No Morro da Cruz, zona leste da Capital, o acesso à internet não é fácil. Mesmo para quem tem um celular conectado, o sinal, muitas vezes, deixa quem precisa de um serviço online na mão. Quem quer ter wi-fi em casa precisa estar preparado para desembolsar um valor mensal alto – isso nos pontos que o serviço alcança. Sem falar naqueles que não têm ou não sabem mexer em um computador ou celular com acesso à internet.
Para tentar amenizar os problemas, a antropóloga e pesquisadora Lúcia Mury Scalco, que desenvolveu sua pesquisa de mestrado na região, criou o Coletivo Autônomo Morro da Cruz. No local, são oferecidas atividades educativas para crianças no turno inverso da escola, além de acolher também as famílias, com atividades e cursos diversos, incluindo de informática básica.
Com o início da pandemia e o crescimento da necessidade do uso da internet para ter acesso a serviços básicos, o local virou uma espécie de “ilha” de conexão. Crianças e famílias atendidas buscam o Coletivo para utilizar os computadores, pedir orientações e até solicitar ajuda para a manutenção das máquinas.
– A gente acredita muito na potência do que representa a internet na vida das pessoas, no que esse acesso é capaz – diz Lúcia.
Qualificação
Nesta semana, começou no Coletivo uma nova turma do curso de informática básica voltado para mulheres. São seis alunas, que vão realizar dois encontros por semana para aprender desde o básico, como ligar o computador e digitar, até funções mais complexas e o acesso à internet.
Quem ministra as aulas é o instrutor de informática e coordenador de tecnologia da informação (TI) da ONG, Ubiratan da Silva Marquette, 46 anos. Bira, como é conhecido, começou ele mesmo em um curso gratuito, em 1991, em Cachoeira do Sul, onde vivia na época.
– Tive a oportunidade de fazer um curso de informática em uma época em que o computador era uma coisa ainda mais distante das pessoas de baixa renda. Meu pai precisou trabalhar duas safras para comprar uma máquina de escrever para a minha irmã. O computador, então, era algo muito fora do nosso meio – conta.
Desde então, nunca parou de se aprimorar. Há 21 anos, trabalha levando conhecimento sobre informática para pessoas que não têm acesso – Bira já nem sabe quantas pessoas foram impactadas por seu trabalho desde então.
Em 2011, já como instrutor, ele conheceu Lúcia. Vendo a importância que acesso à internet estava ganhando, os dois começaram a captar equipamentos, mesmo antes de a ONG existir como é hoje. Bira recondicionava os computadores, que eram doados para famílias em vulnerabilidade. Por muito tempo, a manutenção também garantia parte da renda de Bira. Hoje, faz o trabalho de graça, no Coletivo.
– A manutenção é muito cara, e um computador novo, mais ainda. Ao mesmo tempo, as famílias precisam dos equipamentos, não podem ficar sem. A demanda e a relevância cresceram muito neste período (de pandemia) – diz ele.
Sonhos
Antes da pandemia, cerca de um computador por mês era levado ao local para arrumar. Atualmente, a média é de 12 por mês:
– Eles são usados principalmente para educação. Muitas vezes, é apenas a instalação de um software, ou reparos simples, mas que as pessoas não sabem fazer.
Uma das alunas que começou o curso com Bira nesta semana é Arina Gil, 49 anos, praticamente vizinha da ONG. Babá há muitos anos, ela está com dificuldade de encontrar emprego nos últimos meses. Decidiu colocar em prática o sonho de ter o próprio negócio e abriu a loja online Gaia Grife, que, por meio de artesãos parceiros, produz bolsas e mochilas com tecidos que iriam para o lixo. O namorado de Arina, Jessé, que também é da área de TI, foi quem montou o site.
– Eu não entendo nada, preciso aprender. Vim fazer o curso para não depender tanto dele, poder mexer na loja, cadastrar produtos novos, trocar alguma coisa – diz ela.
Também na ONG, Arina está fazendo um curso de empreendedorismo. Aposta no conhecimento para ir mais longe em seus sonhos:
– Em 2020, terminei o Ensino Médio. Entrei uma pessoa e saí outra, minha cabeça mudou muito. Para avançar, preciso saber cada vez mais, me aprofundar.
O Coletivo Autônomo Morro da Cruz aceita doações em dinheiro e equipamentos de informática, além de alimentos e roupas. Contato pelo Instagram @coletivomdc ou pelo telefone (51) 99156-6974, com Sula.