Ao microfone, Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pergunta:
— Queres unir-te cada vez mais ao Cristo, sumo Sacerdote, que se entregou ao Pai por nós, e ser com ele consagrado a Deus para salvação da humanidade?
O questionamento é direcionado a Rodrigo Barroso Spehr Rubi, 27 anos.
— Quero, com a graça de Deus — responde o jovem, que, em seguida, deita-se sob o tapete vermelho no Santuário São Cristóvão, em Canoas, na Região Metropolitana.
O diálogo fez parte de uma ordenação presbiteral, ou seja, uma cerimônia que tornou Rodrigo um padre da Igreja Católica, no dia 16 de junho. O posto é considerado um dos mais importantes da instituição: trata-se do responsável por cerimônias, evangelizar a fé e administrar a paróquia.
A relevância, porém, não tem se revertido no aumento de interessados na formação sacerdotal. O Vaticano estima queda global na quantidade de padres no último levantamento. No Estado, há poucas ordenações e menor procura nos seminários. Novas opções de trabalho e emprego, “concorrência” com outros rituais religiosos e famílias menores podem explicar o fenômeno, dizem estudiosos ouvidos pela reportagem de GZH.
O cenário global tem reflexos na Região Metropolitana, que pode contar nos dedos (de uma das mãos) os padres ordenados em 2023. Foram quatro, Rodrigo incluído. E a média não deve melhorar nos próximos anos. A expectativa é de que sejam ordenados outros quatro padres em 2024, um em 2025 e cinco em 2026 pela Arquidiocese de Porto Alegre.
Meu lema é levar Deus ao coração dos homens, na assistência aos doentes, no cuidado com os mais fragilizados, nas celebrações das missas, no convívio com as famílias, na recepção das crianças que vão ser batizadas.
RODRIGO BARROSO SPEHR RUBI
Padre, 27 anos, ordenado em 2023
Rodrigo foi o quarto e último dos ordenados neste ano pela instituição da capital gaúcha. Ele conta que a religião o acompanha desde criança quando participava de atividades na Igreja: foi coroinha, participou de pastorais (atividades da paróquia), frequentou o Curso de Liderança Juvenil (CLJ). O que queria para a vida adulta ficou nítido ao participar da Jornada Mundial da Juventude, em 2013, quando o Papa Francisco esteve no Brasil.
— Foi um ponto fundamental para a minha decisão. O despertar da vocação dos jovens naquele encontro do Papa com a juventude, as palavras de ânimo, de coragem, dizendo para não ter medo, isso tudo foi algo que me tocou profundamente — afirma.
Ele é o mais jovem ordenado nos últimos 10 anos e também o sacerdote mais novo da Arquidiocese de Porto Alegre no momento. A vivência cristã desde criança e a experiência do encontro com o Papa deram base ao anúncio de que ele queria se dedicar à Igreja: quando souberam da decisão, a família e as pessoas mais próximas o apoiaram e viram na ideia “algo natural”.
— Meu lema é levar Deus ao coração dos homens, na assistência aos doentes, no cuidado com os mais fragilizados, nas celebrações das missas, no convívio com as famílias, na recepção das crianças que vão ser batizadas. Essa é a missão do serviço profissional humano, porque também é de Deus. Então a obra é dele e nós nos colocamos a serviço — diz o jovem padre.
Sacerdote e jornalista
Darlan Schwaab, 34 anos, poderia ter escrito esta reportagem caso tivesse seguido na carreira planejada no início da vida adulta. É que ele foi estagiário no Segundo Caderno de Zero Hora em 2013. Conta que fez a seleção pois gostava de música e cinema. Saiu da redação em 2013, mesmo ano em que se formou no curso de Jornalismo na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo.
— O jornalismo, de certa forma, preenchia algumas coisas da minha vida financeira, talvez algo relacionado ao ego, colocaria em prática algum talento que fui desenvolvendo, mas não preenchia meu coração, o sentido de verdade. Isso eu só encontrava na Igreja. Então decidi dar esse passo e abraçar o que Deus tinha de proposta para a minha vida — conta.
A mudança foi confirmada em 2014, aos 24 anos, quando ingressou no seminário Menor São José, em Gravataí. Em 2015, mudou-se para o seminário maior Nossa Senhora da Conceição, em Viamão. Os estudos continuam na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), onde se formou em Filosofia (em 2017) e Teologia (2021).
O jornalismo, de certa forma, preenchia algumas coisas da minha vida financeira, mas não preenchia meu coração, o sentido de verdade. Isso eu só encontrava na Igreja. Então decidi dar esse passo e abraçar o que Deus tinha de proposta para a minha vida
DARLAN SCHWAAB
Padre, formado em Jornalismo, Filosofia e Teologia, 34 anos
— Sempre se pergunta por que ser padre. Podemos tentar elaborar uma resposta com filosofia, teologia, com o sobrenatural, mas, no fundo, é por amor a algo que não passa, que é eterno, e esse algo é uma pessoa: Jesus Cristo. A grande dificuldade é mostrar ao mundo que Jesus não é um evento que ocorreu 2 mil anos atrás, mas alguém presente hoje na nossa história e que espera por nós — diz Darlan.
Ele foi ordenado no dia 2 de junho na paróquia São Vicente Mártir, na zona sul de Porto Alegre. E já atua nas paróquias São Geraldo, São Miguel e Santo Inácio de Loyola, todas na Capital.
A peça do quebra-cabeça
Já Danton Pereira, 27 anos, descobriu apenas quando adulto que queria ser padre. Ele conta que o interesse pela religião nasceu por influência da família, em especial dos avós, em Nova Santa Rita, também na Região Metropolitana, onde nasceu e frequentava a paróquia de mesmo nome.
A proximidade com o catolicismo aumentou quando Danton foi morar em Porto Alegre, no início da adolescência. Na Capital, ele frequentou a Catedral Metropolitana e se tornou coroinha. Em paralelo, foi menor aprendiz e estagiário em empresas, conseguiu uma bolsa de estudos para Engenharia Aeronáutica e arrumou uma namorada.
À época, Danton se encaminhava para mesclar a rotina religiosa ao dia a dia de um jovem “comum”. Isso mudou quando um amigo seminarista morreu por conta de um câncer e ele não conseguiu liberação do trabalho para acompanhar o enterro:
— No serviço, eu disse que estava pedindo demissão porque queria ser padre. Fiz isso para “causar”. Depois, falei para a minha namorada que cogitava o seminário e terminamos. Pensei que tinha destruído minha vida. Então entrei no seminário para ficar 15 dias, conhecer e sair. Fui ficando e comecei a me senti útil na igreja: parecia que tinha achado a peça do quebra-cabeça que faltava na minha vida.
Do dia em que entrou no Seminário Menor São José, em 2013, até a ordenação, em 26 de maio deste ano, Danton formou-se em Filosofia e Teologia na PUCRS e fez estágios em paróquias da Região Metropolitana. Hoje ele atua nas paróquias Santa Rosa de Lima e Divina Misericórdia, na zona norte de Porto Alegre.
— Alguns dizem que eu tinha de ter curtido um pouco mais a vida. Mas, para mim, seguir a minha vocação é curtir a vida, sou muito feliz por causa disso. Se morresse hoje, eu seria um cara realizado — acrescenta.
"Muitas opções"
Lucas Lacerda, 29 anos, é assertivo sobre o motivo de ter se dedicado à Igreja Católica:
— Não fui eu que quis ser padre, foi o próprio Senhor que me chamou, e eu aceitei esse chamado.
Para ele, a ordenação do dia 9 de junho é um episódio que integra uma trajetória iniciada em casa pela família “católica fervorosa” que o cerca. Aos 11 anos, sentiu-se atraído pela vocação sacerdotal, por meio de um testemunho de vida do Papa João Paulo II. Por isso, ingressou na Companhia de Jesus, dos padres jesuítas, e, depois, no Seminário Menor São José, em 2014. De 2015 a 2017, cursou Filosofia, e, de 2018 a 2021, Teologia na PUCRS.
Não fui eu que quis ser padre, foi o próprio Senhor que me chamou, e eu aceitei esse chamado
LUCAS LACERDA
Padre recém-nomeado
Ao questionamento sobre o maior desafio para exercer a função, Lucas responde que é a tomada de decisões “para sempre”.
— Há tantas opções que temos dificuldade de focar em algo que precisamos dedicar nossa existência inteira. O chamado a ser padre hoje, principalmente para as gerações mais jovens, é mais difícil justamente pela pluralidade que o mundo oferece — diz ele, que hoje trabalha nas paróquias Santa Rosa de Lima e Divina Misericórdia, em Porto Alegre.