Momentos de sossego ante as preocupações cotidianas, com direito a vento no rosto e o som mântrico do mar. Sobre uma estrutura construída pelo homem, frequentadores aproveitam das plataformas do litoral norte gaúcho para pescar e relaxar.
Parte dessa tranquilidade se foi, no entanto, na madrugada do dia 15 de outubro, quando parte da plataforma de Xangri-Lá desabou, levantando questionamentos sobre a segurança das estruturas. Uma semana depois, um trecho da estrutura foi liberado para pescadores. A reportagem de GZH visitou as plataformas de pesca do litoral norte gaúcho para conferir como está a segurança de suas estruturas e como os estabelecimentos estão se preparando para a temporada de verão.
Milhares de pessoas passam pelos locais, principalmente nos meses de alta temporada. Mantidas por associações ou iniciativa privada, as plataformas de Tramandaí, Cidreira e Atlântida se encontram em situações distintas, mas todas se preparam como podem para o verão que se aproxima.
Tradição com “T” maiúsculo
Nas proximidades da guarita 152, à beira-mar, um grande “T”, predominantemente nas cores azul e amarelo, corta as águas da chamada “Capital das Praias”. Desde 1973, quando cotistas de uma empresa que faliu resolveram criar uma sociedade, a Plataforma de Tramandaí se tornou uma das referências turísticas da cidade. Hélio Cláudio de Camillis, 84 anos, à frente da instituição há 34, olha com orgulho para as dependências da sede marítima do clube, que inclui instalações campestre e administrativa.
— É a minha vida. A plataforma tem uma história muito bonita. A primeira estaca foi colocada em 1969. Tudo que tem aqui atualmente é da minha gestão, preciso ter muito cuidado — diz, zeloso.
Para a próxima temporada, a sede marítima mantém o funcionamento do restante do ano, 24 horas por dia, sete dias por semana, com igual frequência no inverno e no verão. A preocupação com ressacas como as que aconteceram no início de novembro é constante, mas não são necessárias reestruturações, segundo o presidente.
— Fazemos algumas manutenções, mas muito atentas porque a agressão causada pela maresia é muito séria. Há coisas que percebemos, como rachaduras, mas muitos acidentes ocorrem por aquilo que não conseguimos ver, que ficam ocultas no mar. A conservação é diária — conta Camillis, acrescentando que o local passou recentemente por uma análise qualitativa da estrutura por uma equipe de engenharia.
Chama a atenção a limpeza e a organização do lugar, mantido por 20 funcionários. Os mensalistas podem aproveitar toda a extensão, com mais de 360 metros, que inclui bancos de concreto, abrigos para os pescadores e até uma sala de estar. Nestas paredes, repousam medalhas, troféus, mapas, documentos e outras conquistas de pessoas que levaram seus cônjuges, filhos e, agora, netos para as atividades do clube.
— Esse aqui até já casou — aponta Camillis, para uma foto de um sócio quando começou a frequentar a plataforma ainda criança.
A plataforma oferece aos seus associados, além de pesca, variadas opções esportivas na sede campestre, como tênis, padle, vôlei, basquete, bocha, nática, futebol e um parque infantil. No próximo sábado (18), as piscinas também estarão abertas.
O presidente não consegue precisar o número de pessoas que visitam a plataforma por ano, mas o clube conta com mais de 1,2 mil sócios. Novos associados podem ingressar no clube com o valor de R$ 600, divididos em três vezes, em uma promoção que vai até 30 de novembro. Visitantes pagam R$ 5 por meia hora de permanência.
— Aqui nos interessa reunir as famílias, é um caráter menos comercial e mais social. Nas férias escolares, crianças e escoteiros têm acesso livre — explica.
A maior satisfação de Camillis é quando vê casais de idosos compartilhando os seus caniços no local, uma analogia para a proposta inicial e atual da plataforma de Tramandaí.
Da “ilha do amor” às despedidas
Quem for este ano até a Plataforma de Cidreira, no balneário de Salinas, vai se surpreender logo de cara: um colorido intercalado toma conta dos guarda-corpos do lugar, pintados recentemente de verde, azul, vermelho, laranja e amarelo. A ideia é de Alina de Lima, autointitulada relações públicas, mas que faz muito mais pelo local, gerido por uma empresa privada.
— Nossa meta é fazer as pessoas felizes. E a pintura também é uma forma de preservar a história da plataforma — diz Alina, há dois anos responsável pela administração.
Durante a passagem de GZH pelo local, foi possível conferir obras em andamento no corredor, piso e teto em algumas áreas. Quanto à segurança, Alina lembra que as estacas são entrelaçadas, dificultando a ação da sondas. Segundo ela, a manutenção é constante.
— E tudo o que fazemos é documentado para comprovarmos o que foi gasto e o material empregado — garante.
Em 1983, os primeiros papa-terras — espécie encontrada em todas as praias gaúchas — começaram a ser pescados. Com o avanço da construção, apareceram anchovas, bagres, corvinas, arraias, peixes-anjos e cações. A partir da conclusão do terminal em “T”, 500 metros mar adentro, surgiram os caçonetes-martelo, as cororocas e as abróteas. Mas, ultimamente, a situação chegou a ficar difícil.
— Na época da pesca de arrasto, vinham dois grandes barcos motorizados e levavam tudo, dificultando a vida dos nossos pescadores. A gente via baleias mortas seguidamente. Depois da proibição deste tipo de prática a menos de 12 milhas na costa gaúcha (confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em junho deste ano), a situação melhorou — relembra Alina, que coletou muitas ossadas de baleias e tartarugas para ornar as dependências da estrutura.
Ela é vizinha há oito anos da plataforma de Cidreira, mas já tinha uma vivência e adquiriu carinho pela região desde os primeiros veraneios, ainda criança. São da porto-alegrense de nascimento os ladrilhos que saltam aos olhos em diversos trechos da estrutura, tanto na entrada quanto no corredor de acesso. Colados juntos, formam imagens, desde flores até a bandeira do Brasil.
Uma das atrações da plataforma é a “ilha do amor”, a partir de uma pequena fonte de água doce, nem sempre visível por conta de eventuais ressacas. Durante a construção da estrutura, ainda na praia, foi encontrado um lençol freático que subia por dentro das estacas, ocas, e transbordava para a orla. Devido aos caprichos do vento, na semana passada, a reportagem encontrou a ilha submersa.
O título anual custa R$ 620 para pescar com um caniço, carretilha ou molinete, e R$ 980 com a utilização de dois equipamentos. Visitantes pagam R$ 5 por meia hora de permanência. A plataforma funciona 24 horas por dia. Apesar das obras temporárias, o local está a pleno.
— As pessoas vêm pescar, mas também tem muita gente que vêm trazer as cinzas de familiares ou amigos falecidos para jogar ao mar — sorri Alina, comprovando a relação íntima que certas pessoas mantêm com a plataforma.
Aguardando por uma solução
Esperar. Não resta muito mais do que isso para a Associação dos Usuários da Plataforma Marítima de Atlântida (Asuplama), que gere o local, em Xangri-Lá. A pioneira das plataformas de pesca gaúchas, inaugurada em 1970, é a estrutura que mais sofreu com as intempéries litorâneas com o passar dos anos. Mal tinha se recuperado de danos causados por uma ressaca em julho de 2019, um desabamento no pedaço que dá acesso ao restaurante Boteco da Platô, em 15 de outubro deste ano, expôs uma situação que entristece as pessoas que se dedicam para o ponto turístico.
— Nossos recursos estão muito escassos. Estamos pedindo doações aos associados e criamos uma vaquinha online. Mas não acredito que a gente consiga sonhar mais alto. Ao menos, queremos melhorar o nosso espigão (passarela central) — sinaliza José Rabadan, presidente da Asuplama, resignado.
A ideia da arrecadação coletiva é, além de criar um memorial em homenagem à plataforma, melhorar os 200 metros autorizados pelo Corpo de Bombeiros, de um total de 350 metros, após alguns dias fechados em razão do desabamento mais recente. Nesse período, a plataforma de Tramandaí se sensibilizou com a situação e recebeu - até o dia 6 de novembro - associados da “irmã mais velha” para pescar.
Durante a passagem de GZH pelo local, na semana passada, a plataforma pioneira estava, novamente, fechada. Desta vez, por falta de energia em virtude da ressaca que atingiu o litoral norte gaúcho no início de novembro. Sete dias depois, o serviço foi restabelecido.
Rabadan entrou em contato com a empresa que costuma executar obras ali, solicitando um orçamento para determinados tipos de reforma.
— Queremos reforçar pilares, pintar a plataforma para que fique mais apresentável, até porque o turismo precisa disso — reconhece o presidente da associação.
O local que costuma receber 30 mil turistas por ano, está com a cor azul esmaecida pelo desgastes climáticos. Um tapume preto divide a área transitável com o trecho parcialmente demolido. As visitas custam R$ 10 a hora, mesmo valor para pescar. Há passaportes de pescas para sócios e não sócios.
Apesar da intenção de Rabadan em fazer melhorias pontuais, a Asuplama espera por decisão que fogem a sua alçada para que a plataforma encontre soluções definitivas. Após o assunto chegar ao Ministério Público, foi definido que o Laboratório de Ensaios de Modelos Estruturais (Leme) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) analisará a viabilidade técnica para uma reforma completa.
A Prefeitura de Xangri-Lá condicionou à elaboração de laudo técnico que ateste as condições estruturais do local a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou qualquer instrumento jurídico de cessão da plataforma — de propriedade da União — ao Município.
— Isso vai demandar muito tempo, três, quatro meses. O verão vai passar. Estou há seis anos lutando como presidente da associação. Estávamos pagando os custos de uma ressaca, veio outra. Estamos em uma situação dramática. Se o Município assumir, vamos ficar de fora. Seria muito ruim — lamenta Rabadan, que espera ver em um eventual interesse da iniciativa privada, uma possibilidade de “mudança de chave”.
"O município reitera seu compromisso com a comunidade em relação a preservação e continuará a empenhar-se na busca de soluções", disse o prefeito Celso Bassani Barbosa, por nota.