Na semana passada, o Ministério da Educação (MEC) anunciou que vai submeter um Projeto de Lei para proibir o uso de telefones celulares em salas de aula de escolas públicas e privadas. Em outubro, deve ser lançado pelo governo federal o Guia para uso consciente de telas e dispositivos digitais por crianças e adolescentes.
A cartilha está sob coordenação da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), mas foi elaborada com o auxílio de outras pastas, incluindo MEC, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério da Saúde. Ainda não há detalhes sobre as propostas, mas a iniciativa potencializou a discussão sobre o uso do telefone celular nas escolas.
O tema vem dividindo especialistas, educadores e também mães e pais, especialmente a questão da proibição ou não do celular em sala de aula. Por outro lado, é consenso entre os pesquisadores que qualquer decisão precisa ser acompanhada de um processo de conscientização.
— Se não for acompanhada de outras medidas, a proibição é algo vazio. É preciso trabalhar letramento digital junto aos alunos e com os professores, promover formações sobre como fazer o uso pedagógico da tecnologia. Tem que haver orientação para que os professores e estudantes usem as ferramentas de maneira mais virtuosa — afirma o pesquisador Fabio Campos, que atua no Laboratório de Tecnologias de Aprendizagem Transformadoras da Universidade de Columbia (EUA).
O especialista atua como consultor, auxiliando na formação de equipes da rede municipal do Rio de Janeiro (RJ). No município, desde o início do ano, os celulares foram banidos por decreto. Os dispositivos devem permanecer desligados ou em modo silencioso na mochila, inclusive durante o recreio.
Para Fabio, a proibição se demonstrou acertada até o momento, e o caso do RJ pode servir como exemplo para outras cidades. Mas, na avaliação dele, é um sinal de “fracasso social” termos chegado ao ponto de precisar tomar uma decisão tão radical, tendo em vista o uso excessivo das telas por parte dos jovens, a ampla exposição a conteúdos inadequados e o vício em redes sociais.
— Nos anos 1990, Paulo Freire já falava sobre o impacto da tecnologia entrando na escola. Essa é uma discussão que existe há quase 30 anos, da necessidade da educação midiática, e ainda não conseguimos chegar lá. O aluno precisa saber utilizar as mídias digitais. A tecnologia permite diálogo com a sociedade. Ao tirar isso do estudante, estamos tirando dele essa possibilidade – explica.
Esse processo se agrava quando levada em consideração a desigualdade social do país, uma vez que muitas instituições de ensino não dispõem de tecnologias mais avançadas, como tablets e computadores. O celular também pode servir como aliado na aprendizagem, segundo o pesquisador, mas os professores e escolas necessitam saber aproveitar a ferramenta da melhor forma possível.
Em Porto Alegre, desde 2011, existe a lei nº 11.067, que determina a proibição do uso de aparelhos de celular durante as aulas nas escolas da rede municipal. Segundo a Secretaria Municipal de Educação (Smed), até o momento, não há intenção de modificar a regra.
Relação saudável com tecnologia
A pesquisadora e especialista em uso de telas Sofia Sebben vai na mesma linha de Fabio. Para ela, “proibir só por proibir” não faz sentido. Ela diz que o uso excessivo do celular é somente a “ponta do iceberg”, e que por trás disso existem muitas outras questões que precisam ser observadas pela família e pela escola, como a saúde mental e a relação com a educação. Por isso, é imprescindível construir uma relação saudável com a tecnologia desde a infância.
Segundo a psicóloga clínica, que faz doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e estuda sobre o tema, é importante compreender o impacto do uso descontrolado das telas para as diferentes faixas etárias e as consequências na aprendizagem. Mas também é preciso garantir uma educação de qualidade para que as crianças e adolescentes se sintam mais engajados e motivados a estudar.
— Sem dúvidas é um debate necessário, é desastroso o que está acontecendo. Mas precisamos fornecer uma educação de qualidade para que eles tenham tesão por aprender. Para que sintam que a escola é um espaço de desenvolvimento, que não queiram ficar só no celular — argumenta.
Exemplos práticos
Em Porto Alegre, escolas têm lançado iniciativas nesse sentido, com o intuito de melhorar a relação das crianças e jovens com as telas dentro e fora do ambiente escolar. É o caso do Colégio Farroupilha, que proibiu, desde junho, o uso do celular em sala de aula.
Segundo a assessora pedagógica Marília Dal Moro Bing, a escola já contava com projetos de conscientização, especialmente sobre o uso das redes sociais. Mas, neste ano, a instituição adotou uma nova estratégia: quando chegam à sala de aula, os alunos devem deixar o celular na mochila ou dentro de uma caixa, onde o dispositivo deve permanecer até a hora do intervalo.
Caso não sigam a regra, os estudantes estão sujeitos a registro – o equivalente a uma advertência. Conforme Marília, esse processo tem sido conduzido de forma gradativa, mas já está demonstrando bons resultados.
— Os pequenos já não costumavam usar muito o celular, da Educação Infantil e Anos Iniciais. Mas, decidimos tomar essa atitude mais firme em relação Aos anos Finais e Ensino Médio. Quisemos trabalhar isso com mais intencionalidade para que possamos garantir espaços de qualidade fora das telas – afirma.
Para o estudante Tiago Reginatto, 16 anos, a medida tem sido positiva. O aluno do 2º ano do Ensino Médio conta que se acostumou com a distância do celular, com o passar do tempo, e que isso o tem ajudado a focar nos estudos. Ele pretende fazer faculdade de Medicina.
— Quando aula está mais chata ou não é muito do meu interesse, se vem uma notificação de fofoca, ou alguma coisa, acaba tirando um pouco meu foco, perco o raciocínio. Acho totalmente positivo (guardar o celular). A gente acaba desapegando do celular na aula, quando perde esse costume. Isso vai aumentando positivamente nossa concentração na aula – conta.