Quem frequentou a escola nas décadas de 1990 e 2000, é possível que tenha tido aulas de informática. Em um laboratório com computadores, o professor ensinava a usar e-mail, criar apresentações e navegar por algumas ferramentas. Hoje, a escola ainda tem papel fundamental no letramento digital de crianças e adolescentes. As aulas, porém, não ensinam mais como operar as máquinas, e sim como participar de maneira crítica e respeitosa do ambiente virtual.
Em meio a discussões sobre o uso do celular na sala de aula, especialistas ressaltam a necessidade de garantir que alunos desenvolvam competências para lidar com os desafios do mundo digital. Além de saber pesquisar, criar e compartilhar informações online, os jovens precisam se preparar para um futuro mais conectado, aprender a usar tecnologias de maneira responsável e exercer o pensamento crítico.
— Educação midiática é a prática educacional que vai, aos poucos, ao longo de toda a escolarização, construir esse letramento, que é você saber navegar criticamente por todo esse ambiente digital. Isso é, na verdade, o que significa ser alfabetizado nesse mundo contemporâneo: você ter as habilidades para acessar, avaliar, analisar, criar e agir usando todas as formas de comunicação — explica Mariana Ochs, coordenadora do EducaMídia, programa de capacitação em educação midiática do Instituto Palavra Aberta.
A tecnologia e o digital fazem parte de três competências gerais da Educação Básica, descritas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Entre outras habilidades, o documento fala sobre a capacidade de utilizar os conhecimentos sobre o mundo digital para entender e explicar a realidade, fazer uso da linguagem digital para expressar e partilhar informações e sobre compreender e usar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica.
— Eles têm o conhecimento prático, mas não o reflexivo. Com essas competências, estamos falando muito mais sobre essa mediação do que sobre ensinar a mexer em alguma coisa. Esse é o papel do professor hoje. É ensinar a fazer a curadoria daquilo que está à disposição e ensinar o aluno a se perguntar sempre antes consumir um conteúdo ou se cadastrar em um site — pontua Maria Carolina Pedroso, coordenadora da Unidade de Tecnologia Educacional da Secretaria de Educação de Porto Alegre (Smed).
Realidade nas escolas
A rede municipal de Porto Alegre, afirma Maria Carolina, conta com professores articuladores de inovação e tecnologia, que são responsáveis por criar comunidades de aprendizagem do uso da tecnologia e construir, pedagogicamente, a inserção da tecnologia na rotina dos estudantes. No total, nas 99 escolas do município, há 110 profissionais com essa função.
Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Novo, na zona norte de Porto Alegre, os alunos contam com a Sala de Inovação, mediada pela professora Tatiane Reis. No espaço, eles têm acesso a computadores, tela interativa e outros materiais. Durante os intervalos, o local fica aberto para receber os estudantes que queiram jogar, fazer pesquisas e assistir a vídeos.
Nos momentos de convívio, a professora busca sinalizar noções importantes de cidadania digital, termo que define o conjunto de direitos e deveres que os indivíduos têm ao usar tecnologias digitais e interagir online. Em projetos pedagógicos, criados em conjunto com os professores de cada disciplina, Tatiane também ajuda a trabalhar habilidades de checagem de informação e segurança na internet:
— Assim como a gente não larga uma criança na rua sem saber aonde ela vai, a gente não larga alguém na frente de uma tela, num espaço totalmente desconhecido e repleto de perigos. A gente trabalha bastante com eles a questão do comportamento neste espaço, sobre como não invadir o espaço do outro e não ser desrespeitoso.
No Colégio Anchieta, também na Capital, Letramento Digital é um componente da grade curricular dos alunos da 1ª série do Ensino Médio. Na disciplina, o professor Leandro Miranda busca realizar a alfabetização digital dos jovens, trabalhando noções de ética digital, pensamento crítico e segurança online. Durante o ano letivo, os estudantes fazem projetos sobre cyberbullying, clickbait, memes e fake news, por exemplo, que envolvem pesquisa, criação de cartazes ou vídeos.
— É uma disciplina que tem muito mais essa conscientização das armadilhas que o mundo digital propicia. Eu acho que o excesso de exposição que eles acabam tendo ao mundo digital e às redes sociais pode ser bastante prejudicial. Então, é fundamental existir algum tipo de orientação a respeito disso — defende o professor, que avalia como positivo o feedback dos alunos sobre a disciplina.
Papel da família
Educar crianças e adolescentes para o uso responsável das tecnologias também é tarefa dos pais e responsáveis. Temas como controle parental, privacidade, respeito online, compartilhamento de dados e segurança devem ser tópicos de discussões em casa, não apenas na escola. Mariana, da EducaMídia, julga a participação da família como essencial para o processo de formação:
— Precisamos preparar o jovem para que ele seja emancipado, para tomar boas decisões. Sabemos que os ambientes digitais são importantes para o acolhimento e inclusão de juventudes silenciadas e que podem ter uma série de vantagens. Então, a família e a escola têm que olhar para todas essas variáveis e entender que não é uma solução simples. Muitos atores terão que estar envolvidos. As escolas terão que educar, os governos terão que regular e as famílias terão que conversar e orientar.
Maria Carolina ressalta que, em alguns contextos, os pais não foram orientados para fazer o uso crítico e responsável dessas plataformas. Nestes casos, os professores Tatiane e Leandro acreditam que os alunos podem ajudar a levar as discussões e os ensinamentos para a mesa de jantar, servindo como ponte para o letramento digital dos mais velhos.
No site do EducaMídia, é possível encontrar guias, planos de aulas, dicas e outros materiais que podem ajudar pais e professores a navegar pela educação midiática.