Tida como basílica há mais de três décadas, a Catedral São Luiz Gonzaga, em Novo Hamburgo, não tem documento que comprove o título nos arquivos do Vaticano. O reconhecimento é dado às igrejas com relevância arquitetônica, cultural e religiosa pelo Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, espécie de ministério da Cúria Romana responsável pelas práticas litúrgicas.
A revelação foi feita a partir do contato de GZH, que queria contar a história das até então três igrejas chamadas de basílicas no Estado. Além da considerada Catedral São Luiz Gonzaga, a insígnia é dada ao Santuário Nossa Senhora Medianeira, em Santa Maria, e à Nossa Senhora das Dores, em Porto Alegre. Essas duas têm titulação oficial, concedidas em 1987 e em abril deste ano, respectivamente, e os documentos estão guardados nas dioceses.
Segundo os padres da São Luiz Gonzaga, foi um antigo bispo de Novo Hamburgo, Dom Boaventura Kloppenburg, que declarou a igreja como basílica. Em outubro de 1990, o religioso comandou uma cerimônia para reconhecê-la como catedral. Junto, acrescentou o nome de basílica. A partir daí, passou a se chamar Catedral Basílica de Novo Hamburgo.
Pároco da São Luiz Gonzaga à época, monsenhor Américo Cemin diz que Kloppenburg insistia tanto em chamar a igreja de basílica que o nome pegou.
— Ele falava: "Depois que todo mundo começar a chamar de basílica, a gente pede o título". E falava: "Vão falando que é basílica. Daqui a pouco, se torna". E isso entrou de mansinho. Tomou conta — confessa monsenhor.
Nunca ficou claro se Kloppenburg chegou a postular no Vaticano o pedido para reconhecer a Catedral São Luiz Gonzaga como basílica, como é de praxe. Nos arquivos da igreja, não há qualquer documentação. Após contato com a reportagem de GZH, a diocese de Novo Hamburgo enviou uma carta ao Dicastério para o Culto Divino, entre fim de outubro e início de novembro, questionando se havia algum registro no Vaticano. O retorno, com a resposta negativa, foi dado no início de dezembro.
— A resposta foi que, lá no Vaticano, não encontraram registro de que houve a nomeação de basílica. Mas não ter registro de basílica não nos preocupa, não tem relevância — diz o atual bispo de Novo Hamburgo, Dom João Francisco Salm, que assumiu a diocese no início deste ano.
No entanto, o distintivo só pode ser dado pelo Vaticano, observa o arcebispo metropolitano de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler, que sempre ouviu falar que a Catedral São Luiz Gonzaga era basílica.
— Para mim, tudo isso é muito estranho. Eu mesmo já citei a igreja de Novo Hamburgo como uma das basílicas do Rio Grande do Sul. Em si, não podemos chamar de basílica sem que haja titulação. Se o processo não foi feito, não vão encontrar documentação. Em Roma, tudo é muito bem organizado — garante Spengler, que acompanhou todo o processo de titulação de basílica da Nossa Senhora das Dores.
Ata da cerimônia realizada em 1990 por Dom Boaventura Kloppenburg — teria sido a partir daí que a igreja passou a ser chamada Catedral Basílica São Luiz Gonzaga:
Na avaliação do arcebispo, chamar de basílica sem reconhecimento do Vaticano é um deslize incomum na Igreja Católica. Acionada pela reportagem, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Regional Sul disse que cabe à diocese de Novo Hamburgo responder a todas as questões.
Dom Boaventura Kloppenburg era um religioso de renome. Nasceu na Alemanha em 1919 e veio ao Brasil em 1924, quando se estabeleceu em Rolante, no Vale do Paranhana. Foi nomeado bispo de Novo Hamburgo em 1986, posto que assumiu até 1994. Morreu em 2009 e seus restos estão enterrados no altar da Catedral São Luiz Gonzaga.
— Ele era um homem extremamente respeitado, de doutrina, de grandes publicações teológicas. A palavra dele tinha muita força. Era famoso e respeitado no Brasil, amigo pessoal do papa Bento XVI. Quando ele falava alguma coisa, ninguém duvidava — conta o padre auxiliar da Catedral São Luiz Gonzaga, Everson Lino Rodrigues.
— Claro que isso não lhe dava o direito de dar uma titulação que não poderia ter dado.
Dom Jaime Spengler reforça que Kloppenburg era um bispo respeitado por todos, o que causa ainda mais estranheza o fato de não ter pedido autorização de Roma para batizar a Catedral São Luiz Gonzaga de basílica.
— Conheci esse bispo quando eu era estudante. Ele foi um grande intelectual, um grande teólogo, de respeito internacional, um homem muito capaz. Me causa certa admiração essa possibilidade de ele não ter feito o procedimento de praxe. Porque ele era um homem que estava envolvido na dinâmica do próprio Vaticano.
Para padre Lino, a São Luiz Gonzaga poderia postular o pedido de titulação de basílica, já que tem relevância junto à comunidade e importância arquitetônica. É uma catedral em estilo romano, decorada por obras do pintor ítalo-brasileiro Aldo Locatelli e um dos principais locais de fé em Novo Hamburgo.
O prédio foi construído em 1954, onde antes existia a Igreja Matriz, erguida em 1924 por padres jesuítas. Adornada por duas torres, a Catedral São Luiz Gonzaga tem 19 metros de altura e colunas no seu interior. O presbitério, que fica atrás do altar-mor, exibe três pinturas de Locatelli retratando a vida de Luiz Gonzaga. À direita está sua primeira comunhão, à esquerda sua morte e, ao centro, atrás do altar, a glória de São Luiz Gonzaga.
— A catedral é um grande centro espiritual, porque faz casamentos, missas, orientação espiritual, batizados. É muito procurada devido à sua beleza — reforça padre Lino.