Diferentes causas são citadas para explicar a redução no número de pessoas dispostas a se dedicar à vida de padre. A queda da taxa de natalidade, mais opções de carreiras profissionais e a própria existência de outros caminhos religiosos explicam parte de um contexto que faz com que apenas quatro religiosos tenham sido nomeados presbíteros neste ano na Região Metropolitana. Há, por isso, preocupação com o futuro de um dos postos mais importantes da Igreja Católica.
Esse é um cenário distinto quando analisado o número de católicos no mundo. Segundo o Anuário Pontifício 2023, eles saltaram de 1,360 bilhão para 1,378 bilhão de 2021 a 2022, aumento de 1,3%. Porém, o levantamento global diz que a quantidade de padres diminuiu de 410.219, em 2020, para 407.872, em 2021, queda de 0,5%.
Os requisitos para ocupar o posto variam de acordo com os preceitos de cada comunidade cristã, mas, em geral, o pretendente precisa ser solteiro, frequentar um seminário, estudar Filosofia e Teologia, em uma formação média de oito anos. Além disso, na Arquidiocese de Porto Alegre, entre as exigências estão participar da vida da comunidade, fazer os encontros vocacionais Kairós e ter até 35 anos. Evangelizar, celebrar a missa, ouvir confissões, ministrar o batismo, o sacramento da cura, abençoar os fiéis fazem parte das atividades do posto.
— O padre é continuador da missão de Jesus. Ele tem o compromisso de animar o povo de Deus a ele confiado, de servir, de ajudar em todas as dimensões — resume Dom Juarez Albino Destro, bispo auxiliar da Arquidiocese de Porto Alegre.
Segundo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Estado tem 1.407 padres, com média de idade de 45 anos. No Brasil, são 22.094. Ao todo, o Rio Grande do Sul tem 738 paróquias e cerca de 9,1 mil comunidades. A Arquidiocese de Porto Alegre tem 302 padres e 159 paróquias em 29 municípios.
— Vemos um florescer de vocações ao ministério ordenado, à vida consagrada, nos continentes asiático e africano, mas um grande declínio na Europa e nas Américas — analisa Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e presidente da CNBB.
Dom Juarez Albino Destro esclarece que, na região de Porto Alegre, não há uma “crise” de falta de padres: ele diz que a média mundial é de um presbítero para cada 10 mil fiéis; a Arquidiocese da Capital tem cerca de 7,3 mil no momento, ele estima:
— Temos padres, mas a preocupação é o sinal alerta que a gente tem que acender, porque foram 12 ordenações presbiterais entre 2019 e 2023, o que é pouco. Tivemos alguns padres que faleceram neste ano. Então temos que repor esse número para evitar que o atendimento seja deficitário.
O padre Rudinei Lasch, da diocese de Cachoeira do Sul, na Região Central, e secretário da Comissão Nacional de Presbíteros, demonstra preocupação com o número de padres no Estado e no Brasil.
— Esse número não é suficiente. Hoje percebemos uma crise de fé que atinge a família e até mesmo as instâncias eclesiais, que se reflete na queda do número de vocações. As províncias e dioceses estão unificando seminários para propor um projeto formativo em comum que prepare o jovem para a missão na Igreja e no mundo, com seus desafios, como a secularização e a polarização.
Esse número não é suficiente. Hoje percebemos uma crise de fé que atinge a família e até mesmo as instâncias eclesiais, que se reflete na queda do número de vocações, tanto no Estado quanto no Brasil.
RUDINEI LASCH
Padre da diocese de Cachoeira do Sul
Além da de Porto Alegre, a Igreja Católica é representada por outras três arquidioceses no RS: Santa Maria, Pelotas e Passo Fundo. São 17 seminários no Estado. No início de 2022, pelo último levantamento da igreja, o Rio Grande do Sul tinha 236 seminaristas, parte deles estudantes de Filosofia – início da trajetória – e outros em faculdades de Teologia, a etapa mais próxima à ordenação.
— O contexto, sem dúvida, é de menor procura (pelo seminário). Em 2012, tínhamos 31 seminaristas maiores; em 2023, temos 24. A evasão é grande também, de pelo menos 50%, durante o processo formativo — calcula José Loinir Flach, padre e reitor do Seminário Maior Nossa Senhora da Conceição, em Viamão, onde são oferecidas etapas para estudos na formação de padres.
A profissão de padre é reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O cargo oferece uma côngrua, remuneração mensal similar a um salário para cobrir despesas pessoais. Segundo o site Guia de Profissões, a média mensal no Brasil fica na casa de R$ 2,4 mil; no Estado, é de R$ 2,8 mil. A côngrua da Arquidiocese de Porto Alegre é de dois salários mínimos (hoje, R$ 2.640). Isso, porém, pode mudar conforme a capacidade financeira de cada paróquia.
Desinteresse
O diagnóstico do problema envolve fatores como oportunidade de estudo e até mesmo reflexos da tendência de famílias com menos filhos, observada no Censo Demográfico 2023, agrega Dom Juarez Albino Destro, bispo auxiliar de Porto Alegre:
— Há pais que não apoiam a vocação do filho (à vida católica) porque, se ele quiser ser padre, eles não terão netos, e assim a descendência da família vai acabar.
Antigamente, havia comunidades com famílias estruturadas em um perfil católico. Hoje é percebida a falta de cultivo das tradições religiosas e de espiritualidade, separações, casamentos em segunda união.
EDISON HÜTTNER
Doutor em Teologia e professor de pós-graduação na PUCRS
Edison Hüttner, doutor em Teologia e professor de pós-graduação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), observa que a queda no interesse pelo sacerdócio no momento pode estar ligada a mudanças no mercado de trabalho e no aumento de opções de estudo, na comparação com o passado.
— Muitos jovens entram na universidade e visam a uma carreira profissional, pois entendem que o tempo de adquirir um certificado é mais rápido do que nos seminários e nas casas de formações, que exigem cursos completos em Teologia e Filosofia — afirma.
Hüttner também diz notar um enfraquecimento da cultura católica no país, somado à existência de outros “modelos” de famílias e busca por experiências fora da Igreja, algumas ausentes em décadas anteriores e outras que ganharam espaço nos últimos anos.
— Antigamente havia comunidades com famílias estruturadas em um perfil católico. Hoje é percebida a falta de cultivo das tradições religiosas e de espiritualidade, separações, casamentos em segunda união. Também há a busca por outras experiências que envolvem autoajuda e outras formas de rituais, como igrejas evangélicas, espíritas, religiões de matriz afro, neoxamânicas — acrescenta.
O cenário leva à pergunta: o que a Igreja fará para reverter o cenário da redução do interesse na função? Dom Jaime Spengler afirma:
— Temos uma questão demográfica séria no Rio Grande do Sul, mas esse não é o argumento principal. Eu diria que talvez nós estejamos sendo desafiados a encontrar uma linguagem que vá ao encontro daquilo que hoje o jovem percebe como necessário, como parte da sua própria linguagem e da sua própria cultura. Então, como apresentar a mensagem a um jovem ou adolescente hoje? Eu creio que esse seja o nosso grande desafio.