Mais da metade dos usuários de internet brasileiros de nove a 17 anos acessam aplicativos de mensagens e de compartilhamento de vídeos e fotos “várias vezes ao dia” ou “todos os dias ou quase todos os dias”. Cerca de 70% das crianças e adolescentes brasileiros nesta faixa etária acessam com frequência elevada o WhatsApp, por exemplo. É o que mostra a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, divulgada na última quarta-feira (23).
No total, 83% dos entrevistados têm conta própria em apps como Instagram, TikTok e YouTube, além do WhatsApp, que são as plataformas digitais mais utilizadas por eles. O levantamento foi elaborado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Pela primeira vez, foram coletados dados sobre a frequência de uso das plataformas pelas crianças e adolescentes.
Há dados específicos que variam por faixa etária. Considerando as crianças de nove a 10 anos que estão na internet, 60% têm conta em pelo menos uma rede social. As principais plataformas comunicam que não aceitam usuários com menos de 13 anos, mas, na prática, boa parte das crianças brasileiras utilizam as redes.
A partir dos 13 anos, aumenta expressivamente o uso das plataformas de compartilhamento de vídeos e fotos. O Instagram é acessado todos os dias ou quase todos os dias por cerca de 80% dos jovens entre 13 e 17 anos. Na faixa etária dos 15 a 17 anos, o WhatsApp é acessado por 91% deles com essa frequência.
Já WhatsApp e YouTube são as redes sociais mais utilizadas pelos menores, até os 12 anos. Levando em consideração pré-adolescentes de 11 a 12 anos, por exemplo, 71% deles utilizam YouTube todos os dias ou quase todos os dias. Nessa faixa etária, somente cerca de 40% utilizam Instagram e TikTok.
É o caso de Luigi Fillipo Vitaca Fernandes, 12 anos, que usa as telas durante cerca de oito horas por dia, sendo que passa boa parte do tempo em jogos e vendo vídeos no YouTube. Para a mãe, a publicitária Paola Marie Vitaca, tornou-se insustentável controlar o uso das plataformas pelo filho. Mesmo dialogando com ele, impondo regras e horários, Luigi não consegue manter um uso equilibrado.
— Ele passa muito tempo dentro de casa, vivendo no mundo dele. Ele não quer nem ir na casa dos amigos, porque ele se conecta com os amigos através do celular, dos jogos online. Ele tem um avatar e vai construindo uma personalidade por meio dos jogos. Essa é a atividade lúdica dele, e não jogar bola com os amigos, brincar na rua — conta.
Além de interagir com amigos por meio dos games, Luigi acessa o Discord com bastante frequência. Com essa rotina, ele tem tido dificuldade para estudar e apresenta desinteresse em assuntos que não sejam relacionados a jogos e desenhos animados, ou demais atividades voltadas ao lazer. Até mesmo largar as telas para se arrumar para ir à escola tornou-se uma atividade difícil.
Com isso, recentemente, Paola decidiu restringir totalmente o uso das telas durante a semana. Agora, Luigi só pode jogar e usar o celular nos finais de semana. Ela também vem tomando medidas mais drásticas em relação à filha menor, de quatro anos.
— Estamos forçando para que ele possa também se conectar com o mundo, com as pessoas, voltar a ser criança, brincar, ter atividades mais lúdicas. Chegamos a esse ponto. Estamos vendo técnicas para conduzir da melhor forma possível essas restrições.
Alto uso de jogos
O mapeamento também investiga o que os pequenos fazem na internet. A grande maioria (80%) das crianças e adolescentes consultados acessam a web em busca de atividades educacionais, busca por informações e entretenimento – para ouvir música, assistir vídeos e acessar jogos. Atividades de comunicação, que envolvem redes sociais e mensagens instantâneas, estão em segundo lugar.
Segundo a coordenadora da pesquisa, Luísa Adib, os passatempos variam conforme a faixa etária. O único indicador que atravessa todas as faixas, comum tanto entre crianças quanto entre os adolescentes, são os games:
— Sempre observamos essas diferenças. Os mais velhos, a partir dos 15 anos, são mais assíduos nas redes sociais. O único indicador mais transversal é o dos jogos. Os mais velhos desempenham uma variedade maior de práticas na internet. Conforme o adolescente vai se familiarizando com as plataformas, ele vai subindo alguns degraus, realizando atividades mais variadas e complexas. Isso está associado à idade, mas também às condições de acesso — explica Luísa.
Em geral, o domicílio é o principal local de acesso à internet para crianças e jovens (99%) e seus responsáveis (98%). Atualmente, 93% da população de nove a 17 anos acessa a internet, o que representa 24,5 milhões de pessoas – ou seja, há cerca de 2 milhões de habitantes nessa faixa etária que ainda não têm acesso (nunca acessaram, ou estão há pelo menos três meses sem usar internet).
Conforme o estudo, 99% das crianças e adolescentes de nove a 17 anos das classes A e B usam internet. Nas classes C e DE, as porcentagens são 93% e 91%, respectivamente. O levantamento foi feito a partir de entrevistas face a face com 2.424 crianças e adolescentes e 2.424 pais ou responsáveis, entre março e agosto de 2024.
Prejuízos cognitivos
Para a especialista em uso de telas Sofia Sebben, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), um dos grandes problemas do uso excessivo das telas desde a infância são os efeitos cognitivos. Com o alto índice de dopamina que o uso dos apps e redes sociais gera, é difícil que as crianças criem o hábito da leitura, por exemplo, bem como quaisquer outras atividades que demandam atenção por mais tempo, como o caso de Luigi.
— Quando está acostumado com um nível alto de dopamina, o cérebro vai sempre buscar o prazer imediato. Não vai ser automático tomar a iniciativa de fazer atividades mais demoradas, mais baixas em dopamina, isso precisa partir da pessoa. Como sair para uma caminhada sem o celular junto, fazer o tema de casa, fazer uma prova. O cérebro não entende que aquilo precisa ser feito, e a tendência é levar à procrastinação — explica a psicóloga.
É fundamental ter dados sobre a incidência por faixa etária em cada plataforma, para que possam ser pensadas em formas de proteger as crianças de riscos, segundo a pesquisadora. Ela diz que uma das principais preocupações dos pais no YouTube, por exemplo, é a exposição a conteúdos violentos, que estimulem a agressividade, bem como o incentivo ao consumismo. Uma dica é restringir o uso ao YouTube Kids, que não permite acesso a esse tipo de conteúdo.
— O córtex pré-frontal, região do nosso cérebro responsável pela regulação emocional, só vai se desenvolver completamente por volta dos 21 anos de idade. Antes dessa maturação, toda informação prejudicial que o indivíduo acessa pode ter efeitos negativos, todas essas informações que eles colhem nas redes — ressalta Sofia.
Conforme o estudo, boa parte dos pais afirma conversar com crianças e adolescentes entre nove e 17 anos sobre o que fazem na internet. Contudo, 29% dos entrevistados contaram ter passado por situações ofensivas, de que não gostaram ou os "chatearam" no ambiente digital.