Movimento comum na época de veraneio, a invasão de argentinos nas estradas gaúchas rumo às praias de Santa Catarina ou até mesmo ao Litoral Norte do Rio Grande do Sul não está acontecendo na temporada de 2021. Reflexo do fechamento de fronteiras desde março de 2020 devido à pandemia, o sumiço dos hermanos é sentido no bolso de empresários das cidades litorâneas, que projetam perdas entre 15% a 50% nas contas, dependendo da área de atuação e do município onde o estabelecimento está localizado. Só em Torres, o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do litoral (SHRBS) estima que mais de R$ 100 milhões deixarão de girar.
Em Capão da Canoa, uma das equipes que participou da cobertura de verão de GZH prestou atenção nas placas dos veículos nas ruas. Entre 28 de dezembro e 12 de janeiro, não notou nenhum carro ou motocicleta que carregasse a bandeira celeste e branca, com o Sol de Maio — que representa um Deus do povo Inca — ao centro. A mesma observação foi feita por Alan Melo, sócio-proprietário do restaurante Millenium, na Rua Guaraci, via que concentra bares e restaurantes em Capão.
— Há alguns anos atrás, era comum os argentinos gastando e consumindo no nosso litoral. Ontem (dia 12 de janeiro) que fui ver um carro argentino aqui — explicou um dos responsáveis pelo estabelecimento com mais de 20 anos de existência.
A perda estimada é de 20% só com a ausência de argentinos no restaurante, que é especializado em servir frutos do mar. Melo ainda sentenciou:
— Hoje dá pra dizer que não tem nenhum argentino consumindo no nosso litoral aqui.
Turismóloga e dona de dois hotéis em Torres, a presidente do sindicato, Ivone Ferraz, afirma que em uma das suas unidades, que fica na área central, os argentinos representavam 50% da ocupação na temporada. Ela enumera que Torres tem 70 hotéis e os proprietários calculam que, em média, 50 argentinos ficavam por dia em cada, gastando, também em média, R$ 350 reais em hotel e alimentação por dia.
— Tramandaí, Xangri-Lá, Arroio do Sal, Capão da Canoa e principalmente Torres sentem. É um dinheiro bastante considerável que perdemos — lamentou.
Gerente do Capão da Canoa Mar Hotel, também na rua Guaraci, Milton Monteiro Júnior relata que o principal impacto é sentido nos dias de semana, com um quarto de ocupação a menos.
— Não entrou um argentino no hotel, devido às fronteiras e à pandemia. Essa negatividade deu de 25% em relação ao ano passado, e especialmente porque o argentino sustentava os dias de semana no hotel. Eles vinham de outro país, em que precisavam ficar alguns dias, diferente do público local que vai embora em caso de chuva. Essa sustentação em dias de semana nos afetou bastante — constatou.
Milton recorda que o turista argentino já vinha, de pouco em pouco, deixando de frequentar a cidade ou gastando menos, devido à crise que o país vive, com o peso, sua moeda, desvalorizada frente ao dólar e até mesmo ao igualmente desvalorizado real — nesta quarta (13), um dólar comprava 85 pesos. Ele também lembrou que a fachada do seu hotel já foi decorada com bandeiras do país vizinho e de outros da América do Sul para atraí-los, mas hoje já não tem mais nenhuma.
Ainda em Capão da Canoa, o garçom José Lucas de Souza, que atua há oito anos no restaurante Central, na Rua Pindorama, considera que a cada dez mesas que servia, quatro eram de argentinos. Ele também sente falta dos uruguaios, que apesar de em menor número, também eram vistos com frequência.
— Eram ótimos consumidores, bons de lidar. Lembro que gostavam de pratos variados e lula à milanesa, camarão salteado, pratos com frutos do mar, então é o chão deles aqui. Isso daí (ausência de argentinos e uruguaios) tem afetado o nosso fluxo de pessoas — queixou-se.
Prefeito de Torres, Carlos Souza teme que o reflexo do sumiço argentino seja sentido nas contas do município, já que havia "um incremento forte" na rede hoteleira e de bares por parte dos vizinhos.
— Uma vez isso não acontecendo (ausência), vai refletir na arrecadação de impostos, no pagamento de tributos, como o IPTU, porque muitas vezes o comerciante ou quem aluga sua casa termina por não ter essa renda adicional. Já sentimos isso no turismo, especialmente durante os dias de semana — comentou.
Reflexos não só no litoral
Além do litoral gaúcho, as cidades situadas no caminho dos argentinos também sentem saudade da presença dos hermanos. Uma delas é São Gabriel. A cidade era ponto de parada tradicional dos argentinos, já que fica no meio do caminho entre a fronteira e as praias.
— Eles já vem de 500 quilômetros de chão para dentro da Argentina. Há uns 30 anos acontece isso, de eles virem e pernoitarem em São Gabriel, que também tem uma rede hoteleira preparada. Nesse ano atípico, tivemos quase 100% de baixa por parte deles. Só não digo 100 porque apareceram algumas poucas famílias — detalhou o músico Rogério Melo, que assumiu como secretário de Turismo e Cultura da cidade no início de 2021.
Gerente do Hotel São Luís, que existe há 40 anos em São Gabriel, Everton Vidal chega a se emocionar ao ver a perda de arrecadação representada pela ausência de argentinos:
— É zero por cento de argentino desde o dia 25 de dezembro. Até agora, nenhum. Em anos anteriores, no réveillon tinha 400 ou 500. É um prejuízo, uma coisa absurda.
Ele ainda lembra que o público argentino que chegava ao estabelecimento era educado e costumava conversar com funcionários. O gerente mesmo chegou a fazer amigos do país vizinho, que, nesse ano, ofereceram os apartamentos que possuem em Santa Catarina para ele veranear já que não poderiam vir.
— Eu acredito e tenho uma esperança que eles venham durante o ano, porque já começaram a vacinar há alguns dias. A partir da segunda dose, talvez, com um pouco de bom senso, com apresentação de um exame negativado além da vacina, porque não deixar entrarem? — questionou.
O Ministério do Turismo informou à RBSTV que em 2019, o Rio Grande do Sul recebeu 772,7 mil turistas estrangeiros em 2019. Desses, 500,1 mil eram argentinos. A Polícia Federal, em outro levantamento, explicou que, em dezembro de 2019, 33 mil argentinos ingressaram no Estado por Uruguaiana, a maior porta de entrada. Já no mesmo mês de 2020, o número sofreu um tombo e foi para 906, sendo todos motorista de cargas.