Se o espanhol dos turistas argentinos diminuiu no Litoral Norte no veraneio de 2024, dois outros idiomas são cada vez mais comuns em Capão da Canoa: o francês e o mandarim. São imigrantes que deixaram os próprios países em busca de melhores condições de vida e escolheram fixar residência no município gaúcho.
Incomum aos ouvidos brasileiros, o mandarim falado entre chineses que abriram comércio no centro de Capão da Canoa é indecifrável. Com poucas palavras em português, os asiáticos vendem principalmente roupas em pequenas lojas montadas ao longo da Rua Sepé. Além da língua, uma característica dificulta ainda mais a comunicação com os brasileiros. Em geral fechados, os comerciantes evitam conversar sobre assuntos que não são relacionados às vendas e até se assustavam quando o repórter se apresentava.
Foi o que aconteceu em seis lojas visitadas por GZH na Rua Sepé, na quadra entre as ruas Maranguab e Pindorama, onde se concentram os comércios. Há ainda estabelecimentos espalhados por outros pontos, como na Avenida Paraguassú. Em nenhuma os comerciantes aceitaram gravar entrevistas.
Em um dos locais, ao ser questionada em português, a dona apontou para a filha. A jovem, que se identificou apenas como Jaque, falava nossa língua perfeitamente
— É que eu já nasci no Brasil, eu e meus dois irmãos — revelou a jovem de 15 anos, que disse não saber por qual motivo a mãe escolheu Capão da Canoa para abrir o comércio.
A conversa, no entanto, foi interrompida em pouco tempo pela mãe. As palavras em mandarim eram intraduzíveis para este repórter. Mas a expressão da mulher e o encerramento do assunto foram o suficiente para entender o significado da fala.
Entre os consumidores, o choque cultural também chama atenção. Diferente dos lojistas brasileiros, que muitas vezes abordam o pedestre na rua, os chineses são mais reativos. Moradora de São Borja, Sônia Rohleder estava à procura de um corta-vento quando entrou em uma das lojas.
— É bem diferente, né? São pessoas com a conversa diferente. Lá onde eu moro tem os turcos, que conversam na língua deles. Mas aqui, o rapaz não me atendeu, eles são mais fechados, né? É um choque cultural – disse a veranista, que não encontrou a peça de roupa que procurava.
Já em uma loja de variedades ao lado, o comerciante Paulo Cedeni disse que mantém relações comerciais com os vizinhos asiáticos.
— A gente leva freguês para eles, eles trazem pra nós. Vendemos às vezes mercadorias para eles. Mas eles são entre eles, né? Amizade mesmo só entre eles. São muito trabalhadores, abrem cedo, fecham tarde e estão sempre na luta. Acho que vieram para ficar — avaliou o empresário, que também disse não saber o motivo da escolha deles por Capão da Canoa.
— A gente só conversa sobre aquilo que é necessário — concluiu.
A resposta para essa questão, segundo o presidente da Associação Comercial, Industrial e Prestadora de Serviços de Capão da Canoa e Xangri–lá (Acicc), está na quantidade de oportunidades que o Litoral gera na alta temporada.
— Tudo que você coloca na praia de dezembro a março se vende, tudo se consome. Eles veem Capão como uma oportunidade de negócio. Inclusive com a família, com os filhos até matriculados em escolas — avaliou Augusto Roesler.
O francês dos senegaleses
O senegalês Mohamed Diop deixou o país há oito anos em busca de melhores condições de trabalho e renda para a família que ficou em Senegal. Durante o ano, ele vive e trabalha como vendedor em Passo Fundo, no norte do RS. Na alta temporada, se muda para Capão da Canoa, onde vende peças de roupa e óculos na beira da praia.
— Eu venho aqui todo o ano, (e fico) dois a três meses. Mas esse ano está complicado porque tem bastante chuva, o tempo não tá sendo bom. Agora em março, quando a praia terminar, eu vou embora — lamentou o ambulante, que depende do sol e da praia lotada para ampliar lucros.
Além do francês, idioma oficial do Senegal, Diop ainda é fluente em árabe pela descendência familiar. No Brasil, o português impõe alguns desafios, mas já não é mais uma barreira.
— No português é mais ou menos. É diferente um pouco, o português e o espanhol, mas eu entendo — afirmou.
Prefeitura cadastra ambulantes
Roupas são os principais produtos à venda nos sete estabelecimentos administrados por chineses cadastrados na prefeitura de Capão da Canoa. Nestes locais, são vendidas réplicas de marcas famosas com preço abaixo do mercado. Camisetas que originais podem custar mais de R$ 200 são vendidas a R$ 30. Também é possível encontrar camisetas de clubes, como Inter e Grêmio.
A Acicc aponta que a medida configura concorrência desleal, pelos preços praticados.
— São empresas que trazem produtos de fora para fazer concorrência com o mercado local. Mas nós acompanhamos sim, a gente tem toda a atenção para que não tirem clientes com fomento, não pagando imposto, tributos. Sempre que tem alguma divergência nós passamos para o poder público — explicou o presidente da entidade, Augusto Roesller.
Segundo a prefeitura de Capão da Canoa, os estabelecimentos são fiscalizados para cumprir obrigações, como obtenção de alvará de funcionamento e recolhimento de impostos. Ações contra a pirataria, no entanto, dependem de parcerias com o Procon, Polícia Civil e Brigada Militar.
Com relação aos ambulantes, o secretário de Orçamento e Finanças, Newton Júnior, afirma que dois decretos regularizam a atividade. A venda só a permitida na faixa de areia, desde que o ambulante possua alvará e use coletes de identificação fornecidos pela prefeitura no momento da renovação anual da autorização. As fiscalizações, segundo Júnior, são realizadas em cerca de três dias por semana.