Depois de O Palhaço (2011), filme brasileiro que conseguiu o raro feito de unir sucesso de crítica e público, com mais de 1,5 milhão de espectadores, Selton Mello antecipou que seu próximo trabalho como diretor seria cercado de expectativa. Depois de quebrar a cabeça tentando escrever uma história original que o agradasse, o ator e realizador encontrou o material certo para seu terceiro longa-metragem em Um Pai de Cinema, romance que apareceu na produtora com a qual trabalha acompanhado do seguinte bilhete: "Oi, aqui é o Antonio Skármeta. Estou oferecendo a vocês os direitos deste livro". Adaptado para o cinema por Selton e pelo roteirista Marcelo Vindicatto, o drama baseado no texto do escritor chileno – autor de O Carteiro e o Poeta – entra em cartaz hoje no país. Rebatizado como O Filme da Minha Vida, o roteiro foi transposto do interior do Chile da década de 1950 para a serra gaúcha em 1963 – mas o coração da trama é o mesmo: a busca de um filho pelo pai que desapareceu de sua vida inesperadamente e sem deixar rastros.
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Rodado entre abril e maio de 2015 em Bento Gonçalves e em sete cidades da região, O Filme da Minha Vida acompanha o cotidiano de Tony Terranova (Johnny Massaro), professor de francês em um colégio da fictícia Remanso que convive com os conflitos dos alunos no início da adolescência. Apaixonado por livros e pelos filmes que vê no cinema da cidade vizinha, o protagonista nutre em silêncio a paixão pela amiga Luna (Bruna Linzmeyer) e amarga a melancolia da ausência paterna – o francês Nicolas (Vincent Cassel) abandonou a mulher, Sofia (Ondina Clais), no dia em que o filho voltou dos estudos fora, alegando que retornaria a seu país natal.
O frágil elo de Tony com o pai é o criador de porcos Paco (Selton), amigo da família de quem o rapaz torna-se mais próximo.
– Além de lidar com o próprio amadurecimento, Tony tem que enfrentar essa falta inexplicada do pai. O Selton é o profissional que eu mais admiro no cinema e na TV e trabalhar com ele é um privilégio – disse Massaro em entrevista a Zero Hora na época da filmagem.
O elenco de O Filme da Minha Vida conta ainda com nomes como Beatriz Arantes, no papel da bela irmã mais velha de Luna, e Martha Nowill, interpretando uma prostituta compreensiva. Skármeta faz uma participação especial como dono de bordel, enquanto Rolando Boldrin vive um velho condutor de maria-fumaça – curiosamente, a única outra aparição no cinema do veterano apresentador de programas musicais como Som Brasil e Sr. Brasil foi como um maquinista em Doramundo (1978). Se em sua estreia como diretor de longa com Feliz Natal (2008) o tom era de drama pessimista sob influência do cineasta norte-americano John Cassavetes, o registro alcançado agora por Selton Mello em O Filme da Minha Vida é o de caloroso romance de formação de sabor agridoce e algo nostálgico. Embalado por canções francesas e italianas dos anos 1960, o longa captura a luminosidade outonal da Serra pelas lentes do mestre Walter Carvalho – um dos maiores diretores de fotografia do cinema brasileiro.
– Fiz o filme como eu sonhava fazê-lo, com uma linguagem onírica, filmado como se fosse um grande sonho. A cena em que o Tony literalmente voa encantado com as meninas é só uma confirmação do resto. Se ele voa, então tudo pode – explicou Selton falando com ZH pelo telefone enquanto viajava para a pré-estreia do filme ontem em Bento, depois da sessão terça-feira em Porto Alegre.
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ENTREVISTA:
SELTON MELLO, ATOR E DIRETOR
O Filme da Minha Vida parece ter sido sua maior produção como diretor. A rodagem na Serra foi complicada?
Até foi. Mas, quando você quer muito fazer uma coisa e põe uma energia boa naquilo, tudo dá certo. Desde mandar o roteiro para o Vincent Cassel um mês antes de começar a filmagem e ele responder "Que lindo, eu quero fazer!" até rodar em sete cidadezinhas, com carros de época e mais de 500 figurantes.
Antonio Skármeta participou com sugestões?
Tivemos uma conversa durante todos os tratamentos do roteiro. Ele foi o melhor interlocutor que eu poderia ter pela generosidade dele. Como já viveu isso em outros filmes, tipo O Carteiro e o Poeta (filmado em 1994 por Michael Radford) e No (filmado por Pablo Larraín em 2012), ele não é um escritor apegado às palavras, me deixou livre para mudar. E eu alterei mesmo muita coisa: o perfil do meu personagem no filme é outro, a passagem da bicicleta para a moto como metáfora do amadurecimento do protagonista não tinha no livro, recriei os diálogos.
Como foi dirigir Vincent Cassel, um astro do cinema internacional, e Johnny Massaro, um rosto ainda novo nas telas?
Cassel é um bicho de cinema. Quando eu apontei a câmera pela primeira vez para o Cassel, entendi por que ele é um astro. É realmente uma força muito grande. Foi uma maravilha tê-lo fazendo esse pai, porque é um personagem muito importante, mas que aparece pouco. Graças ao carisma dele, você sente a falta desse pai tanto quanto o filho sente. Já o Johnny é diferenciado. Tony Terranova é um personagem que tem muitas coisas a oferecer, e Johnny tinha todas elas: é carismático, divertido, gauche, estranho, gato, parece o Louis Garrel (ator francês), é inadequado, dono do filme, coadjuvante. O Johnny podia ser tudo isso aí.