Repleto de veranistas durante a temporada de verão, o litoral norte do Estado vem se tornando atrativo para motoristas de aplicativo que se deparam com cidades como Porto Alegre e também da Região Metropolitana mais vazias no começo do ano. Com a troca de ares, a rotina também fica mais leve: dá para aproveitar o sol e o mar ao fim do expediente e curtir o ritmo mais calmo dos municípios menores. Mas a mudança exige adaptações: rastros de areia fazem com que a limpeza do veículo se torne mais frequente e também é preciso lidar com vias não tão conhecidas pelos condutores.
Um desses "forasteiros" é Hélison de Souza Vaz, 28 anos, que mora em Alvorada mas trabalha nas praias gaúchas durante a alta temporada. Motorista de aplicativo há seis anos, ele costuma atuar pela Uber em Porto Alegre e cidades da Região Metropolitana. Ao ver a região esvaziar durante o verão, rumou em direção às praias gaúchas.
— Eu sempre procuro o melhor local de ganho. Como aqui no Litoral tem uma demanda maior que a Capital nessa época, vim para cá. Costumo fazer essas mudanças já que a plataforma permite uma atuação mais flexível, facilita a mobilidade. Eu tenho o pensamento de que saí de casa para trabalhar, não fico escolhendo muito as viagens, algo que alguns motoristas fazem, então vou indo com o fluxo.
O movimento de Vaz foi acompanhado por outros condutores de passageiros e também por motoristas que atuam com entrega de comida, por exemplo. Por causa disso, o lucro na praia não tem sido maior do que nas cidades, mas há outras vantagens, diz ele.
— Neste ano, como encheu de motoristas por aqui nesta época, o ganho fica parelho com a Capital, acho que está equilibrado. Mas ainda vale, porque consigo ficar perto da praia, aproveitar um pouco o mar, tirar um tempo para relaxar.
Para atuar no Litoral, ele precisou fazer algumas trocas: substituiu tapetes de tecido do carro pelos de plásticos e optou pelo revestimento de courino nos bancos.
— Precisa se adaptar, porque suja muito. Tem gente com cadeira, cooler, de roupa de banho, criança com brinquedo sujo de areia — relata o prestador de serviço.
O condutor e a esposa chegaram ao Litoral em outubro e pretendem ficar até março, um período de seis meses. A ideia inicial era ficar apenas o verão na praia, mas a companheira também conseguiu um trabalho temporário, na fiscalização de caixas de um supermercado, e o casal prolongou a estadia. Como a família tem residência própria na praia de Mariluz, em Imbé, não há custos de aluguel, o que favorece o veraneio.
Este é o segundo ano em que Vaz faz a troca. No final de 2021 e início de 2022, o casal também rumou em direção às praias gaúchas. Em razão da pandemia, no entanto, eles voltaram para Alvorada logo depois.
— Com medo da covid, o pessoal usava carro próprio para circular por aqui, não deu movimento nenhum, não estava valendo a pena. A gente ficou uma semana aqui e voltamos para casa com menos do que tínhamos trazido. Ficamos uns dois meses indo e voltando, aí desistimos — lembra.
Vaz conta que também já migrou para Gramado, para aproveitar a temporada de inverno. Em dezembro do ano passado, vendo a fraca demanda do Litoral Norte, ele se deslocou para a serra gaúcha, onde permaneceu por cerca de 20 dias durante o tradicional Natal Luz. Por lá, o objetivo era equilibrar os altos preços praticados com o lucro obtido:
— Quem faz isso de se deslocar entre as cidades sempre procura algum hostel mais barato. Dormir no carro também é bem comum. Não é a coisa mais confortável, mas financeiramente pode valer a pena por um período. Fora o trânsito lá, que é de primeiro mundo, muito tranquilo.
Apesar da vantagem de uma atuação mais flexível, Vaz salienta que, nos últimos anos, o lucro do trabalho com aplicativos se tornou mais escasso.
Se antes, entre 2017 e 2018, um turno de seis horas trazia um lucro líquido de R$ 300, hoje são necessárias cerca de 15 horas — incluindo pausas entre corridas e para alimentação.
— Além do alto preço da gasolina, tem a taxa do app e outros gastos como água, refrigerante, algum lanche. O tempo de trabalho mudou bastante nos últimos anos.
A reportagem de GZH procurou o Uber para verificar quantos motoristas gaúchos se deslocaram ao Litoral nesta temporada, mas a empresa não divulga dados regionais. A plataforma informou, no entanto, que, para fazer uma troca temporária entre cidades, o motorista deve “atender aos requisitos de cada local, que podem variar de acordo com as leis municipais, como por exemplo as regras de idade veicular e outros padrões do veículo”.
Ao chegar a nova região, ainda segundo a empresa, o condutor deve fazer uma checagem de documentos e a confirmação do cadastro no app. A partir disso, as viagens são direcionadas para o novo local de atuação.
Motoristas locais reclamam
Por outro lado, motoristas que vivem no Litoral Norte ouvidos pela reportagem de GZH reclamam da chegada dos forasteiros. O grupo afirma que, na melhor época para o serviço na região, o lucro acaba reduzido. A chegada de mais condutores às praias, significa menos clientes e barateamento nos valores de corridas.
— É a questão da oferta e procura. Esse seria o nosso momento de faturar mais, até fazer uma reserva para o resto do ano, mas aí lota de motoristas. Outro problema é que gera muitas reclamações. Já vi muito clientes dizerem que esses profissionais não conhecem a cidade, erram caminhos, fazem trajetos maiores — comenta William Camargo Duarte, 35, que mora em Imbé.
Ida e volta
Além do deslocamento diário entre Torres a Cidreira, Vaz também faz viagens a Porto Alegre ao menos uma vez por semana, normalmente de pessoas que estão a trabalho, precisam fazer exames na Capital ou querem visitar um conhecido. O deslocamento pode ser privado, com ida e volta individual do passageiro, ou coletivo, com o uso do aplicativo Blablacar, por exemplo.
Neste esquema de viagens mais longas, também atuam muitos condutores que vivem no Litoral Norte. É o caso de Érico Silva, 47, que mora em Capão da Canoa mas passa pouco tempo na praia em razão do vai e vem entre as cidades.
Ele conta que já levou passageiros a Porto Alegre, Santa Maria e Santana do Livramento, mas também já fez deslocamentos maiores como a Florianópolis e Curitiba. Na última sexta-feira (27), estava em Sombrio, em Santa Catarina, para onde levou passageiros. Ele varia entre viagens que faz de forma independente e com o uso de apps.
— Em Capão mesmo eu fico pouco, dois ou três dias e já viajo. Aparece muita corrida para outras cidades, principalmente para a Capital, aí eu levo e lá procuro passageiros para o retorno, para não voltar com o carro vazio. Às vezes fico um ou dois dias até achar um grupo para a volta, enquanto isso vou fazendo Uber por lá. Mas permanecer fora é muito raro, normalmente retorno para casa.
Durante o período de mais restrições na pandemia, Silva lembra que ia diariamente para Porto Alegre pela manhã, levando passageiros, fazia Uber na Capital e voltara para casa no fim do dia.