Frequentadores assíduos do litoral gaúcho, os argentinos não estão lotando as praias do Rio Grande do Sul na atual temporada como em anos anteriores. No trânsito e nos estacionamentos à beira-mar, as tradicionais placas de carro azuis e pretas estão escassas, percepção reforçada no cancelamento de reservas por eles em hotéis. Em Capão da Canoa, a queda afetou mais de 30% do movimento em uma rede do centro da cidade.
— As empresas de lá traziam, semanalmente, argentinos para 25 dos 77 quartos que temos. Esse ano, foram canceladas as reservas, pois eles não têm condições de vir. Só um casal está hospedado agora — informa o gerente do Capão da Canoa Mar Hotel, Milto Monteiro.
O casal mencionado pelo gerente é Rodrigo Marti, 41 anos, e Ana Carvalho, 43. O advogado percorreu 1,5 mil quilômetros, de Buenos Aires a Capão da Canoa, com a instrutora de pilates na carona. Segundo o argentino, que viaja ao menos duas vezes por ano de moto, a alta na cotação do dólar chega a 100% desde o verão passado, o que o obrigou a apertar o cinto para esse veraneio. A moeda americana valia cerca de 40 pesos em janeiro de 2019, e nestes primeiros dias de 2020, é vendida a 65 no câmbio oficial e a 82 no turismo. Além disso, houve sucessivas restrições à compra de verdinhas.
— Tive que fazer pesquisas de preço e segurar o orçamento para garantir a viagem. Outros amigos meus desistiram de vir para cá, fica tudo caro, alimentação e hospedagem principalmente — explica.
A Playmotur, da província argentina de Entre Ríos, oferece viagens de ônibus do país vizinho para o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, incluídas as hospedagens. O gerente-geral da empresa, Pablo Aliberti, afirma que caiu pela metade a procura por viagens para esses destinos em comparação com o verão passado.
— Cancelamos pacotes para Capão da Canoa, Bombinhas e Camboriú. O único local que segue forte é Florianópolis, para quem tem mais poder aquisitivo — informa.
Responsável pelas reservas do Dunas Praia Hotel, que desde os anos 1970 recebe os hermanos em Torres, Fernando Cabreira comenta que nenhum argentino procurou o local neste ano. Cabreira trabalha há 30 anos no ramo hoteleiro e afirma ainda que "a redução vem acontecendo ano a ano", mas reforça que, na temporada atual, "é muito mais drástica a queda dos visitantes argentinos".
Esperança
Gaúcha que vive na Argentina desde 1998, Simone da Silva foi a única de um grupo de amigos que manteve a tradição de entrar o Ano-Novo na praia mais ao norte do Estado. Ela culpa a crise vivida no país como fator determinante para as dificuldades, o que afeta o poder de compra do peso.
— Nossa moeda (o peso) está muito desvalorizada. Em Buenos Aires, aluguei uma casa de dois quartos, com sala e antessala grandes, que aqui seria de luxo, ao equivalente a R$ 525 por mês. Com luz, água e condomínio. Onde eu estou aqui (num hotel de Torres), é o valor de uma diária — compara a empresária, de 51 anos, hospedada na praia dos Molhes.
O Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Litoral Norte (SHRBS-LN) confirma a timidez da presença do turista argentino nesse verão. Mas a presidente, Ivone Ferraz, pondera que os hermanos pegam a estrada após o Réveillon e acredita que os números podem até alcançar o patamar de 2019.
— Há 15 anos, vem reduzindo, e sim, temos bem poucas reservas agora. Mas no decorrer do verão eles virão, indo talvez para hotéis e pousadas um pouco mais econômicas — complementa, sem estimar um percentual de redução na procura.
Dona de hotéis no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, ela reforça que o perfil do argentino é de comer pouco em restaurantes e que, por este motivo, o impacto da falta de turistas estrangeiros nas praias gaúchas é pouco sentido pelo setor gastronômico.
Santa Catarina
Nas areias, as reclamações vêm dos comerciantes ambulantes. Com uma bandeira da argentina tremulando sobre o carrinho carregado com bolas coloridas e kits infantis, Benhur de Camargo, 49 anos, estima ter atendido 60% menos argentinos desde novembro em Torres, comparando com o mesmo período do ano passado.
— Tenho um cliente que virou amigo e, pela primeira vez nos últimos anos, ele me mandou (em uma rede social) que não vai vir, por causa da crise. E eles (argentinos) são meu público principal — afirma, apontando para a bandeira.
Fernando Neri, secretário de turismo de Torres, cita a troca de governo no país vizinho como "hostil para o turismo":
— É uma queda evidente, e a rede hoteleira é nosso grande termômetro. No primeiro ano do (Maurício) Macri melhorou, depois houve uma redução e agora tem uma queda bem acentuada.
No último ano do governo Macri (2019), a Argentina entrou em recessão, como o Brasil em 2015 e 2016. Ao tomar posse, o novo presidente, Alberto Fernández, impôs um tributo de 30% na compra de dólares, o que significa que qualquer transação cambial custa quase um terço a mais.
Neri celebra, por outro lado, uma "compensação" na cidade, com a vinda de turistas de outros Estados brasileiros.
— Nos surpreendeu, até certo ponto, que uma pesquisa feita por nós mostrou que há muitos paulistas frequentando Torres. Turista tem, só não tem turista argentino — afirma.
Apesar disso, os argentinos continuam procurando o Brasil como destino para férias. Na fronteira de Uruguaiana com o país vizinho - a mais movimentada do Estado -, a Polícia Federal registrou a passagem de 35.209 mil hermanos em dezembro de 2019, número 7,5% maior do que o registrado no mesmo período de 2018, quando passaram por ali 32.541 argentinos. Inspetor da Polícia Rodoviária Federal, Alessandro Castro acredita que os viajantes podem estar indo direto para Santa Catarina, sem parar nas praias gaúchas.
— Em 25 anos, eu nunca tinha visto tão pouco carro argentino no Natal, quando trabalhei na freeway. Creio que estão em rotas alternativas — avalia.