Antes das execuções de mulheres acusadas de bruxaria em fogueiras públicas, a magia era praticada por homens e dentro da própria Igreja Católica. Para provar isso, um pesquisador de Guaíba foi até os arquivos secretos do Vaticano e folheou um manual em pergaminho do século 14 na Biblioteca Nacional da França. As descobertas foram publicadas na tese do doutorado em História, mas fizeram sucesso mesmo foi na rede social TikTok.
Nascido na cidade da Região Metropolitana, Odir Fontoura, 32 anos, é graduado pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), com mestrado e doutorado na mesma área pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 2019, que ele ganhou a permissão do Vaticano para acessar cartas e documentos históricos — depois de longos meses de negociação por e-mail e, por fim, da tensa entrevista ao vivo ao chegar na sede da Igreja Católica. Ficou duas semanas fazendo sua pesquisa por lá.
— Para acessar os arquivos secretos, eu precisava passar por uma revista, um detector de metais, mostrar a carteirinha que me deram, assinar a chegada, deixava o celular numa sala de segurança e depois entrava no arquivo. Era uma coisa bem O Código da Vinci — conta, em alusão ao best-seller de aventuras e mistérios religiosos de Dan Brown.
Ele já sabia quais os documentos que precisava acessar, citados em pesquisas de outros estudiosos, e informava o nome a funcionários do Vaticano. Então aguardava o material em uma sala com outros pesquisadores — por vezes, obtinha o arquivo original e, em outras, o digitalizado. Assim, pôde ler cartas do século 14 enviadas pelos papas aos inquisidores pedindo que investigassem membros da própria Igreja.
— Eram monges, padres, bispos, homens que sabiam ler e escrever e tinham acesso a literaturas autorizadas e não autorizadas — conta.
Eles eram acusados pela Igreja de ler sobre necromancia (suposta arte de adivinhar o futuro por meio de contato com os mortos), por exemplo, e de fazer bonequinhos com a imagem de inimigos para prejudicá-los, espetando ou queimando os objetos batizados com o nome do alvo.
— Até mesmo para atrair amor era feito, botavam dois bonecos aproximados, amarrados, às vezes jogavam no mar. E isso tudo considerando situações astrológicas especificas — acrescenta.
Muitos homens da Igreja se dedicavam a práticas hoje relacionadas à astrologia. Odir conta que até mapa astral eles faziam, mas os católicos condenavam qualquer tipo de previsão.
— Os magos acreditavam que com a magia podiam descobrir o futuro, fazer prognósticos, curar doenças. E a Igreja achava que isso dava muito poder para as pessoas, como se desafiassem Deus — explica.
Mas ele constatou que pelo menos um papa também se envolveu com "magia". Na virada do século 13 para o 14, Bonifácio VIII usava um cinto que trazia um amuleto feito quando o sol estava no signo de Leão. Depois que ele começou a usar o objeto, suas dores nos rins teriam passado.
Como queria conhecer também o ponto de vista dos praticantes, Odir partiu à França. Na Biblioteca Nacional, pôde manusear o manual de magia chamado Ars Notoria. É uma publicação pesada em pergaminho, escrita em latim, que tem propostas de jejuns, rituais, esmolas. E muitas imagens coloridas de anjos.
— Para a Igreja, eram diabos, e, para os praticantes, anjos. E eles cantarolavam o nome dos anjos, ofereciam incensos, pérolas, flores — enumera.
Questionado se acredita que essa magia é real, se tem algum resultado prático, Odir se desvencilha:
— Para nós, historiadores, o importante é que de fato havia a crença deles. E, se a Igreja se preocupava, era visto como uma ameaça.
Sucesso no TikTok
Depois de terminar sua tese e ser aprovado por unanimidade, Odir arranjou um jeito de divulgar o que descobriu de uma maneira bem mais popular que o meio acadêmico. Começou a usar o TikTok para publicar vídeos curtos com curiosidades históricas.
Ex-alunos de história do IFRS–Campus Caxias do Sul e alunos do Instituto Federal do Mato Grosso (onde está dando aula neste semestre) o incentivaram a entrar na rede social.
— Primeiro eu tive um preconceito, achei que era canal de dancinha. Mas entendi que é uma rede como qualquer outra, composta de bolhas, e que tinha essa bolha interessada em educação e cultura. Deu muito certo — avalia.
Os vídeos que mais fizeram sucesso, conta, foram justamente os da sua pesquisa sobre magia na Idade Média. Em cinco meses, o guaibense já conquistou mais de 135 mil seguidores na rede social.