Nesta temporada, o veranista que circula diariamente em meio aos guarda-sóis não depara apenas com o som das ondas no mar ou com as músicas difundidas nos quiosques e bares das praias. A moda, que começou tímida no verão passado, popularizou-se agora – ainda que não tenha chegado ao litoral do Rio Grande do Sul com a intensidade vista em Santa Catarina. No Estado vizinho, especificamente em Balneário Camboriú, houve nos últimos dias uma série de recolhimentos de gadgets (dispositivos eletrônicos portáveis), algo ainda incomum mais ao Sul.
As “caixinhas” de som, como são chamadas, apesar de alguns modelos serem bem grandes, são itens que têm aparecido com frequência na parafernália levada à areia. Está pendurada no guarda-sol, em cima de uma mesinha de plástico, fazendo contrapeso na tampa de um cooler recheado de cervejas ou sobre os chinelos.
– Vendo cerca de 10 caixinhas dessas por dia. O preço varia de R$ 80 a R$ 350. Também vendo pendrive com 3 mil músicas – conta, nas areias de Capão da Canoa, o ambulante paraibano Wilson Cipriano Dantas, 29 anos, com quatro gadgets nas mãos e um pendurado no pescoço, além de outros tantos, de vários modelos, guardados na mochila.
Segundo o comerciante, a caixa de tamanho intermediário, que custa R$ 130, é a mais vendida. Os clientes mais assíduos são jovens ou famílias reunidas. Idosos até demonstram intenção de comprar, mas desistem após saberem o preço – em geral, eles ficam com os radinhos de pilha.
Nas areias de Capão, as preferências musicais são o funk e o sertanejo. Os hits de Felipe Araújo e MC Kevinho estão entre os mais tocados, seguidos pelo pagode de Ferrugem. O sertanejo emitido pela caixinha do estudante de engenharia ambiental Ivan James, 22 anos, podia ser ouvido de longe. O gadget de 60 centímetros custou caro – R$ 700 –, segundo o morador de São Sepé.
– Escolhi essa caixinha maior porque todo o mundo ouve som na beira da praia. Quis comprar uma com o som mais alto para ouvir as minhas músicas e não as dos outros – explica o estudante, acompanhado de dois amigos.
Em Imbé, é ainda mais fácil encontrar caixas de som à beira-mar. Assim que chega, a reportagem presencia um grupo animado de seis amigos vindos de Canoas ouvindo música eletrônica em uma caixinha comprada na semana passada por R$ 50.
– É mais divertido beber e ouvir um som. O celular é muito baixinho – diz a técnica em enfermagem Débora Machado, 25 anos.
Ao longo de uma manhã inteira percorrendo as areias de Tramandaí, em compensação, ZH não encontrou nenhum grupo com uma caixinha de som na praia. Em Atlântida também foi difícil, mas a estudante de Direito Luiza Buchain, 20 anos, foi encontrada escutando reggae – apesar de preferir rap.
– Ouço mais baixo se tem muita gente. Aumento um pouco quando a praia está mais vazia – relata a estudante de Direito Luiza Buchain, 20 anos, que avalia ser indispensável ter por perto a caixa de som, inclusive na areia.
Críticos alegam falta de respeito
Há muita gente insatisfeita com a nova moda que se espalhou pelas areias. A crítica consensual, entre quem não aprova o uso das caixas de som, é de que os equipamentos permitem comportamentos de desrespeito para com outros veranistas, submetidos às idiossincrasias dos gostos musicais alheios.
Em Imbé, a professora aposentada Teresinha Scotti Dalla Costa 55, e a irmã, a funcionária pública aposentada Isabel Scotti, 59, reprovam o hábito.
– Não gosto. Ninguém é obrigado a ouvir o que não quer só porque outro quer. É preciso conviver em grupo. Meu gosto não é o mesmo que o teu. O ideal seria usar fones de ouvido – diz Teresinha. – Aqui, tenho o direito de ouvir o som do mar.
– A gente prefere ler um livro, ficar na tranquilidade da areia – acrescenta Isabel.
A funcionária pública de Pelotas Marilane Velasco não estava satisfeita com a música sertaneja tocada perto de onde descansava, em Capão da Canoa.
– Me incomoda um pouco o som alto. A gente conversava aqui, e o som nos atrapalhava – diz a veranista, que estava acompanhada do marido Paulo Velasco, ex-músico e que, ao contrário de Marilane, não se importava tanto com o som alto.
Também em Capão, embaixo de um guarda-sol, o motorista Rodrigo da Silveira Fraga, 33 anos, ouvia som com parcimônia: só estando muito perto para perceber qualquer melodia.
– Tem de respeitar. É para eu escutar, não os outros – afirma o motorista, acompanhado da madrinha Zaira Fraga, para quem, no entanto, o som poderia ser um pouquinho mais alto.
Em Imbé, o eletrotécnico Ricardo Sauer, 38, e a mulher, a biomédica Viviane Gonçalves, 36, tinham o mesmo cuidado: a música deveria estar em volume suficiente para só os dois curtirem.
– Não gosto de incomodar os outros. Ouvimos baixinho porque é só para nós – diz Sauer.
Limite varia conforme cada município
A limitação para o som emitido à beira-mar depende da legislação estabelecida em cada município. Tramandaí é uma das praias do Litoral Norte com regras mais rígidas, nesse sentido. Em suas praias, o Código Municipal de Meio Ambiente enquadra quem ouve música alta à beira-mar. Se o veranista for flagrado pela fiscalização, pode ter de pagar multa de até R$ 1,5 mil.
– É grave fazer barulho excessivo à beira-mar, porque se trata de uma zona de tranquilidade, de um local em que as pessoas vão para relaxar. O som pode ser levado, desde que seja para consumo próprio. Se mais pessoas ouvirem, isso caracteriza que se está incomodando o outro, e o responsável pode ser autuado. Os próprios quiosqueiros orientam os veranistas para não haver problema – comenta Fernando Campani, secretário de Meio Ambiente de Tramandaí.
Em Imbé, a prefeitura informa que não há uma legislação específica que regule o assunto. Nesse caso, os incomodados com o eventual excesso de barulho devem acionar a Brigada Militar.
O mesmo vale para os municípios vizinhos de Xangri-Lá e Capão da Canoa, conforme informação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente deste último. Nessas praias, e também em Atlântida, que pertence ao município de Xangri-Lá, portanto, quando há incômodo é preciso acionar a Brigada.
A base das legislações que versam sobre o tema está no artigo 42 da Lei de Contravenções Penais, que fala sobre a perturbação do sossego alheio. Denúncias à BM podem ser feitas pelo telefone 190. Entre as punições aos responsáveis por eventuais incômodos estão o recolhimento da caixa de som e a autuação do responsável pelo equipamento. Porém, o tenente Robson Flores, comandante do policiamento do 1º e 2º pelotões de Tramandaí, aconselha pedir antes para o dono da caixa de som baixar o volume e, se der errado, falar com o guarda-vidas da guarita mais próxima:
– Alguns estilos de música com letras obscenas incomodam as pessoas. Mas o ideal é falar com o guarda-vidas antes, para não tirar um policial da rua para atender uma ocorrência assim.