Em 2019, quando perdeu o emprego e se viu mergulhada em obrigações que precisava administrar, como a guarda do filho e de dois irmãos menores de idade, Sarah Medina Lamach, 22 anos, não cogitava voltar a estudar e nem fazia planos para o futuro. A jovem conta que pensava apenas em conseguir um novo trabalho o mais rápido possível para equilibrar as responsabilidades.
Naquela época, Sarah já havia deixado, há cerca de três anos, o Lar de Mirian e Mãe Celita, de Santa Maria, que abriga crianças retiradas do convívio familiar. Ela morou no local por cerca de cinco anos. E foi aos funcionários do abrigo que pediu ajuda e foi apresentada ao projeto Esperançando, que se propõe a auxiliar jovens, que estão deixando abrigos e ingressando na vida adulta, a encontrarem moradia, qualificação e oportunidades de emprego.
No projeto, desenvolvido em Santa Maria, Sarah participou de rodas de conversa, fez aconselhamentos e, até hoje, faz acompanhamento psicológico. No final daquele ano, ela conseguiu uma vaga como auxiliar administrativa pelo programa Jovem Aprendiz e voltou a estudar. Sarah conta que se encontrou na área e segue no emprego. Agora, ela se planeja para, assim que concluir o Ensino Médio, cursar faculdade de Administração.
— Acho importante dizer que o projeto não me ajudou apenas a conseguir trabalho. Aquele era um momento muito difícil para mim. Jamais pensaria em voltar a estudar naquela situação, eu só pensava em trabalhar e mais nada. Mas o projeto me fez refletir sobre o meu futuro, me mostrou que tenho opções. Me acolheu como em uma família, eles me apoiaram sempre que precisei. Foi e é maravilhoso comigo — conta.
No caso de Sarah, a jovem já havia deixado o abrigo quando conheceu o projeto. Mas, em geral, o Esperançando atua com adolescentes que ainda moram nas casas e não atingiram a maioridade — quando completam 18 anos, precisam deixar os espaços. Nesse momento, muitos ficam "totalmente desamparados", explica a professora de Linguagens e voluntária Raquel Bevilaqua:
— A gente observa que não há preparação suficiente para esse desligamento, isso em todo o Brasil, não apenas em Santa Maria. Esses jovens têm poucas opções, ou se viram sozinhos ou voltam para suas famílias, e essa não é uma boa alternativa normalmente, porque eles foram retirados do convívio familiar justamente porque algo ali estava inadequado.
Criado em 2019, o Esperançando é um projeto de extensão da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e tem a sua origem no trabalho do Grupo de Apoio e Incentivo à Adoção de Santa Maria (Gaia-SM). Por meio de um protocolo de intenções firmado entre o Gaia-SM e a universidade, o projeto surgiu e pode concorrer, naquele ano, a duas chamadas públicas da UFSM, sendo contemplado em dois editais, o Fundo de Incentivo de Extensão (Fiex) e o Observatório dos Direitos Humanos (ODH).
Atualmente, o grupo é composto por cerca de 20 voluntários e se sustenta a partir de quatro eixos de trabalho: renda (preparando os jovens para o mercado de trabalho), educação (por meio de aulas extras e cursos profissionalizantes), moradia (auxiliando os jovens a encontrarem um lar após a saída do abrigo, ajudando a conseguir inclusão no aluguel social ou até mesmo a mobiliar a casa) e cidadania (que consiste em orientações e esclarecimentos feitos em rodas de conversas com tópicos variados; os assuntos vão desde a entrada em uma universidade ou curso técnico até a discussão sobre a valorização da cultura negra e debates sobre relacionamentos abusivos).
Com base nesses focos, o programa oferece auxílio em diversas frentes, como cursos de capacitação, ajuda para criar e distribuir currículos, orientação sobre educação financeira e atendimento psicológico. Há também o Plano de Atendimento Individual, que serve para, separadamente, mapear e sanar as necessidades de cada jovem atendido.
Em Santa Maria, o projeto foi apresentado a duas instituições de acolhimento, a Lar de Mirian e Mãe Celita e a Aldeias SOS, com as quais atua.
Desde a criação, o grupo já atendeu mais de 40 jovens, com idades entre 14 a 20 anos. Pelo menos 22 vagas de emprego , como jovem Aprendiz, foram conquistadas para os atendidos do projeto, por meio de parceria entre o Esperançando e uma empresa de Santa Maria.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Coordenadora do Esperançando, Alice Lameira Farias ressalta que o projeto busca justiça social:
— Não é um programa de assistencialismo. O nosso trabalho é preparar e apoiar esse jovem para que conquiste independência, autonomia, que veja que pode sim ter uma vida próspera, mesmo que tenha vivido um passado mais sofrido. Mostrando que ele pode superar traumas, que não precisa repetir erros dos pais e dos familiares.
Há ainda um trabalho de recuperação da autoestima dos jovens. De acordo com a psicóloga Karine Pacheco, que também integra o projeto, em muitos casos, eles se sentiram abandonados pela família, depois pelo poder público, quando precisam deixar os abrigos, e também pela sociedade de forma geral.
— Eles acabam desenvolvendo medo do abandono e pensam que isso vai se repetir sempre ao longo da vida. Acreditam que não vão ser bons para as pessoas de quem eles gostam e no trabalho. Então, nosso papel é não reproduzir esse abandono, é nos manter constantes no apoio a esses jovens, mostrar que não vamos desistir deles, entendendo os nossos limites como projeto. A gente quer que eles entendam que podem construir relações boas, se tornarem adultos saudáveis — diz Karine.
Para seguir, projeto busca voluntários e parceiros para mudar a realidade de jovens
No intuito de atender cada vez mais pessoas, o Esperançando busca voluntários e parceiros que queiram também mudar a realidade de jovens.
Além de doações em dinheiro, há diversas formas de contribuir: com tempo, disposição, conhecimento. Profissionais podem oferecer aulas e orientações, e empresas podem ajudar ofertando vagas de Jovem Aprendiz — um dos carros chefe do projeto, já que a maioria dos jovens está começando no mercado de trabalho.
— É importante que a sociedade entenda que esses jovens são nossa responsabilidade, que a promoção da autonomia deles passa por todos nós, de forma geral. A inclusão social é um movimento coletivo. Esses jovens não buscam tratamento especial, mas eles precisam de acolhimento, de espaço para se abrirem, de auxílio. Estamos em um momento de celebrar diversidade, de encontrar formas diferentes de contribuir para o mundo, e é isso que buscamos — resume a economista e voluntária Elisete Kronbauer.
Por se tratar de um projeto de extensão, o trabalho do grupo tem prazo de validade. No entanto, a intenção dos voluntários é transformar o Esperançando em uma ONG, para seguir atuando. Outro objetivo é aprovar a criação de uma espécie de república, que receberia os jovens que saem dos abrigos aos 18 anos e serviria como um apoio para a transição, até os 21 — conforme o grupo, esse projeto foi protocolado na câmara do município e aguarda apreciação dos vereadores.