"A quadra é só um detalhe, quem faz a transformação não é a bola" é uma das maiores crenças de Zeca Brochier, há 17 anos coordenador do Futsal Social, um projeto socioeducativo desenvolvido pela União Jovem do Rincão (UJR), em parceria com a Universidade Feevale, a prefeitura de Novo Hamburgo e o governo federal.
Por meio de aulas de futsal no contraturno escolar de jovens que moram em bairros periféricos do município, a ação ensina sobre autonomia, empatia, sociabilidade e respeito às diferenças. São cerca de 400 alunos beneficiados no momento, com idades entre sete e 17 anos, e mais 200 vagas disponíveis.
— Os jovens não vêm ao projeto porque gostam de jogar bola. Mas a quadra resolve uma porção de coisas, é um ambiente de relações saudáveis que propicia o desenvolvimento humano. Aqui, aprendem a pensar no coletivo, ter autonomia, superar seus limites — afirma Zeca.
O objetivo da ação não é formar craques da bola, embora o projeto conte com uma lista de ex-alunos que avançaram no esporte como jogadores profissionais e treinadores. A função principal é formar seres humanos e abrir caminhos para um futuro promissor a crianças e adolescentes que estão iniciando suas vidas a partir de um cenário de vulnerabilidade.
— A ideia é promover a inclusão social e ocupá-los no contraturno escolar para que possam ver perspectivas para além da realidade deles. Aos mais velhos, também apresentamos oportunidades com parceiros para experiências como jovem aprendiz — explica o coordenador do Futsal Social.
Mas é claro que a paixão pela bola aparece dentro das quatro linhas. É o caso de Willian Palaver, 10 anos, que mora com a avó em Novo Hamburgo. Aluno do projeto há três anos, o garoto planeja aprimorar suas habilidades na quadra e avançar para as categorias de base do clube União Jovem do Rincão (UJR).
— Jogo como ala, me movimento muito por todos os lugares da quadra. Quero ser jogador de futebol e vou ficar no projeto até os 17 anos — conta Willian, ofegante após o treino no ginásio da unidade Canudos.
Lei de incentivo impulsionou o projeto
A ação começou em 2004, com aulas de futsal no contraturno escolar em três comunidades carentes de Novo Hamburgo. Mas foi em 2012 que o projeto ganhou grandes proporções, ao ser contemplado pela Lei de Incentivo ao Esporte: hoje são seis núcleos de atividades, nos bairros Boa Saúde, Canudos, Rondônia, Roselândia, Rincão e Vila Redentora. Para atender os alunos, a equipe é composta hoje por 25 pessoas, que são professores de educação física, psicólogos, assistentes sociais e bolsistas de graduação da Feevale.
— A universidade expande ainda mais o seu universo de atuação, estando, literalmente, presente nas comunidades. Já a instituição parceira se oxigena com a energia dos acadêmicos e de novos estudos, que guiarão a práxis profissional envolvida. E a própria comunidade é diretamente beneficiada, pois a extensão universitária acaba suprindo demandas que muitas vezes não são atendidas por outros setores — afirma Roberto Klering, professor da Feevale e líder do Futsal Social junto à instituição.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Após ter sido estagiário do projeto em 2013, Samuel Hinkel, 28, voltou a se engajar na ação em 2019, agora como professor de futsal do núcleo Canudos. Na tarde desta quinta-feira (15), coordenava uma turma mista, com cinco atletas de cada lado.
— O maior desafio, como professor de um projeto social, é não ficar só dentro da quadra. É conversar, ouvir, entender o que estão passando em casa, auxiliar no que for possível — afirma Samuel.
A estratégia de misturar as turmas foi adotada em 2018 e, segundo a coordenação do projeto, é para possibilitar a socialização entre meninos e meninas e para trabalhar, desde cedo, questões como machismo e igualdade de tratamento. A aluna de 13 anos Manoeli Bernardo conta que gosta de jogar com times misturados, mas que, às vezes, os garotos não lhe passam tanto a bola como fazem com os colegas do mesmo sexo.
— Eu estou jogando muito melhor do que quando comecei, evoluí bastante. Penso em seguir carreira como jogadora de futsal — conta a menina, que se envolveu com o projeto após ter sido convidada por um professor na escola.
Combate à evasão escolar
As aulas presenciais foram retomadas na últimas semana de maio, após a prefeitura de Novo Hamburgo aprovar o protocolo de segurança para que a atividade pudesse ocorrer com o mínimo risco possível de transmissão do coronavírus. No ginásio no bairro Canudos, há medição de temperatura, álcool gel e "falta técnica" para quem baixar a máscara. Aqueles que quiserem tirar a máscara para recobrar o fôlego após atividade mais intensa devem se afastar dos colegas.
Por conta da pandemia, parte do esforço neste semestre tem sido o de localizar alunos que se afastaram do projeto e tentar trazê-los de volta. O combate à evasão escolar também é um dos pilares da ação socioeducativa. Para acessar as aulas de futsal, é obrigatório estar matriculado em uma instituição de ensino.
— Trabalhamos com pessoas que estão em maior vulnerabilidade, muitas vezes no limiar de irem para a droga, para o delito, abandonar a escola. O projeto é uma forma de mantê-los na sala de aula e de combater aquela ideia, frequentemente reproduzida entre famílias mais carentes, de estudar apenas até o quarto ano e largar — afirma Zeca.
O Futsal Social está com vagas abertas, e os alunos são indicados por meio de escolas, lares de meninos e de meninas e outras entidades parceiras. Os critérios que as entidades levam em conta na hora de selecionar alunos para o projeto são o gosto pelo esporte — pouco importa se o indivíduo demonstra talento ou não —, o estado de vulnerabilidade social e a necessidade de aprender a socializar. Ainda assim, há quem já tenha se destacado no esporte e seguido adiante. É o caso de Nicolas Weirich, que jogou a última temporada pelo Marítimo de Portugal.
Informações sobre o projeto são disponibilizadas no site da UJR ou pelo fone (51) 3582-4693.