Nos trens franceses, é possível transportar bicicletas
Foto:Owen Franken/The New York Times
Pelo caminho, pátios de trem e velhas fábricas grafitadas
Foto: Owen Franken/The New York Times
Era fácil imaginar que iríamos pedalando para dentro de um quadro de Camille Pissarro, uma de suas paisagens impressionistas do século 19 retratando a tumultuada vegetação em volta de Paris. Fileiras perfeitas de choupos acompanhavam o estreito Canal de l'Ourcq, suas folhas farfalhando em uma brisa que temperava o ar morno de agosto. Os bosques ao redor traziam um odor pesado e verde, e as águas escuras do canal refletiam as finas varas de alguns pescadores em suas margens gramadas.
Através de aberturas na mata densa, tive vislumbres de campos dourados de trigo prontos para a colheita. Nesta pintura viva, as intrusões modernas eram poucas: eu e Mac, meu parceiro, passando pelo caminho ao lado do canal nas bicicletas que havíamos alugado em Paris, quase 24 quilômetros atrás.
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O Canal de l'Ourcq pode ter começado como um projeto da era napoleônica para transportar carga e abastecer Paris com água potável, mas nos últimos anos se tornou uma das rotas favoritas de ciclistas parisienses tentando escapar da cidade. Uma ciclovia bem sinalizada acompanha o canal por 27 quilômetros enquanto ele se dirige ao nordeste da cidade, pelos departamentos de Seine-St.-Denis e Seine-et-Marne, até a simpática cidade de Claye-Souilly.
Boa experiência até para ciclistas de ocasião
A via marca uma estável e fascinante progressão do urbano ao pastoral, primeiro contornando linhas do metrô, pátios de trem e velhas fábricas grafitadas, antes de atravessar parques suburbanos e, finalmente, uma paisagem silvestre que viu poucas mudanças no último século. Ao longo do caminho, há bonitos locais para piquenique - e, sendo a França, um ou dois cafés ocasionais.
Passando um mês em Paris neste verão, Mac e eu decidimos encarar o longo passeio mesmo sendo apenas "ciclistas de férias" - caras que não possuem bicicletas, costumam pedalar apenas nas férias e dificilmente usam as roupas coladas de lycra. Para ter uma ideia da rota, conferi o site turístico do departamento Seine-St.Denis. O que ficou imediatamente claro foi que precisaríamos de bicicletas decentes - nada exagerado, como aquelas de corrida com pneus finíssimos ou mountain bikes com dúzias de marchas.
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Apenas bicicletas básicas com diversas velocidades. Em vez das robustas bikes de três velocidades do programa municipal de Paris, que seriam pesadas e caras demais (39 euros cada por seis horas, ou cerca de R$ 130), descobrimos algumas lojas oferecendo modelos de todos os tipos.
Escolhi a Paris a Velo C'est Sympa, pois era perto de nosso apartamento em Marais e ao lado da ciclovia na Boulevard Richard-Lenoir, que nos colocaria diretamente no início do caminho para o Canal de l'Ourcq. E o preço era justo: 15 euros (R$ 50) por um modelo de seis velocidades pelo dia todo.
Partimos às 10h de uma sexta-feira. Seguindo pela Richard-Lenoir alcançamos o cais do Canal St.-Martin, onde pedalamos suavemente ao lado do tráfego até atingirmos o calçadão de paralelepípedos ao longo de Bassin de la Villette, o grande retângulo de água logo à frente - onde Paris termina e o Canal de l'Ourcq começa. Com a bacia e a futurista esfera da Cité des Sciences à nossa esquerda, entramos em um pequeno túnel sob a Boulevard Peripherique para sair de Paris.
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Saímos do túnel em um mundo surpreendentemente diferente da paisagem urbana às nossas costas. Grandes plumas de vapor - e o cheiro de lençóis frescos - vertiam das aberturas de uma enorme lavanderia industrial do século 19, enquanto mais adiante, um barco descarregava cascalho em uma fábrica de cimento. Nas comunas de Pantin e Bobigny, densamente povoadas e cheias de imigrantes, passamos por um pátio ferroviário com elegantes trens de alta velocidade e centenas de metros de trilhos, por onde passam os trens do metrô de Paris.
Grafites cobriam cercas, viadutos e muros de velhas fábricas - não só imagens, mas poemas, frases políticas e obras completas de princesas guerreiras, um Buda sem cabeça, agentes secretos espreitando. Embora a ciclovia plana e asfaltada fique lotada nos finais de semana, vimos poucas pessoas em nosso passeio de sexta-feira - outros ciclistas, alguns patinadores, um corredor ocasional. Em um banco sombreado por uma macieira, havia um trio de músicos ciganos, um dos quais tocava um violão rosa.
Paradas
Eventualmente, um parque gramado começou a envolver o canal, rodeado por casas com jardins bem cuidados. Às 11h45min, quando chegamos à cidade de Les Pavillons-sous-Bois (após uma pedalada tranquila com muitas paradas), estávamos solidamente nos subúrbios de Paris. No densamente arborizado Parc Forestier de la Poudrerie (também conhecido como Parc Forestier de Sevran), lanchamos em um banco isolado com vista para uma clareira repleta de libélulas e, em seguida, após um trecho que incluiu algumas ladeiras curtas, paramos para um café na cidade de Villeparisis.
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Depois disso, o caminho seguia o canal ainda mais para o interior. Não vimos mais casas e quase mais nenhuma pessoa e, pelos próximos 20 minutos, o tempo parecia ter voltado um século enquanto passávamos por um túnel verde - formado por árvores dos dois lados. Prosseguimos por uma trilha de pedra decomposta até o centro de Claye-Souilly, onde, às 14h15min, nos sentamos em um parque coberto de flores ao lado da prefeitura do século 19. Ouvindo as águas de uma fonte, comemos financiers com frutas vermelhas de uma confeitaria enquanto pensávamos no retorno a Paris.
A Volta
A ideia de uma longa corrida de volta não nos atraiu, mas tínhamos outra opção: percorremos o suave caminho até Villeparisis, compramos passagens na estação RER (4,65 euros cada), e embarcamos em um trem para Paris com nossas bicicletas. Trinta minutos depois, descíamos da estação Gare du Nord até a loja de bicicletas, onde devolvemos nossas companheiras antes de entrarmos em um bar para comemorar nosso grande passeio com cervejas.
"Vocês alugaram bicicletas hoje?", perguntou o barman, acenando com a cabeça na direção da loja. Respondemos que havíamos feito todo o caminho até Claye-Souilly. Ele estendeu o lábio inferior e assentiu algumas vezes. "Pas mal", disse ele. Nada mal.
Um altíssimo elogio, vindo de um barman parisiense.
Fora do caminho
A ciclovia do Canal de l'Ourcq passa por dois grandes parques. Em Bobigny, perto de Paris, o Parc Departemental de la Bergere, com 15 hectares, combina espaço verde com amenidades como quadras de tênis e áreas infantis. O Parc Forestier de la Poudrerie, com quase 138 hectares, é cruzado por trilhas solitárias e pontilhado com construções do século 19 conectadas à fábrica de pólvora (poudrerie) que existia ali; uma das construções, o Pavillon Maurouard, recebe concertos e exposições, enquanto outra abriga um museu dedicado à história da pólvora. Para informações, acesse parcsinfo.seine-saint-denis.fr
O verão costuma trazer atividades organizadas ao longo do canal, incluindo caminhadas com guia, eventos de arte e grafite, e bailes públicos sobre barcos atracados. Na Place du Marche, em Villeparisis (villeparisis.fr), mercados ao ar livre são organizados aos domingos, quartas e sextas, das 8h ao meio-dia.
Há muito pouca comida para se comprar ao longo da ciclovia. Você encontrará uma buvette (loja de petiscos) no Parc Forestier de la Poudrerie, e um café bem simples, alguns restaurantes básicos e uma pequena mercearia para água e outras provisões na Place du Marche, em Villeparisis.