— Eu estudo usando meu computador, trabalho no computador, fico no computador o dia todo. Desde criança eu ficava vendo TV enquanto brincava, não consigo fazer algo sem estar assistindo TV ou algum vídeo no YouTube. Até me ajuda para me concentrar numa tarefa. Eu uso as telas não só como meio de comunicação, mas como entretenimento, passatempo e trabalho — conta a estudante Maia Neumann Velloso, 14 anos.
Ela representa uma geração hiperconectada, de crianças e adolescentes que crescem em um mundo altamente digital – trata-se da chamada geração alfa, ou “alpha”, que se refere àqueles que nasceram entre 2010 e 2025. O grupo demográfico foi batizado dessa forma como uma sequência após a geração Z.
O termo foi cunhado pelo pesquisador australiano Mark McCrindle. Ele preferiu usar o alfabeto grego em vez do latino, porque achou que não fazia sentido voltar à letra A, já que esta é a primeira geração nascida totalmente no século 21, representando o começo de algo novo.
A explicação é da especialista em diversidade etária Fran Winandy. A pesquisadora diz que a tecnologia é uma constante na vida desses indivíduos, o que os difere da geração Z, por exemplo, que chegaram a conhecer o mundo antes de tornar-se totalmente conectado.
— Essa nova geração é constituída por crianças mais independentes e adaptáveis às evoluções tecnológicas, já que desde pequenos mantêm contato intrínseco com diversos tipos de tecnologia, como brinquedos, smartphones, tablets e computadores. Eles vivem em um cenário diverso, com influências globais, como questões relacionadas a mudanças climáticas, polarizações políticas, redes sociais e saúde pública — destaca Fran.
Busca por equilíbrio
As crianças da geração alfa nasceram com respostas para quase todas as perguntas ao toque de uma tela. Essa hiperconectividade e a variedade de estímulos podem, segundo a especialista, torná-los mais questionadores, rápidos, multifuncionais e flexíveis.
Em contrapartida, o fato de conseguirem respostas e resultados facilmente pode dificultar resiliência e aprofundamentos emocionais. A mãe de Maia, Alice Neumann, conta que tenta respeitar os interesses da filha e buscar o equilíbrio entre o uso da tecnologia e atividades fora das telas. Foi a partir de propostas da mãe que Maia começou a frequentar aulas de violino e artes marciais, por exemplo, atividades que se conectam com os desenhos animados e mangás que ela costuma consumir.
— A principal diferença entre nossas gerações é que antes a gente lidava com o tédio, e eles não. A gente estranha, eles têm uma relação mais passiva com o tempo. Lembro de ir atrás de coisas para me divertir quando era criança, e não vejo ela e os colegas da idade dela fazendo isso. E eu entendo, porque me relaciono com as mesmas tecnologias que ela, até certo ponto — afirma a designer de 39 anos.
Por isso, ela busca introduzir novas atividades na rotina de Maia. Foi com o incentivo da mãe que a adolescente desenvolveu sua paixão: a arte. Criar ilustrações é o principal passatempo da jovem, tanto para lazer quanto para receber comissões por encomendas, e ela conta que pretende seguir trabalhando nessa área quando crescer.
— Ela tem uma mesa digitalizadora, mas eu também incentivo que ela desenhe no papel. A questão é buscar o equilíbrio, mais do que limitar o tempo nas telas e forçadamente criar outros interesses ou coisas que não são naturais. Assim como ela tem amigos na escola, ela tem amigos online, por exemplo. Não vou proibir — diz Alice.
Maia relata que as plataformas mais frequentes na sua rotina são o Discord e o YouTube. Já Sthefany Lima Marques, 14 anos, acessa muito o TikTok e o Instagram, suas redes preferidas para ver vídeos. A estudante está no 8º ano do Ensino Fundamental e diz que sente que os aplicativos são viciantes, por isso, busca nutrir outros hábitos, como a leitura.
— Sou apaixonada por livros. Aqui na escola sempre tivemos leituras obrigatórias e ao longo do tempo fui criando esse hábito. Principalmente na pandemia, porque eu ficava muito tempo assistindo as aulas online e queria fazer coisas diferentes, aí, comecei a ler. Sempre fui de pegar livros na biblioteca da escola, tem muita coisa — conta a aluna do Colégio Farroupilha, que tem planos de estudar Medicina nos Estados Unidos.
Desafio na aprendizagem e no mercado
Segundo a professora Mariana Tavares, do Instituto Vera Cruz, os diferenciais da geração alfa também impõem desafios no processo de aprendizagem. Conforme a pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas, a escola precisa ensinar a essas meninas e meninos que aprender não é somente acessar informações, mas sim articular conhecimentos.
— Os vídeos são curtos, as pesquisas são instantâneas. É tudo muito rápido. Isso sem dúvida impacta na educação. É como se eles quisessem continuar consumindo na escola conteúdos curtos, diretos, que não permitem aprofundamento. A escola tem um papel importante de personalizar o ensino e trazer a tecnologia como aliada — explica.
Embora esses jovens ainda não tenham ingressado amplamente no mercado de trabalho, especialistas já discutem sobre os reflexos disso no âmbito profissional. Segundo o coordenador do Mestrado Acadêmico em Psicologia da Feevale, professor Marcus Levi Lopes Barbosa, o imediatismo e o hábito de ter boa parte das relações mediadas por telas pode levar a frustrações no mercado de trabalho.
— Eles lidam com interações muito rápidas o tempo todo, e no mundo real coisas não funcionam bem assim, não se comportam com essa velocidade. Isso faz com que a interação com o mundo real seja um pouco frustrante e gera dificuldades que as gerações passadas não tinham. Pode ser que essa geração prefira evitar o trabalho presencial e optar pelas vagas remotas, por exemplo — destaca.
Por outro lado, a consciência social e ambiental é algo muito valorizado pela geração alfa, o que pode orientar as escolhas profissionais e gerar impacto positivo no mercado de trabalho, segundo Fran Winandy. Isso pode contribuir para promover amplamente a diversidade, inclusão e sustentabilidade nas organizações, em um futuro próximo.