Enquanto a preocupação da maior parte das cidades é atrair turistas, para algumas o problema é justamente o oposto: o excesso deles. O tema foi um dos mais discutidos nos corredores e nas conferências da ITB Berlin, feira líder no setor de turismo que ocorreu na Alemanha no começo deste mês.
O fenômeno do overturismo, também chamado de turismofobia ou antiturismo, ocorre quando um local supera a capacidade máxima de visitantes, causando transtornos para os moradores e para os próprios viajantes. Os destinos começam a ficar superlotados, a infraestrutura passa a não dar conta da demanda, e os preços sobem.
O IPK International, uma das principais consultorias de turismo do mundo, realizou, em fevereiro deste ano, um estudo especial entre os viajantes internacionais sobre overturismo.
Os dados foram divulgados durante a ITB e mostram que 24% tiveram a sensação de que o destino que visitaram estava saturado de pessoas. Destes, 9% afirmaram que a situação afetou a qualidade da viagem. Os lugares mais atingidos, segundo a pesquisa, são Cidade do México (23%), Xangai (22%), Veneza (20%), Pequim (19%), Hong Kong (18%), Istambul, Amsterdã e Florença (as três com 17%) e Barcelona (16%).
– Acredito que a questão, apesar de ser pontual em algumas cidades, considerando-se as que estão publicamente expressando essa realidade, deve ser um tema de preocupação para os pesquisadores e para os gestores públicos, em especial – defende Silvana Souza, professora do curso de Turismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR). – As cidades em que presenciei de forma direta, nos últimos meses, um forte movimento contra o turismo foram Barcelona e Girona, ambas na Espanha – acrescenta.
O descontentamento da população, que se sente sufocada, ameaçada e prejudicada pelos altos preços dos aluguéis e restaurantes, por exemplo, tem provocado algumas reações dos moradores. No ano passado, grandes protestos, reunindo milhares de pessoas, ocorreram em cidades como Barcelona e Veneza – que, em 30 anos, perdeu metade da população, no chamado “Venexodus”. Em muitos dias, o número de turistas supera o dos cerca de 55 mil residentes.
O problema é complexo porque está diretamente ligado à economia. Ou seja: é necessário achar uma saída sem fazer com que os turistas desistam dos destinos. De acordo com relatório da World Travel & Tourism Council (WTTC), divulgado em dezembro, viagem e turismo é um dos setores de crescimento mais rápido do mundo. Em 2017, contribuiu com cerca de US$ 7,9 trilhões para a economia global, o equivalente a 10,2% do Produto Interno Bruto (PIB) global – e a estimativa é que chegue a 11,4% (US$ 11,5 trilhões) em 2027.
Além disso, estima-se que, até 2030, um bilhão de pessoas a mais vão ingressar na classe média, com maiores possibilidades de gastar em viagens. Esses números impactantes já afetam alguns destinos. Na Islândia, o fluxo de visitantes quadruplicou entre 2010 e 2016, levando à restrição do acesso a certos locais de natureza mais frágil.
Para Gloria Guevara Manzo, presidente e CEO da WTTC, que abordou o tema em uma das conferências da ITB, o overturismo tem significados distintos em diferentes locais e pode atingir uma cidade inteira ou apenas um ponto isolado dentro dela. Ela explica que o problema pode ser dividido em cinco tipos: moradores locais descontentes, experiência turística negativa, infraestrutura sobrecarregada, danos à natureza e ameaça à cultura. Alguns lugares podem sofrer com mais de um desses problemas ao mesmo tempo.
Mais do que falar sobre a situação, o grande debate na ITB foi como contorná-la, já que nenhum país quer afugentar os turistas e diminuir o lucro que eles proporcionam. Baseada em amplas pesquisas feitas pela WTTC, Gloria sugere cinco pontos: planejar a longo prazo, promover um trabalho conjunto entre público, privado e comunidade, diversificar o produto, encorajar os viajantes a irem a locais diferentes, em horários diferentes para experiências diferentes e utilizar a tecnologia.
Nesse último ponto, um bom exemplo é Amsterdã, na Holanda, que já sofre com o problema e tenta solucioná-lo. Os visitantes da cidade podem baixar um aplicativo para smartphones que envia notificações avisando sobre longas filas e sugerindo alternativas de passeio. Também está disponível um serviço de inteligência artificial que aponta destinos além dos convencionais, com base nos perfis de redes sociais do usuário.
A essas sugestões, Margaux Constantin, coautora do relatório da WTTC, acrescenta: ajustar preços para equilibrar oferta e demanda (por exemplo, a cobrança de taxas de permanência), limitar o acesso a determinadas atividades e locais, regulamentar acomodações (como ter regras para alugueis de curta duração) e buscar novas formas de financiamento.
Para exemplificar o ajuste de preços, Margaux cita o prédio mais alto do mundo, Burj Khalifa, em Dubai, nos Emirados Árabes. Dependendo do horário da visitação, o turista pode pagar um preço bem mais salgado – mesmo assim, os horários mais caros, como o pôr do sol, costumam esgotar.
Brasil ainda não sofre desse mal
Embora algumas cidades brasileiras fiquem superlotadas em determinadas ocasiões, como os destinos de praia no Carnaval, o problema ainda não se manifesta de forma ampla no país.
– No Brasil, acredito que a preocupação atual ainda é o incremento do número de turistas, necessitando-se pensar em como equacionar o aumento do fluxo turístico com a efetiva elevação da qualidade de vida dos moradores das localidades onde acontece o fenômeno – relata Silvana Souza, da Universidade Federal do Paraná.
Algumas cidades já usam mecanismos para controlar o número de visitantes, como Fernando de Noronha (PE), declarado Patrimônio Natural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco). Pela legislação estadual, a ilha suporta 246 visitantes por dia, o que soma um limite de pouco menos de 90 mil pessoas ao ano. Se esse montante é excedido, pode causar sérios problemas no abastecimento de água e o estouro da rede de esgoto, que acaba escoando para a praia, por exemplo.
O acesso à ilha é feito somente por barco ou por três voos diários, e a oferta de leitos também é restrita. Além disso, todos os turistas têm de pagar uma taxa diária de preservação ambiental.
– Os caminhos para resolver o problema do overturismo deverão ser do planejamento responsável, baseado em pesquisas científicas, analisando o desenvolvimento e não apenas o aumento do fluxo turístico – finaliza Silvana.
*A repórter de ZH participa do Deutsch-Lateinamerikansches Programm von IJP e, por dois meses, trabalha como redatora convidada no jornal Die Welt, de Berlim