Quatro anos atrás, quando já vivia em Capão da Canoa, Marisa Dias saiu de casa em direção a um lixão da Estrada do Mar. A aposentada, hoje com 63 anos, atravessou o viaduto da rodovia e, em meio às sacolas, encontrou uma vira-lata amamentando cinco filhotes.
Assustada, a cachorrinha parecia ter sido abandonada. Marisa decidiu acolher o animal e suas crias. Marisa a batizou carinhosamente de Bebê, tratou as doenças adquiridas no período insalubre e conseguiu lares adotivos para os pequenos.
A história, iniciada no lixo, volta a ele: Bebê e Marisa passaram a recolher os descartes do entorno do condomínio no qual residem, à beira-mar — de capa amarela, a cadelinha acompanha a tutora inclusive nos dias de chuva.
Na Praça do Farol, região central do balneário, ambas encontram sacolas plásticas, garrafas pet, embalagens de picolé e muitas latas de metal. Boa parte desse material está jogado no chão, sobre os bancos, na cancha de bocha e na calçada.
— A minha mãe me ensinou a viver em um ambiente limpo. Eu não consigo ver isso e não fazer nada — explica Marisa.
A referência à falecida mãe ajuda a compreender a força de vontade demonstrada no trabalho pesado. Marisa foi criada sem o pai, que morreu aos 41 anos. A viúva criou seis filhos, lavando e passando roupa pra fora, servindo cafezinho ou como diarista, conforme os serviços apareciam no município de Faxinal do Soturno, região central do Estado.
— Meu exemplo de vida — define Marisa.
Na manhã desta quinta-feira (21), a voluntária encheu um saco de 200 litros em menos de meia hora, pesado a ponto de precisar ser arrastado no trajeto da praça ao apartamento, construções vizinhas. Nesse meio tempo, a cachorrinha corria entre a grama e o passeio — não comeu nada do que estava nas lixeiras ou no piso.
— Foi bem educada — diz Marisa, sobre a comportada companheira.
Na tarde passada, juntou cerca de 2 mil bitucas de cigarro do gramado da área de convivência pública.
Retirar da rua o que foi deixado por quem não tem consciência com o meio ambiente se justifica, para ela:
— Tudo isso, se não for recolhido, desemboca no mar. Vivemos em um paraíso, eu só quero que as pessoas cuidem dele — reafirma.
O destino dado aos materiais reciclados une novamente Marisa e os cães da cidade: ela entrega a recicladores em troca de ração. A comida é distribuída aos animais de rua de diversas regiões do Estado.
— Enquanto Deus me der força, eu continuo. Vou até não ter mais força nas pernas e nos braços — promete.