Quem entra no prédio centenário da antiga Igreja Matriz de São Miguel, em Dois Irmãos, no Vale do Sinos, pode se confundir achando que ainda haverá celebrações católicas ali. O local, no entanto, está desativado desde o final da década de 1970, quando uma nova matriz passou a ser usada do outro lado da rua, para dar conta do grande número de pessoas.
Com projetos culturais e investimentos municipais, estaduais, federais e do Consulado Alemão, a igreja, concluída em 1880, e que vem sendo restaurada desde 1995, se transformou em um centro cultural administrado pela Associação de Amigos do Patrimônio Histórico e Cultural de Dois Irmãos, em parceria com a prefeitura. Este memorial abre ao público neste sábado (2) e domingo (3) e tem itens históricos, que corriam o risco de ir pro lixo e foram resgatados.
— É um dos únicos casos no Brasil de uma igreja transformada em espaço cultural —salienta a presidente da Associação, Ingrid Arandt.
O prédio passou por um processo chamado pela Igreja Católica de dessacralização. Segundo o pároco da nova matriz, padre Alexsandro Lemos da Silva, isso acontece quando o bispo diocesano realiza uma celebração na qual o espaço deixa de ser usado para cultos e celebrações sacramentais. Depois disso, todos os símbolos são retirados e levados para o novo local sagrado.
Hoje, os vitrais coloridos que contam histórias bíblicas e o retábulo original são cenários que guardam a memória do espaço onde moradores se batizaram, casaram e tiveram momentos marcantes. Foi esse carinho da comunidade que fez com que, em 1982, a população fizesse um abaixo-assinado com quase mil assinaturas para impedir a demolição do edifício, que foi tombado em 1984 pelo Estado e em 2002 pelo município, após se tornar patrimônio da cidade por permuta com a Mitra Diocesana.
Na exposição que recorda a história da antiga matriz, estão algumas das vestes litúrgicas de padres que foram resgatadas do lixo. Anos atrás, o curador da Fundação Scheffel, de Novo Hamburgo, Ângelo Reinheimer (que atuava na Diretoria de Cultura de Dois Irmãos na época), percebeu as sacolas na frente da porta e guardou as roupas.
— Por ser algo têxtil, elas não podem ficar permanentemente aqui, já têm um desgaste. Optamos por mostrar a parte de trás que é o mais bonito, porque elas são da época em que as missas eram rezadas de costas para os fiéis — explica a gestora cultural Luana Khodja.
Os visitantes ainda podem subir na torre que abrigava o sino e espiar como é o forro da construção. Outro destaque é para a acústica da igreja, que favoreceu a instalação de um palco em frente ao antigo altar para apresentações artísticas. Atrás dele, a sacristia virou um camarim, que fica escondido. A porta desta sala era uma saída para os fundos e foi onde a igreja começou a ser construída. A parede original foi preservada e pode ser observada.
O piso, o púlpito e o quadro com os mártires jesuítas também fazem parte da estrutura original e permanecem no local. No mezanino, onde ficava o coro, estão os objetos históricos, como os missais, vestes dos sacerdotes e a curiosa matraca, que era usada para chamar os fiéis nos períodos em que o sino não deve ser tocado, como na Semana Santa. O item de madeira emite um som mais controlado que o diferencia da força emitida pelos sinos.
Um objeto que ainda aguarda restauração para ser exposto é uma certidão de batismo do século XIX, assinada pelo padre Guilherme Doerlemann, responsável por mobilizar a comunidade para construção da antiga matriz. Essa relíquia foi mais uma encontrada na rua e pelas mãos de uma pessoa inusitada: o vice-prefeito de Dois Irmãos, Juarez Stein.
Como não há espaço para todo o acervo, todos objetos pesquisados estão expostos de maneira virtual e podem ser acessados em um totem e no site memorial.espacoculturalantigamatriz.com.br. Fotos antigas e croquis do prédio também podem ser conferidos nestes recursos.
Visite
A visitação ao Memorial Antiga Igreja Matriz de São Miguel é gratuita e aberta ao público aos sábados e domingos sem necessidade de agendamento, das 13h às 17h. Grupos e escolas podem marcar horário com visitação guiada pelos telefones (51) 3564 8834 (prefeitura) ou (51) 99560 1968 (Vera Rausch).