Se a infância e a adolescência pré-internet eram regadas a esportes e brincadeiras na rua, hoje é comum que os pequenos se restrinjam ao trajeto casa-escola-casa. Com isso, desde cedo o sedentarismo se torna o principal fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas. Para combater o problema, escolas têm ampliado a diversidade de modalidades oferecidas, a fim de tornar a atividade física mais atraentes. Os benefícios não são apenas para o corpo: conforme estudos, a capacidade de aprender melhora entre aqueles que praticam exercícios.
Um dos combinados é de que na educação física eles não levam o celular, que fica em sala de aula.
MARCELO BARRETO
Escola Municipal Moacyr Ramos Martins
A Escola Municipal Moacyr Ramos Martins, de Uruguaiana, na Fronteira Oeste, tem investido forte no esporte. Além de atividades como gameterapia (uso de jogos digitais para tratar questões de saúde), viagens para participar de maratonas, grupos de dança, clubes de vôlei, basquete, xadrez, corrida e futebol, a direção resolveu mudar o horário da Educação Física após o resultado de um estudo feito pela Universidade Federal do Pampa (Unimpampa) – parceira da instituição em muitos desses projetos.
Bruna Tarasuk Trein Crespo realizou, para sua dissertação, sessões de exercício físico com 73 estudantes do 8º ano da Moacyr Ramos e outra escola da cidade imediatamente após sessões de aprendizagem. A conclusão foi que a sequência – aulas teóricas seguidas de atividades físicas – tem efeito positivo na retenção do conhecimento, que, no entanto, não é persistente. Também há melhora na consolidação da aprendizagem/memória e redução dos níveis de ansiedade pré-teste.
— Antes, a educação física era no turno inverso aqui na escola. Aí, no ano passado, depois do estudo da Bruna, adaptamos a grade curricular para que os alunos façam exercício entre as aulas, para aproveitar melhor o momento — relata Allison Sabedra, vice-diretor do colégio e professor de educação física.
Como os alunos avaliam
Estudante do 8º ano do Colégio João XXIII, de Porto Alegre, Bibiana Pasquotto, 13 anos, adora jogar vôlei: pratica na escola e em um clube. Em seu dia a dia, percebe o quanto o exercício a ajuda a se concentrar.
— Quando eu não faço esporte, eu não faço nada no dia, não consigo parar: tento sentar para fazer alguma coisa e, se eu não fiz nada, não caminhei, não corri, não joguei, não consigo sentar e me concentrar, e também fico com muita dificuldade para dormir, porque fica muita energia acumulada — relata.
No João XXIII, a aposta na variedade vem dando certo. Professor de educação física há 14 anos na escola, Paolo Franciozi Pinto viu novos espaços e esportes surgirem, como badminton, beach tennis e futmesa, a partir do interesse dos alunos.
— Eu trago diversas propostas. Uma delas é o Jogos Interséries, onde os alunos escolhem os esportes que vão ser praticados num contexto como se fosse uma gincana ou uma modalidade de Olimpíadas. Eles já escolheram xadrez, badminton, vôlei, futmesa, basquete, além de esportes mais tradicionais — cita Franciozi.
José Caetano Pacheco, 13 anos, é da turma dos que gostam de esportes menos tradicionais: se na educação física topa qualquer jogo, no contraturno pratica basquete e beach tennis:
— Eu gosto de esporte porque é divertido. Esporte ajuda a relaxar o corpo, a controlar a competitividade, a melhorar como pessoa e a ser mais tranquilo — observa o adolescente, que sente que, quando não se exercita, é como se “não estivesse cumprindo alguma coisa que tinha que fazer”.
A competição das telas
Atrair os alunos para o hábito do exercício físico ainda é um desafio. Realizada pelas Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG) e São Paulo (Unifesp), a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar identificou que 81,3% dos mais de 120 mil adolescentes de 13 a 17 anos que participaram têm dois ou mais fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis, como problemas cardiovasculares e diabetes. O principal fator de risco detectado foi a falta de atividade física: 71,5% dos entrevistados se exercitam pouco.
Em 2022, a primeira proposta de mudança curricular do Novo Ensino Médio na rede estadual do Rio Grande do Sul previa apenas um período de educação física em um único ano da etapa. No ano seguinte, a Secretaria Estadual de Educação voltou atrás: ampliou a carga horária para três períodos, sendo um em cada ano.
Esses dados são vistos na prática nas escolas. Segundo o diretor da Moacyr Ramos, Marcelo Barreto, a instituição, que atende 1,1 mil alunos, boa parte de uma comunidade carente de um dos maiores núcleos habitacionais de Uruguaiana, investiu em esportes por perceber que aquelas crianças e adolescentes tinham cada vez menos espaços para praticá-los. Outra mudança foi manter o celular longe das aulas da educação física.
— Um dos combinados é de que na educação física eles não levam o celular, que fica em sala de aula. Até mudamos o sistema e colocamos chave padrão em todas as salas, para que elas fiquem chaveadas, para evitar o furto de algum aparelho. Percebemos bons resultados: tivemos uma melhora no Saers (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul) no ano passado, na comparação com 2022 — relata Barreto.
O diretor ressalta a importância de se direcionar políticas públicas para o investimento em esportes nas escolas, na busca por combater os prejuízos causados pela dependência do celular, ampliando as formas de socialização, integração social e desenvolvimento das crianças e dos adolescentes.
Para Franciozi, do João XXIII, o aluno é “capturado” pelo hábito de praticar esporte a partir da emoção:
— O que a gente faz é tentar interagir com eles de uma maneira mais assertiva e também mais afetiva, que é muito o que existe no contexto da educação física. A partir do gosto por algum esporte, do prazer de participar de alguma modalidade, a gente também consegue tirar essa galera do ócio e trazer eles para um espaço significativo, que, além de desenvolvimento motor, também produz outras situações, que é a saúde, seja ela física ou emocional — analisa.
Bibiana diz que praticar esporte a deixa com um sentimento de realização:
— No campeonato que eu fiz esses tempos, a gente perdeu e foi muito, muito frustrante, fiquei muito mal. Mas isso é algo importante do esporte: tu aprender a lidar com frustrações, aprender a perder e aprender a ganhar, também. Tu te empenha muito em uma coisa e, quando consegue fazer, é um sentimento muito bom.
Gamificação para manter a atividade
Denise Bolzan Berlese, professora do curso de Educação Física da Universidade Feevale, estuda há 24 anos o desenvolvimento humano e o controle motor típico e atípico, em especial entre crianças e adolescentes. Atualmente, a docente trabalha no desenvolvimento do GameMove Motor Skill, que estimula as crianças a jogarem por meio do corpo.
— Muitas vezes, por causa da violência e de outras questões, como a falta de espaço público adequado para brincar e jogar, as crianças ficam em casa por muito tempo. Nossa busca é por oportunizar às crianças hábitos de movimento dentro dos espaços que elas podem ter, e aí entram as tecnologias e surge o GameMove como uma ferramenta que atende as demandas do século XXI — explica.
Ainda que busque formas de ampliar o exercício para além das aulas na escola, Denise destaca que a educação física é uma “ferramenta importantíssima” para engajar o aluno na prática de atividades físicas:
— A gente observa muito a dificuldade em relação ao desenvolvimento motor. Nos protocolos que utilizamos, observamos que a maioria das crianças testadas estava com um desenvolvimento motor normal médio para inferior, porque não brincam mais na rua, não sobem em árvores. A educação física ainda é um dos poucos espaços que eles têm para explorar essa diversidade de movimentos.
A docente aponta que a prática de exercício físico não só favorece o desenvolvimento motor, mas também tem impacto muito positivo na concentração e no desempenho acadêmico, uma vez que a atividade física pode aumentar a função cognitiva e a atenção, enquanto reduz sintomas de ansiedade e estresse.