Na próxima temporada, todos os quiosques de Atlântida devem ganhar uma cara nova. Uma empresa de Porto Alegre venceu a licitação dos 56 quiosques espalhados pelas praias de Xangri-lá em dezembro, oferecendo a maior proposta, de R$ 376 mil. A vencedora, MM Produção de Eventos Eirelli, instalou dois quiosques de contêiner modelos em Atlântida, com ducha e tapete vermelho nas escadas. A ideia é substituir, até o ano que vem, todos os quiosques de comida e bebida por estruturas como essas, estampadas com o nome da marca, Orla Xangri-lá.
— Achei interessante, muito bonito — opinou Celio Bertaglioli, 60 anos, empresário de Porto Alegre.
Mas a mudança está longe de ser consenso. Por meio da Associação de Comerciantes ACB Mar em que estão organizados, os antigos quiosqueiros de Xangri-lá participaram da licitação para continuar com a concessão que tinham, mas desistiram quando os lances estavam três vezes maiores do que sua proposta inicial – aproximadamente 20 quiosqueiros acabaram não retornando às areias do município. A empresa vencedora chegou a firmar parcerias com parte dos quiosqueiros para esta temporada, mas muitos comerciantes ficaram sem essa fonte de renda.
Veranista de Atlântida há 15 anos, o advogado Rodrigo Sirangelo, 43, diz que isso "mudou a praia".
— Todo mundo tinha seu ponto estabelecido na barraca com que tinha mais afinidade. Agora tu chega e não encontra mais ninguém — lamenta o morador de Porto Alegre, segurando na mão a chave do carro, que costumava deixar no Quiosque Aloha.
A confiança no dono do Aloha, Leandro Engers Lenz, 38 anos, era tanta que ele chegava a guardar uma centena de chaves de seus clientes. Depois que fechou o quiosque que vendia açaí e lanches naturais há 11 anos, um ponto de encontro entre os surfistas, Leandro está desempregado e "quebra um galho" cortando grama na vizinhança.
— Tiraram a gente, que é daqui, vota aqui e paga imposto aqui, para botar um cara que monopolizou os 56 quiosques — queixa-se, apontando que o vencedor não tinha todos os quiosques para instalar no começo da temporada, nem toda mão de obra. — Atlântida está se descaracterizando. Os points tradicionais, isso se foi.
Ivonete Oliveira Justino, 61 anos, está trabalhando em um quiosque na Avenida Central, a mais de um quilômetro da areia de Atlântida. Mas relata que não tem movimento no local e isso não deve garantir o sustento.
— É só pra não morrer de depressão — diz.
Dona de um dos pastéis de camarões mais afamados da faixa de areia, ela se emociona ao falar sobre a necessidade de sair da praia, relatando que não sabe como vai fazer para se manter no inverno.
— Trabalhei lá 34 anos e saí com uma mão na frente e outra atrás... É muito sofrimento — conta, relatando que precisou dispensar os funcionários também.
Quiosqueiros afirmam que, para que continuassem trabalhando no seu ponto nesta temporada, a empresa vencedora quis lhes cobrar diferentes valores – de acordo com a localização, poderiam chegar a R$ 20 mil, segundo eles. Luiz Viterbo, assessor jurídico da prefeitura, afirma que no edital é vedada a sublocação, e que o município já notificou a empresa para saber qual é a relação contratual com quem vai trabalhar nos quiosques.
Por e-mail, a MM Produção de Eventos afirmou que, "dado o curto prazo para início da temporada, tomou diversas medidas, dentre elas a firmatura de parcerias comerciais com empresas locais já com experiência em beira de praia, de forma também a valorizar a mão de obra local". A empresa nega que houve qualquer tipo de sublocação e informa que, para o próximo veraneio, serão abertas 200 vagas diretas e indiretas de empregos temporários destinados apenas para moradores do Litoral.
Gestão deve se manter por cinco temporadas
A primeira licitação para a administração dos quiosques de Xangri-lá ocorreu em 2005, em razão de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público Federal (MPF) para organizar e estabelecer critérios para instalação de quiosques em toda orla. A ACB Mar Associação de Comerciantes venceu o primeiro certame, e o contrato vigorou de 15 de dezembro de 2005 até a mesma data em 2017. De acordo com a prefeitura, o valor inicial da arrematação no certame foi de R$ 42 mil e, corrigidos, os valores repassados na última temporada pela associação ao município eram de R$ 82 mil. O Executivo afirma que a quantia não era suficiente para manutenção dos serviços de recolhimento de águas servidas, locação de banheiros e taxas de ocupação.
Com o fim do contrato, foi necessário fazer novo certame, e o município optou por continuar licitando todos os quiosques juntos – diferente de municípios que licitam ponto por ponto, como Capão da Canoa – porque a "experiência anterior comprovou que foi conveniente para a administração contratar uma única empresa para fazer a gestão do comércio da beira mar". O MPF entrou com uma ação civil pública antes da entrega de propostas do certame, na tentativa de cancelar a licitação conjunta dos quiosques e obrigar a prefeitura a licitá-los separadamente. A Justiça Federal de Capão da Canoa entendeu que não havia competência federal para o caso, e o MPF aguarda julgamento do recurso junto ao TRF da 4ª Região.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, em dezembro, o prefeito Cilon Rodrigues da Silveira falou ligeiramente sobre o assunto:
— Dentro do edital, (a empresa) participou legalmente e ganhou a licitação. Em hipótese alguma o município realiza licitações pensando em prejudicar alguém, é para cumprir o que determina a lei.
A empresa que ganhou a licitação fica responsável durante cinco temporadas pela administração de 40 quiosques de comércio de alimentos e bebidas e 16 de locação de barracas, cadeiras e guarda-sóis em todas as praias do município – de Rainha do Mar a Atlântida.