Águas turvas, geladas, com correnteza e obstáculos, como troncos de árvores, linhas de pesca e até veículos ou casas submersos. O cenário intimidador virou hábitat para os mergulhadores do Corpo de Bombeiros. Conhecidos como "homens sem medo", arriscam-se em rios, açudes e lagos quase sempre na escuridão. Não há visibilidade nem mesmo para conferir o ponteiro que indica quanto de ar resta para permanecer lá embaixo. A missão: resgatar corpos de vítimas de afogamento.
— Nunca haverá aplauso. O mergulhador não está ali para salvar alguém e, sim, para confirmar a perda àquela família. É preciso se acostumar com isso — conclui Edimilson Vasconcellos, 29 anos.
Há três anos e meio, o soldado integra o Pelotão de Mergulho da Companhia Especial de Busca e Salvamento (CEBS). Da sede, na Capital, 22 homens partem em viagens pelo Estado para fazer os resgates submersos. No ano passado, atenderam 51 ocorrências. Enquanto os bombeiros locais procuram na superfície, os homens-rãs varrem a extensão sob a água. Em geral, sem enxergar praticamente nada, são guiados pelo lado de fora.
— Lá embaixo, não tem visibilidade nenhuma, em 99% das ocorrências. Por isso temos esse cabo que nos liga a quem está lá embaixo. O homem-cabo acaba sendo os olhos do mergulhador — explica Luis Fernando Chaves, 38 anos, com 10 anos de experiência em mergulho.
Linha da vida
O cabo que une os dois mergulhadores, o submerso e o da superfície, é chamado de linha da vida. É por ela que os colegas se comunicam. Cada puxada representa um sinal pré-definido. Assim, o mergulhador sabe para qual lado ir e quando retornar. Os bombeiros costumam dizer que é o homem-cabo que encontra o corpo. O mergulhador submerso é somente a isca.
— A referência aqui de fora é a bolha, por ali sei onde ele está. Ele tem que tocar toda a área. Não pode deixar nenhum ponto porque ali pode estar o corpo — detalha o tenente Luis Iglesias, 45 anos, comandante do Pelotão de Mergulho.
A linha da vida não leva o apelido à toa. É também por ela que os mergulhadores podem ser resgatados, caso fiquem em apuros. Além do homem-cabo, outro mergulhador do lado de fora precisa estar preparado. Caso o colega lá embaixo necessite, ele desce pelo cabo para auxiliá-lo.
— Se der algum problema, se me enroscar em algo, é voltando por ela que vou chegar à superfície. É minha linha guia — afirma Vasconcellos.
Os resgates, em geral, acontecem justamente nas áreas onde não há guarda-vidas. As equipes normalmente não fazem buscas no mar.
— O pessoal acaba se banhando onde não deveria. Muitas vezes, as pessoas se superestimam, acham que vão nadar daqui até ali e se esquecem que tem que voltar. E acabam se afogando — alerta Iglesias.
O treinamento dos homens-rãs
Tornar-se mergulhador dos bombeiros não é tarefa fácil. O curso de formação, que ocorre na Capital, tem duração de até dois meses, com cerca de 360 horas. Em geral, somente metade conclui o treinamento. A lista de desistência inclui bombeiros e nadadores experientes.
— O cara quer ser mergulhador, faz o curso e daqui a pouco está ali, sem visibilidade, procurando um corpo. É uma barreira psicológica que eles têm que superar — conta o major Ingo Lüdke, 39 anos, que comanda a CEBS, e desde os 12 anos segue a trajetória do pai, também mergulhador.
Durante o curso, usam máscaras escuras para se acostumarem com o ambiente que lhes aguarda. Fora da água, simulam o trabalho que será feito submerso. Também simulam acidentes e falta de ar, a chamada pane seca. Mas é na hora de ir para a água que muitos percebem que não estão preparados.
— A falta de visibilidade está no sangue do mergulhador. É um mergulho que requer muita calma e precisão. É ele sozinho, ali embaixo, que tem que resolver a maioria dos problemas — afirma Lüdke.
Além do curso, também passam por treinamentos regulares no Guaíba. A unidade de Porto Alegre conta com um tanque, de 6m de profundidade, no qual é possível simular as situações que encontrarão no dia a dia. Os homens-rãs também precisam de preparo psicológico. Tanto para permanecer na água turva e retirar o corpo da vítima de lá quanto para o contato com os familiares.
— É um momento de muita dor, de perda. Sempre tento confortar as famílias. É muito triste — diz Chaves.
É em outra ponta da profissão que muitos encontram o reconhecimento que falta na rotina diária. Durante o verão, integram as equipes de guarda-vidas.
— A maior satisfação para o mergulhador é quando vai para a praia e salva alguém — comenta o major.
Equipamentos para realizar o trabalho
Além do método do cabo, os mergulhadores utilizam uma máscara que permite a comunicação por rádio. Ela serve para os momentos em que é preciso avisar, por exemplo, que não há como atender as ordens do lado de fora. Os mergulhadores têm ainda um capacete que evita o contato com águas poluídas.
Não é apenas a visibilidade e a poluição que desafiam os mergulhadores, a temperatura da água normalmente também não facilita o trabalho. No inverno, os resgates acontecem em temperaturas de até 2 graus. Nessas condições, a roupa seca evita contato com a água,.
— É um ambiente que não é o nosso, por si só já é perigoso. A gente treina muito para evitar acidentes. Mas é uma paixão o mergulho. Pode anotar que me aposentar no mergulho dos bombeiros — garante Chaves.
Previna-se
- Sempre tome banho próximo à margem.
- Nunca ultrapasse o limite da água na altura da cintura nem ultrapasse de uma margem para a outra.
- No mar, em casos de afogamento, nade ou tente flutuar lateralmente, acompanhando as ondas. Em água doce, nade ou tentar flutuar na direção da correnteza, buscando a margem.