A parte mais absurda não foi correr seminu por um emaranhado de túneis cavados na neve densa sobre uma geleira. Foi que eu estava tentando desesperadamente sair ao ar livre, onde a temperatura noturna era de -20ºC e trilhões de flocos de neve iluminados pela lua flutuavam no ar.
Ao dar o segundo passo nesse turbilhão no Zugspitze, o pico mais alto da Alemanha, meu pé já estava completamente dormente, mas a salvação se encontrava seis metros à frente, no vapor quente de uma banheira de hidromassagem ao ar livre. A apenas 80 minutos de trem de Munique, a cidade alemã de Garmisch-Partenkirchen (26 mil habitantes) é um lugar maravilhoso para passar alguns dias explorando a beleza invernal dos Alpes bávaros.
Com infinitas atividades à disposição e muitos simpáticos "bed and breakfast" (ou B&Bs) e tradicionais "gasthaeuser" alemães, não é preciso passar a noite a 1,8 mil metros acima da cidade dentro de um iglu - como eu passei.
As cidades de Garmisch e Partenkirchen foram independentes uma da outra durante séculos - e ainda são separadas por uma estação de trem e o Rio Partnach _, mas foram unidas à força em 1935, sob as ordens de Adolf Hitler, para sediar as Olimpíadas de Inverno do ano seguinte. (Não há mal nenhum em chamar a cidade de GaPa ou de GaP, mas, a não ser que você esteja preparado para receber uma resposta grosseira, não reduza o nome para Garmisch na frente de um habitante mais antigo de Partenkirchen.)
Os dois lados da cidade têm personalidades distintas, que serão melhor exploradas se você estiver a pé. Partenkirchen é a mais antiga, fundada em 15 d.C., quando era uma cidade romana chamada Partanum. Hoje, o centro do vilarejo é a tranquila Ludwigstrasse, com seus paralelepípedos, que supostamente seguem o traçado da antiga Via Claudia Augusta, que ligava Veneza a Augsburgo.
A rua estreita é repleta de edifícios históricos no estilo bávaro "gasthaus": três ou quatro andares, venezianas de madeira abertas e fachadas voltadas para a rua, pintadas com imagens de cenas religiosas, pastorais e regionais em cores pastel.
De manhã, você encontrará habitantes mais velhos, com roupas campestres em tons de terra, levando seus cães para passear, e turistas mais jovens, cobertos da cabeça aos pés com roupas florescentes de esqui, procurando o ponto de ônibus para subir a montanha. Se você se afastar da Ludwigstrasse - descendo ruas como a Sonnenbergstrasse e a Faukenstrasse -, você encontrará maravilhosos exemplares de casas de campo regionais, com telhados suspensos e pesadas estruturas de vigas de madeira.
Na sua imaginação - e provavelmente em algumas das casas -poderá haver uma ou duas trompas alpinas, e um cantor de iodelei.
O distrito de Garmisch é mais animado e voltado para os esquiadores. No centro, há uma via de pedestres, Am Kurpark, entre as praças Richard Strauss Platz e Marienplatz. Lá, marcas internacionais dividem o espaço com bares excêntricos, restaurantes que servem desde pizza até porco assado e edifícios históricos, como a Casa Zum Polz'n Kaspar, uma antiga residência particular do século 16, que hoje é mantida pela prefeitura.
Quando Partenkirchen está se preparando para dormir, a festa em Garmisch está apenas começando no Pub 33, na Peaches ou em qualquer uma das barracas temporárias que vendem jarras de "gluehwein", ou quentão, e doses de schnapps de pera, carinhosamente apelidadas de "willis".
Aventuras de esqui
A grande atração de GaPa são as atividades ao ar livre. Os teleféricos ficam a uma pequena caminhada de distância, ou a cinco minutos de ônibus ou trem, de qualquer parte da cidade. Para esquiadores downhill, a área Garmisch-Classic conta com trajetos mais adequados para quem está nos níveis iniciante e intermediário.
Mas quando o famoso trecho Kandahar está fechado para alguma corrida importante, os esquiadores mais experientes podem parar para curtir vistas incríveis antes de encarar a pista negra de quase 915 metros verticais até o vale. A região próxima de Zugspitze oferece a experiência bizarra de esquiar em um platô glacial, localizado no circo superior do pico mais alto da Alemanha, quase 2.750 metros acima do nível do mar.
A vista da pista é composta de morros descampados cobertos de neve, rodeados por uma coroa afiada de picos rochosos e praticamente verticais - tudo isso, muitas vezes, saindo do topo das nuvens. Se você tiver o equipamento adequado e a experiência necessária para se aventurar para fora da pista, existem áreas descampadas com neve menos compacta onde você pode se divertir, e que podem ser acessadas por teleféricos.
Para todas as outras pessoas, GaPa conta com um território gigantesco que pode ser explorado a pé, com calçados de neve ou com esquis cross-country, seja por florestas alpinas ou coníferas ou pelos prados cobertos de neve que levam aos vilarejos de Grainau e Eibsee.
Corridas de trenó
Os mais corajosos devem experimentar uma corrida local de trenó, ou "rodelbahn". Um trecho típico pode ter cinco quilômetros de distância e descer 460 metros por uma trilha sinuosa e cercada de árvores. As lojas de esqui locais alugam trenós robustos de corrida para qualquer pessoa. Mas é bom se certificar de que seu seguro de viagem - e de saúde - está em dia. Na maioria, os acidentes são inofensivos, mas pequenas fraturas são bastante comuns.
Algo que ninguém deveria perder é a caminhada pelo Partnachklamm, ou Desfiladeiro Partnach. A trilha segue pelo solo de um estreito vale entalhado pelo rio - com apenas alguns metros de largura em alguns trechos. Enormes pingentes e rios de gelo enfeitam os paredões no inverno, alguns descendo por mais de 30 metros, do topo dos paredões de calcário até o rio abaixo. Se isso faz lembrar uma cena de A História Sem Fim, é porque o autor do livro, Michael Ende, cresceu lá.
Comida típica
A comida e a vida noturna de GaPa são dominados por pratos e bares bávaros. O Fraundorfer Gasthaus, em Partenkirchen, que também aluga quartos, é uma mistura excêntrica de histórico e kitsch. O primeiro andar é um restaurante, com longas mesas comunais e paredes cheias de fotos, cornos de veados e máscaras de "fasnacht" (carnaval alemão).
Jantando schweinshaxe (jarrete crocante de porco) em uma noite recente, famílias conversavam em uma variedade de línguas, um tocador de acordeão cantava um iodelei baixinho e uma dúzia de homens, todos por volta dos 90 anos, estavam sentados ao redor de sua "stammtisch", a mesa para clientes habituais, vestindo "lederhosen", meiões até os joelhos e chapéus fedora.
Entre os outros lugares onde você pode comer comida bávara, há o Zum Wildschuetz (Bankgasse 9), que se destaca por suas receitas de carnes de caça bávaras, como o boi, o javali e o veado; e o Braeustueberl, uma cervejaria lindamente decorada, onde, em uma visita recente, os funcionários colocaram uma cerveja em uma panela de bronze cheia de água morna para um cliente que vem todo dia e prefere sua cerveja ligeiramente menos gelada.
Hóspede do iglu
Acima de tudo isso está o pico escarpado do Zugspitze, com 2.962 metros de altura. Existem duas formas de subir a partir de GaPa: um trem com sistema de cremalheira, que atravessa um túnel de cinco quilômetros ao subir a montanha, ou um bonde teleférico, que parte de Eibsee e sobe quase 1.950 metros em 10 minutos, tornando-o o bonde de uma única seção mais alto desse tipo.
A tarifa de 39 euros (cerca de US$ 50) pelo passeio inclui o acesso aos teleféricos de esqui do Zugspitze, por isso vale a pena descer as pistas das geleiras enquanto estiver por lá. E, para quem realmente gosta de se aventurar, considerem passar uma noite, como eu passei, no hotel de neve Iglu-Dorf.
O hotel não conta com qualquer tipo de luxo, como encanamentos, sistema de aquecimento e camas que não sejam feitas de neve. Mas não há nada melhor do que andar de trenó em uma geleira no meio da noite, ou a história que você terá para contar aos seus amigos. Mas, depois de sair da banheira de hidromassagem, não esqueça de colocar suas roupas de banho em um posição conveniente. De manhã, elas estarão congeladas.