Existem dias de inverno em São José dos Ausentes em que só saem à rua antes do amanhecer cachorros doidos e turistas. Foi assim neste domingo (7), quando a cidade teve o terceiro dia consecutivo com temperatura abaixo de zero, desta vez -3,9ºC, a menor marca do ano, batendo os -3,1ºC da véspera.
Antes das 7h, enquanto os moradores mantinham-se prudentemente trancafiados dentro de casa, submersos em cobertores, os únicos a contrariar o nome de Ausentes e a marcar presença lá fora, na cidade fantasma, eram os cães sem rumo e os três integrantes de uma família de Encantado.
— Somos os únicos loucos de sair — reconheceu, de cara, Francine Jachetti, 38 anos.
Ela estava junto à igreja do município (onde a primeira missa dominical ocorre no cauteloso horário das 9h30min) com o marido, Gustavo Jachetti, 39 anos, e com o filho, Lucas, 11 anos. O trio fazia selfies junto a um termômetro que marcava -5ºC e admirava um pequeno lago que havia congelado. Naquela hora, os campos ao redor estavam cobertos de branco, a água não saía das torneiras por motivos de congelamento e as poças d'água haviam se transformado em espessas camadas de gelo.
— Eu vi a previsão de frio para o domingo e disse: vamos para Ausentes. Nós viemos em 2016 e foi maravilhoso. Fazia sol, mas tinha umas nuvens escuras, meio rosadas, e caía chuva congelada. Meu marido queria ir a Cambará, mas eu quis vir para cá por causa dessa experiência linda — contou Francine.
Dois anos atrás, a família tentou ir até o pico do Monte Negro, a 1,4 mil metros de altitude, mas teve de desistir no meio do caminho. Não estavam suficientemente agasalhados, e a dada altura Lucas reclamou que já não aguentava o frio. Desta vez, se prepararam melhor e conseguiram ir à montanha no sábado (6). No amanhecer deste domingo, Francine usava quatro camadas de blusas e casacos, duas calças, duas meias e botas térmicas. Por via das dúvidas, mantinha algumas mantas térmicas ao alcance, dentro do carro.
— Frio em casa não serve para nada, é um incômodo. Mas aqui não tem de lavar louça, não tem de lavar roupa. Aqui o frio é lindo — filosofou ela.
Quando o sol começou a despontar, lá pelas 7h, mais dois turistas apareceram na rua principal de Ausentes. Adriane Vieira, 34 anos, e o marido, Jessé Gomes, 52. Por causa do trabalho como engenheira civil, Adriane mora desde 2015 fora do Rio Grande do Sul — passou por Pernambuco, Rio de Janeiro e agora está São Paulo — e sente saudade do frio.
— Estou morando em um lugar quente. Quando dá um friozinho na Serra, sinto vontade de vir — disse.
A engenheira estava bem agasalhada, com quatro camadas de roupa e duas calças, mas nem todos são precavidos. A pouca distância do centro da cidade, era possível ver dois indivíduos saltitando como doidos na beira da estrada de acesso, numa tentativa meio desesperada de espantar o frio. Volnir de Matos, 37 anos, e Dgeovany Hoynascky, 16, haviam recém-chegado de caminhão, às 7h13min, para buscar um carregamento de brócolis. Não esperavam encontrar uma temperatura de -3,5ºC (a marca por volta das 7h, segundo a estação local do Instituto Nacional de Meteorologia) e não tinham roupa suficiente. Enquanto aguardavam o barracão do fornecedor abrir, tratavam de se mexer para esquentar o corpo. Eles haviam saído à 1h de Anitápolis, em Santa Catarina.
— Foi tenebroso. O vidro do caminhão congelou. A gente parava nos postos para lavar o vidro, mas não conseguia, porque a água estava congelada nas torneiras. Viemos devagar, por causa do gelo na estrada, e o aquecimento do caminhão não deu conta — queixou-se Volnir.