Outrora utilizados, em sua maioria, por crianças e idosos, as "piscinas" - valas formadas pelos buracos próximos da entrada do mar -, neste verão se tornaram um dos locais mais utilizados para banho em todo o litoral gaúcho.
A alteração na rotina deve-se à mudança na formação da praia, com bancos de areia salientes, que tornam a água rasa logo após a valeta hoje super povoada. A transformação da geografia aconteceu no inverno, mas só é notada agora, quando os balneários recebem o ápice de visitantes.
— Com a ressaca do inverno, quando as ondas tem mais altura e os ventos são mais fortes, há erosão da praia e essa areia é carregada para esses bancos de areia — explica Felipe Caron, pesquisador do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar) e professor do Departamento Interdisciplinar do Campus Litoral da Universidade Federal do Rio Grande (UFRGS).
Segundo o especialista, a mudança sentida agora é, de fato, mais significativa, apesar de as erosões ocorrerem todos os anos. Uma virada no tempo – com incidência de ventos provenientes do Sul - pode fazer com que essas formações do solo voltem ao estado em que normalmente se encontravam, no RS, complementa Caron.
Basta observar os banhistas por poucos minutos, à beira-mar, para notar a densidade maior nas áreas menos distantes. Quem chega ao banco de areia, fica muitas vezes com água na canela.
— Na beira é bem mais fundo, bate na cintura, e lá dentro não chega ao joelho — relata o estudante Leonardo Bianchini, 17 anos, em Capão da Canoa.
O administrador Leonardo da Rosa, 24, frequenta o litoral gaúcho todos os anos. Ele reclama da ingrata surpresa após passar pelo primeiro banco de areia, onde há uma segunda vala, ainda mais profunda que a anterior.
— Fui até o banco (de areia), achei que estava seguro, porque era raso, e quando vi, caí no buraco. Esse ano estou achando mais perigoso — avalia.
O professor Felipe Caron ressalta que o fenômeno de criação de bancos de areia não tem qualquer relação com o aparecimento em maior número das águas-vivas na costa gaúcha. A tendência é que a predominância desses animais no mar esteja ligada com a temperatura da água, elevada nos últimos dias.
O especialista descarta, também, ligação com o que ocorreu nas praias de Canasvieiras, onde uma obra para estender a faixa de areia foi interrompida após duas mortes por afogamento. A medida foi tomada por precaução, pois não há confirmação se os óbitos tiveram relação com as intervenções na praia.
— É muito longe de Canasvieiras. A dragagem não tem nada a ver, o que ocorre aqui é bem local das nossas praias — finaliza.
Guarda-vidas alertam para o risco das valas
A percepção do veranista foi notada pelas autoridades e virou alerta para os guarda-vidas. De acordo com o chefe da Assessoria de Operações e Defesa Civil do Corpo de Bombeiros Militar, que coordena as guaritas de salvamento na costa gaúcha, os locais de água mais profunda são "extremamente perigosos", porque "enganam o banhista". Para tentar reduzir os afogamentos nessas áreas, uma orientação foi repassada aos profissionais que atuam nas guaritas.
— Quem está no banco de areia e segue até a segunda vala recebe um apito do guarda-vidas, para voltar. Como a água está rasa, passa uma falsa sensação de segurança, mas pode vir uma corrente de retorno e a pessoa não conseguir mais sair — alerta, referindo-se ao fenômeno popularmente conhecido como repuxo, que dificulta a locomoção dentro da água.
Sem contrariar as regras de segurança, o gestor Renato Cappellari, 48, evitou entrar mar a dentro para brincar com o filho, Lucas, de quatro anos.
— Eles (guarda-vidas) estão alertando todo mundo para não passar o banco. Aqui está tranquilo, tendo água para elem está bom — afirma, apontando para o garoto, que corria na areia com um baldinho azul nas mãos.
O casal da Serra Gaúcha Simone Willrich, 35, e Jocimar Abreu e Silva, 32, se assustou com a profundidade da água.
— É muito fundo, o que por um lado é bom, não precisa entrar muito. Fui um pouco mais e achei perigoso, melhor ficar por aqui — afirma o personal trainer.
O guarda-vidas da guarita 79, Maicon Muller, atua há 13 anos na corporação. Ele relembra o mesmo período de 2018, e demonstra surpresa com o que acontece na temporada atual. Mesmo sem qualquer salvamento realizado por seu posto desde o início do veraneio, não deixa de alertar os banhistas.
— Observamos que com a água baixa, a pessoa vai caminhando, caminhando... e a gente já corre e manda voltar, porque se ele cai no segundo valo, pode não sair — alerta.