O período de distanciamento social está moldando um novo turista. Antes da pandemia de coronavírus, os destinos distantes, na maioria das vezes internacionais, eram os mais desejados por quem pretendia tirar uns dias de férias. Agora, um cenário completamente diferente começa a surgir e deve permanecer no pós-covid-19, apontam especialistas no tema.
Em maio, durante uma conferência virtual sobre os cenários para o turismo global pós-covid-19, organizada pela Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), o futurologista Ian Yeoman, professor na Victoria University of Wellington, na Nova Zelândia, e especializado em construir cenários para o turismo, afirmou que a pandemia está mudando o comportamento da humanidade e os valores das pessoas. E isso inclui o turismo. Yeoman aponta a simplicidade, as viagens curtas, a segurança e o turismo familiar como as principais tendências para os próximos quatro anos.
Depois de tantos meses confinados em áreas urbanas, os turistas, acredita o especialista, buscarão a simplicidade em espaços abertos e, por isso, estarão em alta os destinos envolvendo a natureza. Como a pandemia ainda fará parte do cenário nos próximos meses, a segurança da saúde será prioridade, aponta Yeoman, tornando as viagens locais, com menos distância, mais procuradas. O turismo em família será outro destaque, conforme o futurologista, porque muitas pessoas ficaram afastadas dos parentes e dos amigos durante a pandemia. Será o retorno da conexão com as próprias raízes.
O dólar alto, o veto ao desembarque de viajantes do Brasil nos Estados Unidos e na Europa e a crise econômica ajudarão a valorizar as viagens nacionais, de curta duração e com preço em conta. Levantamento realizado pela Braztoa, com a participação de especialistas da Universidade de Brasília (UnB), mostra que 70% dos operadores de turismo no Brasil pretendem aumentar a oferta de destinos nacionais. Outro dado da pesquisa revela que locais no próprio país representarão 60% das viagens programadas por brasileiros para este ano.
— Chegou a hora do Brasil. Serão formadas pequenas bolhas, onde a pessoa sairá do seu ambiente seguro, pegará o seu carro ou alugará um veículo e irá para destinos próximos, num raio de até 500 quilômetros, por ser uma distância segura para retornar. No caso de avião, serão voos de, no máximo, três horas. Porque a pessoa pode voltar no mesmo dia, caso não goste do serviço ou não se sinta segura naquele ambiente. Nos próximos cinco meses, pelo menos, teremos mais viagens regionais — sintetiza o presidente da Braztoa, Roberto Haro Nedelciu.
Coordenadora do curso técnico em Guia de Turismo do Senac, Mariana Hoff alerta que as empresas de turismo precisam se readaptar aos "novos turistas". Se o destino planejado não tiver uma presença online, garante Mariana, deixará de existir. Será preciso divulgar em todos os meios, ressalta, os cuidados com os protocolos sanitários para que as pessoas tenham a segurança de visitar locais limpos e seguros, sem correrem riscos de doença.
— Ainda mais conectado, quem gosta de viajar está acompanhando o posicionamento das empresas frente à pandemia — acrescenta Mariana.
Algumas ações criadas durante a pandemia serão tendências também no pós-covid-19, como a flexibilidade para reservas e remarcações ao longo de 2021, até que o vírus seja combatido, assim como o consumo consciente, as empresas mostrando engajamento com a sustentabilidade local, o reforço nos protocolos de higienização, porque reflete no cuidado e atenção com o cliente, e a valorização das experiências mais autênticas, individualizadas ou em grupos pequenos
MARIANA HOFF
Coordenadora do curso técnico em Guia de Turismo do Senac
Segundo Mariana, o Brasil viverá três momentos distintos no turismo: nestes primeiros meses, a alternativa será o passeio regional, feito de carro dentro do próprio Estado. Mais próximo do final deste ano, deverão retornar as viagens nacionais. E apenas para o próximo ano, sem data ainda definida, poderão ser retomadas as internacionais. Hoje, apenas 23 países permitem a entrada de brasileiros.
Para a professora do curso de Turismo da Feevale Rosi Souza Fritz, este momento está sendo muito importante porque ele faz o turismo, de fato, ser inclusivo com as comunidades locais. Não haverá concorrência com os grandes destinos, pelo menos, até 2021.
— A questão do planejamento será essencial. O turista estará buscando um local confiável para visitar. Dentro dessa confiabilidade que ele procura, é provável que o turismo de massa seja deixado de lado e os locais abertos, com mais natureza, ganhem espaço — visualiza Rosi.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Tendências dominantes no pós-covid-19
- Depois de um longo período de distanciamento, um dos primeiros desejos dos viajantes será voltar a se conectar com os amigos e a família. Inclusive, nas viagens.
- Com o fim do confinamento em áreas urbanas, as pessoas desejarão espaços abertos, em meio à natureza, aos espaços locais e ao turismo rural.
- Os viajantes buscarão locais que estejam atentos a normas rigorosas de higiene.
- As férias curtas e hiperlocais serão as primeiras a retornarem. São trajetos entre 200 e 500 quilômetros de distância ou três horas de voo. Afinal, ainda não haverá vacina para a covid-19 e, se surgirem os sintomas, o viajante pode retornar com segurança para casa em pouco tempo.
Tendências que vão desacelerar após a pandemia
- As pessoas não estarão interessadas em grandes aventuras, elas buscarão a simplicidade.
- Antes da pandemia, havia um descrédito nos governos, acadêmicos e especialistas em determinado tema. Isso está mudando. Lideranças com conhecimento passarão a ser ouvidas. Isso vale também para a indústria do turismo. A informação de qualidade repassada por um operador de turismo volta a ser valorizada, principalmente, enquanto os países seguirem com restrições nas viagens.
- Será o fim da ostentação. Passaremos de uma abordagem individualista para o pensamento no próximo e na conexão com o outro. No turismo, as viagens para voluntariado ganharão força.
- Resorts de ecoturismo cinco estrelas sofrerão por conta dos altos gastos num período em que a economia estará desacelerada.
Cenários possíveis apontados pelo futurologista
1) Surge uma vacina contra a covid-19 ou o controle do vírus, que gera a volta pela procura por viagens. Se a covid-19 desaparecer até o fim de 2021, a recuperação seria rápida, com surgimento de novos produtos e o aumento de visitantes.
2) As nações se tornam mais individualistas e protecionistas, causando queda no turismo internacional. A sociedade está motivada apenas em sobreviver. A indústria do turismo desaparece.
3) O foco é nas comunidades locais e com cenários sustentáveis, pensando no apoio ao comércio local. Projeta a transformação do formato do turismo e sua relação com o ecossistema. Repensa o capitalismo, numa ideia quase utópica.
4) O vírus não é erradicado e continuará vindo em ondas. Neste cenário, no qual Yeoman aposta inicialmente, os países formarão bolhas para viagens entre eles — como já ocorre entre Austrália e Nova Zelândia e Dinamarca e Noruega. O foco está no turismo local, na economia autossuficiente, no bem-estar, na segurança, no coletivismo e no ressurgimento do turismo.
Fonte: Ian Yeoman, futurologista e professor na Victoria University of Wellington
Vale Germânico quer aproveitar a onda
De olho na tendências das viagens regionais, os coordenadores do recém-criado Vale Germânico, que envolve as cidades de Araricá, Campo Bom, Dois Irmãos, Ivoti, Novo Hamburgo, Morro Reuter, Sapiranga, São Leopoldo e Santa Maria do Herval, precisaram reorganizar o planejamento dos roteiros a serem oferecidos aos turistas.
Lançada no final do ano passado, a rota pretendia iniciar a divulgação em março, exatamente no mês em que a covid-19 chegou com força ao Estado. De acordo com a turismóloga e secretária executiva da Região Turística do Vale Germânico, Juliana Kroetz, algumas ações previstas para 2021 foram remanejadas para o segundo semestre de 2020 por conta da covid-19.
Entre os locais que poderão ser visitados, há a localidade rural de Lomba Grande e o Centro Histórico de Hamburgo Velho, em Novo Hamburgo, e o núcleo de casas enxaimel em Ivoti.
— Já neste semestre, vamos lançar pelo menos dois roteiros dos quatro previstos. Temos tudo o que o turista vai buscar neste primeiro momento: o ar livre, a natureza, o meio rural e as pequenas distâncias da cidade de origem. Estamos reorganizando o planejamento para que possamos receber os visitantes de forma segura nos nove municípios.
Hotéis e parques se reinventam em Gramado
Um dos pontos mais visitados do Estado, o município de Gramado mudou a própria rotina para receber os turistas em tempos de pandemia. Desde junho, a área central da cidade tem passado por sanitização com um desinfetante à base de quaternário de amônio, altamente concentrado e de baixa toxicidade. A ação é realizada quando há sol e ocorre, pelo menos, a cada sete dias em pontos públicos de maior circulação.
— A população mais próxima, do próprio Estado e de Santa Catarina, é a que mais está nos visitando, neste momento. Temos apresentado alguns diferenciais, com pacotes promocionais, que podem incluir toda a alimentação dentro do próprio hotel e passeios. A parada nos ajudou a preparar melhor as empresas e a população para a segurança contra a covid-19 — conta o presidente do Sindtur, Mauro Salles.
No Hotel Varanda das Bromélias Med Spa, a primeira mudança percebida pelo gerente, Fabiano Dalla Costa, foi no perfil do público. Antes da pandemia, os principais visitantes eram do Nordeste. Agora, os turistas chegam de São Paulo e do Rio de Janeiro em jatos próprios.
— É um perfil classe A, de pessoas que antes viajavam para o Exterior e que agora não estão conseguindo. Há muitos clientes ficando sete dias, mas a maioria prefere uma hospedagem de três dias. São casais e famílias com crianças pequenas — revela Dalla Costa.
Para atrair a clientela, Dalla Costa criou o serviço all inclusive, que oferece as cinco refeições no próprio hotel. Pelo menos 50% dos hóspedes optam pelo que o gerente chama da "quarentena de luxo". Outras iniciativas que surgiram na pandemia e continuarão no pós-covid-19 são a verificação da temperatura do turista e da saturação do oxigênio logo na chegada do visitante, a flexibilização das alterações e dos cancelamentos sem multa e o protocolo de higienização dos quartos — o ambiente passa por uma limpeza com gás de ozônio e fica até cinco dias sem receber novos clientes.
Já no GramadoZoo, pelo menos 12 medidas foram criadas ou reforçadas para a segurança dos visitantes contra a covid-19, segundo o diretor, Marcos Gomes. E todas continuarão mesmo com o fim da pandemia. Entre as ações, está a verificação da temperatura corporal do visitante antes de ingressar no parque, o uso obrigatório de máscara, o distanciamento sinalizado no chão, os tapetes químicos na entrada do local, a instalação de pias ao longo do trajeto e a possibilidade de abrir os portões dos viveiros apenas com os pés. O visitante entra e sai do espaço sem precisar tocar em absolutamente nada, destaca Gomes.
Os cerca de mil animais que integram o GramadoZoo são provenientes de apreensões, maus-tratos ou criados em cativeiro, que não teriam condições de retornar à vida na natureza.