Qual é a melhor maneira de apreciar a exuberância dos cânions dos Aparados da Serra? O engenheiro civil baiano Guilherme Couto aproximou-se da borda, ao lado de uma cascata com 243 metros de queda, e jogou-se no vazio. Quem estava próximo à garganta do cânion Amola Faca, em São José dos Ausentes, viu um homem voar. Na imensidão dos paredões, Guilherme era só um pontinho despencando em alta velocidade.
Quando voltou, içado por um cabo que estava preso ao seu corpo, falava de um cenário que os turistas que visitam a região não costumam ter a oportunidade de ver:
– A visão que eu tive do cânion e da cachoeira ninguém mais vai ter.
Batizado de pêndulo, o salto realizado pelo baiano de 40 anos foi oferecido em um fim de semana do começo de julho, durante o 4º Encontrão do Trip Montanha, o maior grupo de montanhismo do sul do Brasil, com cerca de 2 mil integrantes. Os membros são adeptos de esportes outdoor, como trekking, mountain bike, corrida de aventura, escalada, canoagem, espeleologia, canionismo, slackline e pêndulo. Costumam trocar ideias sobre técnicas, lugares e novidades relacionados ao montanhismo. Uma vez por ano, eles realizam um grande encontro, que em 2019 ocorreu em São José dos Ausentes e revelou um jeito único de curtir e apreciar uma das paisagens mais estonteantes do Brasil: por meio de desafios e esportes junto à natureza.
O pêndulo é o exemplo mais radical dos desafios e esportes na região de São José dos Ausentes. O salto costuma ser oferecido no cânion Espraiado, em Urubici (SC), pela empresa Natural Extremo. Durante o evento Trip Montanha, a modalidade foi trazida pela primeira vez para a porção gaúcha dos Aparados. A empresa esteve no Amola Faca, fez medições e cálculos e adaptou seus equipamentos ao cânion gaúcho.
Fundador da Natural Extremo, Rafael Bridi, 32 anos, começou como atleta profissional de highline (o slackline das alturas, consistindo em equilibrar-se sobre uma fita) e teve a ideia de oferecer uma experiência única aos interessados em aventura. No Amola Faca, ele e sua equipe estenderam a fita de slackline de uma borda à outra do cânion, fixando nela o cabo que é preso ao corpo de quem vai saltar.
A pessoa que se atirava tinha uma queda livre de 80 metros. Quando chegava lá embaixo, não havia solavanco, porque a fita é flexível. Pendurado nela, o saltador pendulava, daí o nome da modalidade. Depois era puxado de volta para a borda por uma engrenagem chamada de sistema de retorno.
– Como esse é um local que não tem acesso por baixo, resolvemos adaptar o highline para os cânions. A gente quer oferecer uma experiência completa. Não tem coisa melhor na vida – explicou Bridi.
Quando o baiano Guilherme se preparava, ele forneceu à equipe os contatos de sua família no Nordeste, “para o caso de acontecer algo”. De fato, não há como estar à beira do penhasco e não temer o pior. Mas Bridi afirma que as desistências são raras – e costumam ocorrer principalmente durante eventos corporativos, envolvendo funcionários que não esperavam saltar e se apavoram quando veem em que consiste o pêndulo.
– Quem investe para fazer a atividade raramente desiste. E a gente garante segurança total.
Entre as 30 pessoas que saltaram durante os dois dias de duração do encontro Trip Montanha estava o carioca Rafael Correa de Carvalho, 34 anos. Ele já tinha experiência com paraquedas e bungee jump, mas com o pêndulo foi a primeira vez. Foi a realização de um sonho. Depois de ser içado de volta, estava em alta rotação, falando rápido, excitado:
– Fantástico. Nossa. Era o que eu queria fazer. É superalto. A sensação é de liberdade, misturada com medo e adrenalina, muita adrenalina. Começa com o medo. Você olha ali do alto e treme na base, o coração vai a mil. Durante a queda livre, você fica no ápice da emoção. É assustador. São poucos segundos até chegar ao limite, mas parece que são horas, porque a emoção é muito forte. Depois você para e fica no ar, pendulando. Aí é que vê a cachoeira, que é muito bonita. É um sentimento muito forte, ainda estou com a adrenalina no corpo.
Sorte ou azar? Frio chega a -3,9ºC
Os participantes mobiliaram a borda do cânion Boa Vista com um sofá e duas poltronas almofadadas. Enquanto o cachorro dormitava sobre uma espécie de mesinha de centro, sentaram-se para curtir um panorama de beleza dramática, que incluía campos, montanhas, penhascos, vales e planícies ao longe – sem contar com aquela que é considerada uma das cascatas mais altas do país, a do cânion Boa Vista.
Foi um dos poucos momentos para relaxar durante o encontro do grupo de montanhistas Trip Montanha, realizado no começo de julho em São José dos Ausentes. A ordem durante os dois dias de evento era aproveitar uma das regiões mais belas do Brasil pela ótica do utilizador: andando, saltando, escalando, voando, sempre em contato direto com a natureza.
– O Trip Montanha é um grupo de amigos que começou em 2010, em Santa Catarina, e que virou o maior grupo de montanhistas do sul do Brasil. É um movimento de pessoas que busca fazer coisas saudáveis, relacionadas ao ambiente e à natureza – explicou o fundador, Cristian Stassun.
O 4º Encontrão, o primeiro realizado em solo gaúcho, ocorreu nas imediações da Pousada Ecológica dos Cannyons, que fica a poucas centenas de metros do Boa Vista e serviu de base para os 450 inscritos. Foram dois dias de trilhas, palestras, música ao vivo e esporte. Segundo Stassun, foi organizada a oferta, por profissionais, de atividades como canionismo (uma forma de rapel em que se entra no cânion), cavalgada, beirismo (que consiste em ficar à beira do precipício com equipamentos de segurança) e voos de balão ou de paramotor, sem contar as trilhas de menor ou maior dificuldade.
– São todos os esportes de montanha reunidos em um único lugar, numa região que permite fazer todas essas atividades, porque tem cânion, tem cachoeira e tem frio – justificou Stassun.
Os amigos Dino Rocha e Alessandro da Costa Porto, ambos de 31 anos, subiram da praia ao alto da Serra para participar. São de Balneário Camboriú (SC) e se encantaram com a montanha e as atividades a ela relacionadas, como as trilhas que fizeram. Depois de descansar nas poltronas à beira do Boa Vista, elogiaram o cenário.
– É um lugar fenomenal. A paisagem é linda. A gente vê até algumas cidades perdidas na distância – contou Alessandro.
– O lugar é lindo, a vibe é bem gostosa, mas a madrugada foi um pouco difícil, porque nunca peguei um frio desses. Eu me inscrevi no balão e no beirismo, continua frio, mas vou arriscar para ver como é – afirmou Dino.
Os montanhistas deram o azar ou a sorte – dependendo do ponto de vista – de subir ao topo dos Aparados durante a ação da maior massa de ar polar do ano até aquele momento – estavam no lugar mais frio na hora mais fria. Chegaram a pegar -3,9ºC em Ausentes.
Três calças e três pares de meias
Para complicar, cerca de 150 dos participantes ficaram acampados ao relento – caso de Alessandro e Dino, que quase congelaram. Entre os campistas havia um grupo de cinco pessoas que haviam se conhecido na véspera, em um grupo de WhatsApp do Trip Montanha. Combinaram de alugar um carro em conjunto para seguir até o topo dos Aparados, aonde chegaram durante a madrugada. Montaram suas barracas, mas não dormiram.
– Se a gente dormisse, não acordava mais – disse Camila Ferreira, 24 anos.
Para aguentar o frio, todos os integrantes do quinteto usavam pelo menos duas meias e duas calças, mas Gabriel Baldo, 30 anos, preferiu usar três de cada – a terceira meia ele tomou emprestada de Viviane Spengler, 33 anos, porque não estava sentindo os pés.
Apesar das condições climáticas extremas, com os termômetros incapazes de marcar temperatura positiva, o quinteto estava faceiro com a experiência.
– Vale pelo cenário, pelo nascer do sol incrível e pelas pessoas – disse Viviane.
O baiano Guilherme Couto, que saltou do pêndulo, considera que as temperaturas baixas fazem parte do encanto da região.
– Em Salvador, temos as quatro estações: calor, quentura, verão e mormaço. Quem vem para cá tem de usufruir desse frio – falou.