Sem pretensões. Foi dessa forma que a atleta paranaense Marlei Willers afirma ter começado a correr, no final de 2017, quando já tinha 39 anos. Mesmo assim, aos 45, a “gaúcha de coração”, moradora de Morro Reuter, foi a vencedora da prova feminina da 38ª edição da Maratona Internacional de Porto Alegre, na qual percorreu 42 quilômetros pelas ruas da Capital. E é por esse motivo que a história dela pode servir de inspiração para muitas pessoas que desejam ter uma vida mais ativa, independentemente da idade.
Em entrevista à reportagem de GZH, em 4 de junho, Marlei relatou que não imaginava chegar ao patamar profissional e competitivo e que não havia almejado ser uma atleta. Mas explicou que a relação com o esporte vem desde sua infância, sob influência do pai. De acordo com especialistas, a construção dessa “base” é fundamental para os resultados, o que significa que nem todas as pessoas conseguirão o mesmo feito com pouco mais de cinco anos de dedicação e treino.
Treinador de corrida de Marlei, Julio Pauletti comenta que ela nunca tinha feito qualquer tipo de prova de atletismo antes de começar a atividade, mas ressalta que sempre foi muito ativa, jogando futebol e futsal. Conforme ele, os resultados envolvem fatores como genética, talento esportivo e treinamento — atualmente, a paranaense corre todos os dias, somando uma média de 150 quilômetros semanais, e também faz treinos de força, mobilidade e prevenção.
— Sempre tem uma característica genética: para ser um bom corredor, tem que ser leve, para ter menos peso para transportar durante a atividade, e a Marlei tem isso. Também tem o que chamamos de talento esportivo: a pessoa tem que ser talentosa para aquela modalidade. Podemos pegar pessoas com o mesmo viés genético, mas uma pode ser boa corredora e a outra, não. E tem o treinamento: a Marlei é muito dedicada, treina bastante e desde sempre deu o seu melhor — aponta.
Rafael Baptista, professor do curso de Educação Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), explica que não há um padrão de resultados justamente em função desses aspectos genéticos, que variam de pessoa para pessoa e precisam ser levados em conta. Além disso, enfatiza que os retornos estão diretamente conectados com a disciplina, o esforço e a dedicação que o indivíduo investe para alcançar seu objetivo.
— Se ela praticou esporte a vida inteira, já tinha adaptações fisiológicas decorrentes disso, tinha uma base construída, o que faz toda diferença. Mas não são todas as pessoas que começarem a correr que vão ganhar a Maratona de Porto Alegre. Se a pessoa foi sedentária a vida inteira, pode demorar mais para recuperar o tempo perdido. É preciso alinhar as expectativas de acordo com a realidade — indica.
Benefícios da prática
A corrida é considerada um exercício aeróbico, de atividade cíclica, em que a pessoa fica realizando esforço por um tempo relativamente longo. Baptista garante que sua prática traz grandes benefícios tanto para atletas profissionais quanto para amadores. Isso porque gera adaptações fisiológicas no sistema cardiorrespiratório, incluindo a regulação da pressão arterial e a redução da frequência cardíaca de repouso e do risco de doenças cardíacas.
De acordo com o professor da PUCRS, a corrida também auxilia no controle da composição corporal e do peso, portanto, ajuda a prevenir doenças como a obesidade e a diabetes tipo dois.
— Além disso, quem corre tem o consumo máximo de oxigênio aumentado. E quanto maior o consumo máximo de oxigênio, menor o risco de desenvolver doenças crônicas degenerativas e melhor o desempenho. Ainda ajuda no fortalecimento dos ossos, por ser uma atividade de impacto — afirma.
José Miguel Dora, chefe do Serviço de Medicina Interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), ressalta que a prática de exercícios, de forma geral, é recomendada para pessoas de todas as idades, em função dos diversos benefícios à saúde. Além da questão física e de desenvolvimento motor apontados por Baptista, ele cita o impacto na saúde psíquica, já que as atividades podem reforçar as relações sociais.
Entretanto, o médico concorda que é mais fácil manter o hábito quando o mesmo é desenvolvido desde a infância:
— Temos muitos exemplos de pessoas que começaram mais tarde, já idosas, e tiveram muitos benefícios. Não existe regra única. É mais fácil se começar mais cedo, mas não tem uma barreira. Os benefícios vêm quando a prática é iniciada a qualquer momento. Porém, quanto mais cedo iniciar, mais benefícios terá.
— Devemos estimular a população a se engajar em um programa de exercícios ou a iniciar a prática de esportes independentemente da idade. Começa hoje, agora, com o que tu tens e podes. Mas minha orientação é: procure um profissional de Educação Física para acompanhar e orientar seus exercícios — acrescenta Baptista.
Cuidados necessários
Apesar de todos os pontos positivos, o professor da PUCRS alerta que, por ser uma atividade cíclica com impacto, a corrida pode causar alguns problemas a longo prazo, se for feita em grande volume e sem preparação física e treinamento de força. Entre eles, está o desgaste do sistema locomotor e das articulações. Baptista cita como exemplo um casal que começou a correr sem orientação: ambos acabaram tendo uma lesão na tíbia por estresse repetitivo.
Dora ressalta que qualquer exercício deve começar com carga gradual, tanto de tempo quanto de intensidade. No caso da corrida, é preciso começar com doses de tempo e intensidade mais baixas e que vão aumentando progressivamente. Em função do impacto, também é importante utilizar um calçado adequado e procurar um local iluminado, com piso regular. Hidratação e vestimenta adequada para a temperatura são outros dois pontos fundamentais, segundo o médico do HCPA.
— Um profissional da área pode estabelecer a relação adequada entre volume e intensidade, orientar que tem que fazer musculação para preparar as articulações, orientar o gesto esportivo, a técnica da corrida e avaliar os ganhos. Por isso, quando feito com acompanhamento, os riscos são bem reduzidos — salienta Baptista.
Esses profissionais também fazem uma avaliação física prévia para identificar riscos cardiovasculares e ortopédicos, por exemplo, e solicitam avaliação médica quando necessário. O professor da PUCRS aponta que mesmo pessoas aparentemente saudáveis podem ter algum problema de saúde assintomático, que deve ser verificado antes do início da prática da atividade física.
— Quem já tem alguma condição de saúde que acompanha com o médico, deve dividir com ele esse plano de iniciar uma atividade física. Pode ser necessário fazer ajuste de dose ou horário de medicação, por exemplo. Então, é bom conversar com seu médico também — finaliza Dora.