Embora as viagens a negócios tenham parado em um piscar de olhos quando a pandemia chegou, pode ser que o setor leve de dois a três anos para se recuperar totalmente – período muito mais longo do que os especialistas previam.
— Mesmo esse prognóstico depende da economia como um todo, do setor da empresa em questão e da demanda por seus produtos ou serviços, além da situação da saúde pública — diz Henry Harteveldt, presidente do Grupo de Pesquisa Atmosphere, consultoria que analisa o mercado de viagens situada em San Francisco.
E dois ou três anos pode ser excesso de otimismo – pelo menos para a volta por cima definitiva das principais companhias aéreas.
O analista Michael Derchin descreve o efeito da pandemia nessas empresas como “o resultado agravado do 11 de Setembro mais a Crise de 1929”. Para ele, a recuperação deve levar sete anos, se não mais.
Ele explica que isso se dá porque, embora o viajante a negócios represente cerca de 10% do volume total de passageiros das maiores empresas mundiais – incluindo American, Delta, United, Lufthansa e Singapore –, ele gera metade da receita (para Harteveldt, a proporção fica entre 55% e 75% dos lucros). Afinal, ele não só compra as passagens mais caras e rentáveis como tem mais chances de possuir o cartão de crédito da companhia e adquirir adesão de lounge de aeroportos e outros serviços.
Em relação aos hotéis, o viajante a negócios gera aproximadamente 70% dos ganhos globais de redes como Marriott e Hilton. A métrica comum usada para avaliar a saúde financeira desses estabelecimentos – receita vezes quartos disponíveis – só voltará aos índices de 2019 em 2023 ou 2024.
Michael Bellisario, analista de acomodações para a firma de serviços financeiros Baird, acrescenta:
— A meu ver, os mercados urbanos americanos, que contêm hotéis maiores e mais rentáveis, vão demorar mais do que os pequenos.
O grupo Marriott já está vendo um retorno, ainda que lento, das reservas nacionais, embora muitas sejam para o viajante de férias.
E informa que 70% de seus clientes corporativos estão prestes a afrouxar ou suspender as restrições de viagem dos empregados nos próximos três meses.
Carros
O setor de aluguel de carro talvez seja o mais promissor entre os prestadores de serviços de viagem. Donald Moore, vice-presidente de vendas de aluguel corporativo e contas corporativas internacionais da Enterprise Holdings, empresa principal das marcas Enterprise, National e Alamo, informa que a duração do período de locação vem aumentando:
— Já tem viajante que fica com o carro até sete dias. Antes da pandemia eram menos de três. Mas isso porque agora estão fazendo na estrada os percursos que percorriam no ar, tipo St. Louis a Chicago.
As pesquisas recentes também levantam dúvidas sobre o tempo de recuperação das viagens corporativas e uma possível substituição dessas por plataformas de reunião virtual. Em enquete realizada pela revista Institutional Investor no mês passado, mais da metade dos executivos disse não esperar voltar a viajar antes de novembro ou dezembro, no mínimo. E 93% das mais de 300 multinacionais ouvidas em maio pelo Instituto BCG Henderson esperam mudanças permanentes nas políticas de trabalho e reuniões remotas.
Erin Eckert, diretora do portfólio de doenças infecciosas da ONG RTI International, em Washington, é o típico exemplo da pessoa que normalmente viajaria a trabalho, mas está parada: antes da pandemia, passava 25% do tempo viajando em nome da pesquisa para malária pelos países africanos. Agora, está “de castigo” em casa.
Segurança
E também há os autônomos, cujas visitas aos clientes foram suspensas, como Paul Grizzell, consultor organizacional do Minnesota. Ele, que passava até três semanas por mês vendo clientes, a maioria nos EUA, não sai de casa desde o fim de fevereiro. Para compensar, vem mantendo o contato com os clientes pelo Zoom:
— Não é a mesma coisa do que estar em uma sala de conferências com uma equipe, trabalhando em um problema, almoçando junto, falando com a família.
Ele torce para poder retomar viagens domésticas a trabalho nos próximos meses, e as internacionais “talvez em dezembro ou janeiro”.
Entre os desafios de retomada da viagem corporativa, estão as diretrizes estipuladas pelos aeroportos e pelas companhias aéreas. Mike Janssen, diretor comercial e de operações internacional da BCD Travel, uma empresa de gerenciamento de viagens, exemplifica:
— Vamos dizer que vou para Reno com conexão em Denver: talvez as regras não sejam as mesmas para os dois aeroportos, e por isso não sei para o que devo me preparar. Não sei se há riscos, o que me faz não querer viajar.
Outro possível fator inibidor é a perspectiva de ação judicial se o viajante adoecer. Harteveldt, presidente do Atmosphere, reitera:
— Enquanto não souberem exatamente quais são suas responsabilidades legais de proteção à saúde, à segurança e ao bem-estar dos empregados, as empresas não vão assumir a responsabilidade e o risco de mandar seu pessoal viajar. Elas vão precisar ter certeza de que será fácil chegar ao destino, de que há um ambiente limpo e saudável nos aviões e aeroportos, de que as acomodações são seguras e de que o empregado vai poder voltar rápido para casa se houver novo surto ou for instaurado novo confinamento.