Islamofobia, xenofobia, e, agora, TURISMOFOBIA. É uma péssima hora para uma nova palavra aparecer no vocabulário mundial, como acabou acontecendo neste verão europeu. Ironicamente, semanas antes do atentado em Barcelona, a capital catalã discutia o excesso de visitantes, que “sequestraram” pontos turísticos, como La Rambla e Barceloneta, cartões postais da cidade.
Quem viaja com frequência sabe o que é tentar enquadrar o Taj Majal, a pirâmide do Louvre ou o Cristo Redentor sem que uma cabeça ou uma mão alheia invada nossa foto. Viajei certa vez até o Camboja para desbravar o império perdido do Khmer, mas não consegui fazer sequer uma foto decente das ruínas de Angkor. Absoluta incompetência minha, acredito. Em todas as imagens, aparecia algum turista. “Onde termina o meu direito e começa o do outro?”, costumo refletir nessas situações, ao mesmo tempo em que sou invadido por outro pensamento: “Pior deve ser a vida dos nativos, acostumados a passar pela Torre Eiffel ou o Portão de Brandemburgo toda manhã ou tarde, na ida e na volta do trabalho”.
Não precisamos cruzar o Atlântico: o que pensa quem mora em Gramado,Canela, Rio ou Salvador a cada enxame de turistas que desembarca dos ônibus ávidos por uma selfie?De 1995 a 2016, o número de viajantes internacionais passou de 525 milhões para 1,235 bilhão, graças à criação das companhias de baixo custo, à incorporação de mercados emergentes, como China, Índia e países do Golfo, e apesar do transtorno que se tornou cada jornada em aeroporto pós-11 deSetembro de 2001.Em 14 de agosto passado, três dias antes do massacre na Rambla, o jornal espanhol El País publicou reportagem com o título: “Quantos turistas cabem na Espanha?” O texto informava que, ao mesmo tempo em que o setor é responsável por 11% do Produto InternoBruto espanhol, essa indústria encarece o aluguel de imóveis e serviços e expulsa, por tabela, os locais de seus bairros.
Na onda da turismofobia, foram registrados atos de vandalismo contra ônibus turísticos e muros de Barcelona apareceram pichados com inscrições:“Todos os turistas são desgraçados”.Parte é culpa de um grupo anticapitalista chamado CUP e de plataformas populares como La Barcelona Diu Prou (Barcelona Diz Basta).Nenhuma cidade gostaria de entrar para a lista de Nice, Berlim, Londres,Paris e Bruxelas – para ficarmos nas que tiveram atentados recentes, estes que qualquer um de nós pode ser alvo ao estar caminhando pela Rambla, por Westminster, ou sentado saboreando um café da Place de La Republique.
Só Paris, que sofreu os atentados de novembro de 2015, em regiões como o Stade de France, na casa de espetáculos Bataclán e em bistrôs próximos, perdeu, em 2016, 1,5 milhão de turistas – em cifras, o equivalente a 1,3 bilhão de euros. A Turquia sabe bem o que é isso.Alvo de um golpe de Estado fracassado e atentados frequentes, em especial na sua linda Istambul, o país viu os lucros caírem 30% em 2016. O governo turco chegou a prolongar as férias da FestaMuçulmana do Sacrifício para fomentar o turismo interno.
Nova York se recuperou do 11 deSetembro mostrando o que os americanos têm de melhor: saindo para rua, voltando aos bares e aos espetáculos da Broadway.Apesar de tudo de ruim que veio em termos de política externa pós-11 deSetembro, a Europa no quesito resiliência tem a aprender com os americanos.
Outras manifestações de turismofobia
VENEZA
Autoridades italianas têm criticado o que chamam de“turismo de baixa qualidade”e limitaram o número de pessoas que entram na cidade em suas piazzas clássicas.Cerca de 20 milhões de turistas chegam todo ano aVeneza.Há mobilização de moradores contra cruzeiros, e lojas colocaram placas nas vitrines, mostrando como chegar dali àPraça de São Marco ou à Ponte di Rialto, só para as pessoas pararem de entrar para pedir informações.
LISBOA
A explosão do turismo nos últimos anos coloca em situação complicada os humildes moradores de seu bairro mais antigo, Alfama, cheio de apartamentos turísticos que encarecem o mercado imobiliário. No local, é difícil encontrar aluguéis por menos de mil euros por mês, uma soma enorme em relação ao salário de um português, normalmente inferior.
FLORENÇA
Autoridades optaram por regar com mangueiras os arredores de seus principais monumentos, onde costumam sentar-se multidões de turistas.
PALMA DE MALLORCA
O arquipélago limitou a623 mil os turistas em locais de visitação,e quer reduzi-los para120 mil nos próximos anos.
DUBROVNIK
Parada de muitos cruzeiros e cenário da famosa série Game of Thrones, a cidade croata é invadida por turistas.Para entrar na parte antiga, é necessária uma hora, a uma temperatura de 40ºC no verão.
BARCELONA
No bairro costeiro de Barceloneta, moradores protestam contra problemas de falta de civilidade, como bebedeira e sexo em espaços públicos. Aluguéis e preços dos imóveis estão elevados, impossibilitando que muitos nativos continuem morando ali.