpado com a capacidade dos ambientes, como restaurantes e salão de eventos, reduzida. As atividades diárias foram modificadas para permitir grupos menores, e os hóspedes devem reservar previamente serviços de esportes e lazer para evitar aglomeração.
Orientação para medidas preventivas
A MSC também determina que os hóspedes usem máscara facial sempre que o distanciamento social não for possível. As máscaras são fornecidas diariamente aos hóspedes na cabine e estão disponíveis em todo o navio. Também há ampla oferta de totens de higienização de mãos.
Planos de contingência
Os navios também passaram a incorporar instalações médicas com equipes preparadas para diagnosticar e fazer o tratamento inicial para pacientes com sintomas da covid-19. Na MSC, por exemplo, há equipamento necessário para testar, avaliar e tratar gratuitamente pacientes com suspeita da doença. Cabines dedicadas são disponibilizadas para permitir o isolamento de quaisquer casos suspeitos e contatos próximos.