Enquanto observava dezenas de garças em galhos emersos sobre o lago, tranquilas mesmo próximas de ratões do banhado, o gestor ambiental Marcos Munhoz, 25 anos, acelerou o passo. Sussurrou palavras incompreensíveis a uma colega e logo apontou para a água. Eram três galinholas jovens, seguindo a ave que as gerou, um quarteto em fila indiana. A emoção do homem que tem na formação o cuidado com o meio ambiente ficou evidente, e ele relembrou de quando os pássaros eram ainda filhotes.
— Olha aqui, em novembro elas eram assim, bem pequenas — e apontou o dedo para a tela do telefone celular.
A alegria de Munhoz pôde ser compartilhada por quem frequentava o Parque Natural Municipal Tupancy, unidade de conservação localizada entre os balneários de Rondinha e Atlântico, município de Arroio do Sal, no Litoral Norte. Após 10 meses, o local foi reaberto para visitações nesta quinta-feira (21), e recebeu famílias durante todo o dia na área com mirantes da lagoa que leva o mesmo nome da reserva.
Há limitação, decorrente da pandemia de coronavírus, na capacidade da passarela de observação, reduzida a 25% do total, e nos dias de abertura dos portões, de quinta a sábado, em dois turnos: entre 8h30 e as 11h e das 14h às 18h.
Fundado em 1994, o complexo de 21 hectares tem catalogada mais de cem espécies: marreca piadeira, biguá, canarinho da terra, pardal, tico-tico, pica-pau, cardeal e martin-pescador estão entre as aves que por vezes podem ser observadas.
Painéis dispostos ao longo dos pontos de observação auxiliam na identificação, exibindo fotos e os nomes dos animais. O visitante precisa de um pouco de paciência e sorte para encontrar o pássaro desejado — a vista da flora e a paz no ambiente, no entanto, compensam.
Em uma área de terra firme, capivaras se movem vagarosamente, e o jabuti sequer sai de trás da mata, numa espécie de competição por quem tem passos mais lerdos. Os dois animais são chamados de Xica e Xico, respectivamente.
Há mais de uma década no parque, a recepcionista Elisabete Maria Klein, 60 anos, foi quem batizou os “hóspedes”. Todos, com a mesma alcunha.
– A primeira capivara foi a Xica Maria. As outras todas botei o mesmo nome. São muitos né. O jabuti Xico vem quando a gente chama. São inteligentes – afirma.
Trilhas e biodiversidade
Desde março, apenas as trilhas permaneceram acessíveis — a reportagem de GZH percorreu uma dessas picadas, fácil de ser desbravada e com uma novidade em 2021: setas orientam o percurso, e placas indicam o histórico do vegetal observado.
No trajeto, plano em sua maioria, com algumas subidas pouco desafiadoras, encontramos figueiras-de-folha-miúda e araçás com cerca de cem anos — biodiversidade que ganha destaque nos biomas presentes, da Mata Atlântica e da Zona Costeira.
No solo, há sinais que indicam a passagem de indígenas Sambaquis, povos anteriores à chegada dos europeus no Brasil. Árvores com cascas de fins medicinais, como a Coronilha, são outra prova histórica da existência do povoado no Litoral Norte, reforça o gestor ambiental, estudioso da região.
A artista plástica Lurdi Blauth, 70 anos, esteve no parque pela primeira vez. Ela disse que o ambiente é “perfeito” para suas inspirações.
— Faço muita arte com árvores, isso aqui reforça minha ligação com a natureza — avalia a moradora de São Leopoldo, no Vale do Sinos.
Marido de Lurdi, o professor de história Marcelo Vitolla, 60 anos, lembrou da infância:
— Eu brincava no meio do mato, lá pros lados de São Lourenço e Pelotas.
No topo da trilha, se pode ver o mar, e no restante da reserva ecológica, as lagoas do Remanso e do Banho.
É nas plantas da mata de restinga que o gestor ambiental acredita estar um dos principais atrativos das caminhadas. Ele cita a Sinnigia, flor popularmente conhecida como "Mimosa", de pétalas cor-de-rosa, e as epífitas, como orquídeas e bromélias, que se utilizam de outras plantas como suporte para se estabeleceram, em troncos e galhos.
Os passeios com grupos de alunos não ocorreram em 2020. Para o ano letivo atual, a coordenadora do parque, Marta Maria da Silva, 64 anos, vislumbra atividades online. E lamenta a distância.
— A gente tem muita demanda de escolas, e sentimos falta das crianças aqui. Mas só voltaremos com tudo controlado — observa.
Parque foi doação de moradores
O Tupancy é custeado pela prefeitura de Arroio do Sal e gerido pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente. A área foi doada por duas famílias, em 1992. O nome, em tupi-guarani, significa “Mãe de Deus”, e foi escolhido em homenagem a um grupo de escoteiros do Colégio Marista Rosário, no bairro Independência, em Porto Alegre.
— Um dos doadores do terreno tinha um filho nos escoteiros, e pediu duas coisas: que a prefeitura usasse a área para fins de preservação, e que colocasse o nome Tupancy — explica a coordenadora.
Nas quase três décadas de atividade, o local recebeu turistas de países como Estados Unidos, Espanha, Uruguai e Chile, além de brasileiros de todos os Estados, conforme os registros documentados. Chegou a ter 6 mil visitantes por ano. Com a chegada do ano novo, as esperanças dos ambientalistas também se renovam, e a natureza, intocada, quer voltar a ser admirada.
Serviço
- O acesso ao parque é pela Interpraias Norte, 7843, em Arroio do Sal
- Fica a 100 metros da faixa de areia, entre os balneários de Rondinha e Atlântico
- A entrada é gratuita, com obrigatoriedade do uso da máscara nas dependências
- Horário de funcionamento: de quinta a sábado, das 8h30 às 11h30 e das 14h às 18h
- Telefone para contato: (51) 3687-3567