Por Valderez Anzanello, especial*
O Butão é um pequenino reino no sul da Ásia, entre os gigantes China e Índia, encravado entre as montanhas dos Himalaias e ainda muito distante das rotas turísticas.
Foi neste exótico e desconhecido lugar que chegamos em outubro de 2015, desembarcando em Paro, a porta de entrada. Nesta cidade, está o único aeroporto do país – e que aeroporto! As altas montanhas e a pista curta exigem toda a perícia dos pilotos. Poucos estão habilitados a fazer essa rota, que é tão perigosa como espetacular. Vale ressaltar que é na Cordilheira dos Himalaias que se encontra o Monte Everest, o mais alto do mundo. Um enorme outdoor com a imagem do jovem casal real dá as boas-vindas aos visitantes.
Recebidos com lenços brancos, iniciamos nosso tour de sete dias visitando Paro, Thimphu, a capital, e Punakha, área mais rural. O Butão é um destino caro, e a explicação é que, desta forma, é possível manter um turismo de qualidade e evitar transtornos causados pelas diferenças culturais.
Esta nação que abriu as portas aos estrangeiros em 1974, depois de séculos de isolamento e conflitos, conseguiu preservar suas tradições e manter a harmonia entre a população, hoje em torno de 700 mil habitantes. Eles são budistas, cultuam um Guru Rinpoche conhecido como o segundo Buda, vivem em pequenas comunidades rurais com pouco luxo e vestem-se com lindos trajes típicos – para as mulheres, a “kira”, para os homens, o “gho”.
Metade dos adultos é analfabeta. O esporte nacional é o arco e a flecha, o fumo é proibido, todas as casas recebem uma purificação anual dos monges, bens materiais não são valorizados, a moeda é o ngultrum e o idioma mais falado é dzongkha (nos hotéis e guias, fala-se o inglês). A televisão só chegou lá há 10 anos, mas internet e sinal de wi-fi já existem nos bons hotéis onde nos hospedamos.
Tudo é muito peculiar, e o que chama mais atenção é que o rei Jigme Khesar Wangchuck, no poder desde 2008 — jovem, amado por todos e educado na Europa, coloca o bem-estar do povo acima de qualquer interesse econômico. Seu reino é simples e está entre as nações mais pobres do mundo, segundo as Nações Unidas. O salário mínimo gira em torno de US$ 100. No entanto, é regido com grande sensibilidade e tem uma filosofia de desenvolvimento que coloca a felicidade do povo acima dos índices de Produto Interno Bruto (PIB).
Há o Ministério da Felicidade, que planeja o bem-estar de todos. A Felicidade Interna Bruta (FIB) é avaliada pelo governo com critérios como desenvolvimento econômico sustentável, preservação das tradições, conservação do ambiente, bom governo. Assim, o Butão figura entre as 10 nações mais felizes do mundo. Com baixíssimos índices de violência, não tem mendigos e a fome é zero. São em sua maioria vegetarianos, o arroz é a base principal da culinária, e a pimenta é largamente utilizada.
A arquitetura é outra das muitas atrações do país. Os prédios e casas têm estrutura de madeira e taipa. As estacas são esculpidas umas nas outras, sem a ajuda de pregos. O acabamento dos telhados é feito e pintado à mão. Algumas pinturas são verdadeiras obras de arte, com dragões, flores, bolas, portais e rodas da sorte e também o símbolo fálico em homenagem ao deus da Fertilidade. Tudo muito colorido.
Uma capital sem semáforos
Com mais de 2 mil metros de altitude e cerca de 80 mil habitantes, Thimphu é a única capital nacional no mundo sem nenhum sinal de trânsito. Um guarda orienta o tráfego de dentro de uma guarita.
Era outubro, mês do tradicional festival butanês na capital. Devidamente trajados de kira e gho, serpenteando entre vales e montanhas, chegamos à Praça do Monastério e, misturados à gente da região, vivenciamos a mais famosa forma de expressão da cultura butanesa. Um dia mágico, colorido e inesquecível. Uma imponente estátua do Buda sentado, com mais de 50 metros de altura, merece ser visitada, tanto pelo seu interior, onde está o templo, quanto pela vista que se descortina ao redor.
Seguimos para o Memorial Chorten, o Museu do Folclore e a Escola de Artes Tradicionais. Como era feriado, muitos butaneses estavam por lá, e assim pudemos presenciar suas reverências, sua forma de oração e, juntos, giramos muitas rodas de oração.
Há cerca de 2 mil templos e monastérios budistas no país. Cada distrito tem um “dzong” – antigos fortes hoje usados como sedes administrativas. Assim como os chortens e as stupas, construídos para abrigar imagens de Buda e relíquias religiosas, os dzongs são símbolos da identidade do Butão.
Templos e plantações de arroz
De Thimphu, seguimos a Punakha, com parada em Dochula Pass, onde 108 stupas foram erguidas em homenagem a soldados caídos. Nesse ponto, estávamos a 3.140 metros de altitude, local onde teríamos uma das melhores vistas dos Himalaias – se a neblina tivesse permitido. E lá fomos nós, por uma estrada precária (mas que estava sendo totalmente recuperada), passando por lindas paisagens.
Imaginem plantações de arroz em degraus, indo do verde ao dourado, formando curvas e ondas e, no centro, a pequena cidadezinha de Punakha. Ali, visitamos o Chimi Lhakhang, o Templo da Fertilidade, e também um convento de monjas. Foi nesse convento que tivemos o privilégio de assistir, ao anoitecer, ao momento de oração e cântico das monjas, com direito a almofada e chá de manteiga. É para não esquecer jamais.
Para chegar ao Khamsum Yulley Namgyal Chorten, uma forte caminhada morro acima em meio a lindas plantações. Já no templo, com interior magnífico, uma escada leva ao terraço onde tivemos uma espetacular vista panorâmica do rio e do vale.
Depois de um almoço tipo piquenique, visitamos o Pungtang Dechen Photrang Dzong, o Templo da Felicidade, uma das mais belas construções do país.
O ninho do tigre
Hora de voltar para Paro. Nesta cidade, estava o mais difícil e esperado momento da viagem: visitar o Tiger’s Nest, ou Ninho do Tigre, um dos mais sagrados e lendários templos do Butão, até o qual, segundo a lenda, o guru Rinpoche voou montado num tigre. Foi uma longa caminhada montanha acima, passando por trilhas e escadarias sem fim até chegar aos 3.250 metros de altitude.
Muitos fazem parte do trajeto montados em burricos. Optamos por enfrentá-lo a pé, passando por milhares de bandeirolas coloridas e com uma parada para girar as rodas de oração. Esforço totalmente recompensado quando entramos no templo encarapitado na montanha. Um lugar mágico em um cenário de paz.
Ainda tivemos um tempo para passear no centro, gastar os últimos ngultruns. À noite, sentados ao redor de uma fogueira com direito a lua cheia, brindamos nossa estada fantástica no Butão, o reino da felicidade.
*Leitora de GaúchaZH, a globetrotter Valderez Anzanello é economiária aposentada e mora em Veranópolis