O seminário como caminho natural para alguns jovens, como ocorria entre a década de 1970 e início dos anos 2000, já não é mais tão comum. Hoje a escolha pela vida de presbítero está ligada somente com a vocação. O reflexo disso é que não se tem mais seminários lotados com aspirantes a padres, como acontecia no passado.
Além da vocação religiosa, o seminário também era escolhido por quem buscava uma educação de qualidade. Hoje os jovens são atraídos para uma diversidade maior de oportunidades e profissões. Além disso, as famílias estão menores. Esses são os fatores que ajudam a explicar o contexto, segundo análise da própria Igreja Católica, embasada por padres ouvidos pela reportagem de GZH.
Esse foi um dos temas discutidos no 39º Encontro Regional de Presbíteros na última semana de novembro, em São Leopoldo, na Região Metropolitana, quando mais de cem padres gaúchos se reuniram. O diagnóstico foi feito por integrantes da Igreja ligados à formação de novos sacerdotes.
— Existe uma crise vocacional, a base dela está na família, e as famílias diminuíram. Antes as famílias tinham oito, 10 filhos, e sempre saía um padre, uma freira. Hoje se tem um, no máximo dois filhos. Antigamente, a gente tinha seminários com 100, 150 vocacionados. A família de 50 anos atrás era uma, a de hoje é outra, é um contexto cultural e histórico diferente. Hoje os filhos saem para estudar fora, têm outras preocupações — analisa o padre Rudinei Lasch, que até novembro presidiu a Comissão Regional de Presbíteros do Rio Grande do Sul, na qual esteve à frente nos últimos quatro anos.
A Igreja Católica no Rio Grande do Sul é formada por quatro arquidioceses: Porto Alegre, Santa Maria, Pelotas e Passo Fundo. São 17 seminários no Estado. No início deste ano, pelo último levantamento da igreja, o Estado tem 146 seminaristas: 78 estudando Filosofia (estão no começo da trajetória) e outros sendo 68 cursando Teologia (etapa mais perto da ordenação). O número é mais baixo do que em comparação com décadas passadas, conforme dom Adimir Mazali, da diocese de Erechim, no Norte, e bispo referencial para a Pastoral Presbiteral.
— Nós temos aqui (em Erechim) uma estrutura de seminário que chegava a 200 seminaristas. Hoje ele está fechado, destinado a outras atividades da diocese, não tem seminaristas — relata dom Adimir.
Em Santa Maria, Região Central, são três seminários, mas no próximo ano serão unificados para proporcionar uma vivência em comunidade aos futuros padres.
— No passado se procurava uma formação de qualidade, especialmente quem saia do meio rural encontrava na Igreja uma chance de qualificar sua formação. Hoje há outras opções. Os seminários numerosos, não é que deram tantos padres para a Igreja, eles formaram grandes lideranças para as comunidades, o que é um grande mérito. Mas hoje, claro, o desafio aumenta, porque entra menos gente e menos pessoas vão concluir o processo — afirma dom Leomar Antônio Brustolin, arcebispo de Santa Maria.
Mudança de perfil
Com essas mudanças, o perfil do aspirante a padre também mudou. Eles vêm de uma família pequena que nem sempre é tradicionalmente católica. Em alguns casos, já têm formação acadêmica, mas despertam o interesse pelo sacerdócio depois. Isso leva aos seminários jovens que realmente têm o discernimento para a vocação.
— Assim como a sociedade sofreu grandes mudanças nos últimos anos, o processo formativo dos padres também encontrou um novo formato. Nesse contexto é que se enquadram as novas vocações, que não são tanto para apenas garantir um futuro de vida, mas uma decisão muito mais profunda, onde a pessoa escolheu a vocação, acolher o chamado, por uma convicção muito profunda — contextualiza o arcebispo de Santa Maria.
Ordenado presbítero há um ano, hoje o padre Junior Lago é responsável pela animação vocacional na diocese de Santa Maria, ou seja, coordena a formação de novos sacerdotes. Ele reforça a importância de ter um seminarista com a certeza da decisão:
— A Igreja sempre prezou pela educação, e todo mundo queria ter uma oportunidade de estudo qualificada, então as pessoas procuravam o seminário. Entravam, viam quais eram as suas aptidões e se encaminhavam para outro lado. Hoje não precisa mais isso. Não é mais para você receber uma educação, e sim para você se doar para uma causa maior. Vai ter menos candidatos, mas eles estarão com outro propósito — defende.
Faltam padres no RS
Atualmente o Rio Grande do Sul tem cerca de 1,4 mil padres, e a média de idade é 45 anos. O número é considerado insuficiente. Ao todo, o Estado tem 738 paróquias e aproximadamente 9,1 mil comunidades. Conforme dom Adimir Mazali, da diocese de Erechim e bispo referencial para a Pastoral Presbiteral, esse número é insuficiente:
— Além das paróquias, nós temos outras organizações que exigem a presença do padre. Ele não é só mais o padre da paróquia, são diversas outras atividades paralelas, então isso sobrecarrega, sem dúvida nenhuma. Em algumas cidades, os padres atendem duas paróquias, por exemplo. Nós precisaríamos, para as 18 dioceses, com um olhar superficial, pelo menos mais uns 100 padres para atender essa demanda. No nosso encontro realizado em São Leopoldo (no final de novembro), percebemos muito essa realidade. Nós precisamos de mais padres, mas não temos de onde tirar. Um padre você não improvisa, são pelo menos oito anos para a ordenação.