O encontro entre o passado e o presente fica evidente para quem visita a Estação Férrea de Garibaldi. Nos 100 anos de existência, completados este ano, os trilhos foram responsáveis por transportar não só passageiros, como também o próprio desenvolvimento turístico do município. Há 26 anos, a estação integra o roteiro da Maria Fumaça, fazendo o transporte diário de turistas em um percurso de 23 quilômetros.
— No passado foi extremamente importante, principalmente pelo transporte de passageiros e de cargas. Hoje, é um grande colaborador na vinda de turistas ao município. Muitos deles se hospedam por aqui e visitam a cidade. Não é somente um ponto de passagem — avalia o secretário de Turismo de Garibaldi, Paulo Salvi.
A história da Estação Férrea se funde com o desenvolvimento dos municípios vizinhos, uma vez que a malha ferroviária começou, primeiramente, em Carlos Barbosa, em 1909. A inauguração da Viação Férrea de Garibaldi ocorreu no dia 7 de setembro de 1918, com financiamento do governo do Estado. Após, os trilhos foram estendidos para Bento Gonçalves. Um dos objetivos era escoar a produção das cidades da região.
À época, o trem partia de Porto Alegre ou Montenegro com destino à Serra. Nesse ponto, os passageiros trocavam de locomotiva para seguir para Caxias do Sul, Garibaldi ou Bento Gonçalves. Além de pessoas, os trens eram responsáveis também por transportar cargas vivas e alimentos, por exemplo. O transporte de passageiros foi desativado totalmente em 1965, conforme a diretora do Arquivo Histórico do município, Elenita Girondi.
— Começaram a entrar as multinacionais e o governo começou a incentivar a substituição dos trens por caminhões. O que foi uma pena, porque deveríamos continuar com os dois meios de transporte — lamenta a historiadora.
Com a chegada da Estação Férrea a Garibaldi, surgiu a necessidade de espaço para manutenção dos trens, que foi resolvido com a construção de oficinas de reposição de peças. Esses empreendimentos seguiram até 1929, quando os funcionários foram deslocados para Santa Maria. Hoje, parte da estrutura arquitetônica é utilizada pela empresa Tramontina.
As moradias utilizadas pelos trabalhadores dos altos cargos das oficinas também resistem ao tempo. São três construções tombadas como Patrimônio Histórico, que ficam em uma rua próxima da Estação Férrea.
330 mil turistas por ano
Desde 1992, a rede ferroviária que liga os municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Carlos Barbosa é administrada pela Giordani Turismo. O passeio de Maria Fumaça ocorre diariamente, variando entre quatro a seis viagens diárias, dependendo da baixa ou alta temporada. O percurso é de 23 quilômetros e contempla até quatro horas de atividades. Conforme a empresa, mais de 330 mil turistas realizam o passeio anualmente.
Além da Maria Fumaça, a Estação Férrea de Garibaldi integra o projeto Garibaldi: Uma Cidade de Cinema, que foi lançado em maio pela prefeitura. A ferrovia também aparece no longa-metragem O Filme da Minha Vida, do ator Selton Mello.
"Era um luxo, porque não tinha barro nem atolador"
As viagens de trem pela Serra fazem parte da lembrança e da saudade do aposentado Acyr Girondi, 86 anos. Morador de Garibaldi, ele recorda das facilidades trazidas pelos trilhos de ferro nas décadas de 1930 e 1940:
— Era um luxo, porque não tinha barro, nem atolador. Mas eram poucas as pessoas que tinham um poder aquisitivo para andar de trem. Naquela época, a gente vivia da agricultura, então não se tinha muito dinheiro.
Girondi recorda que a primeira vez que pisou dentro de uma locomotiva tinha menos de cinco anos. Os destinos variavam, mas geralmente ele seguia para Carlos Barbosa, Bento Gonçalves ou Caxias do Sul para visitar os familiares. Os passeios foram repetidos diversas vezes até meados da década de 1940.
— Eu lembro que tinha os vagões de primeira classe e os de segunda. Os de primeira eram os mais caros, tinham bancos estofados, eram de luxo. Nos vagões de segunda, os bancos eram de madeira, mais simples. Se a gente queria comer algo, tinha de comprar nas estações em que o trem parava. Lá, eles vendiam frutas e pastel — relembra.
Segundo o aposentado, não era raro também a locomotiva fazer paradas para "abastecer" com a lenha ou a água que enchiam as caldeiras.
— A passagem era comprada com o chefe da estação, chamado de estacionário. Não tinha número, quem entrava primeiro ia escolhendo os lugares. Para ir até Caxias, por exemplo, a gente tinha de ir até (Carlos) Barbosa e esperar a locomotiva que vinha de Porto Alegre, para fazer a baldeação — recorda o aposentado.