A região metropolitana de Porto Alegre fechou o quarto trimestre de 2020 com crescimento de 3,1% na desigualdade entre ricos e pobres. A constatação faz parte da terceira edição do Boletim Desigualdade nas Metrópoles, que voltou a indicar a Grande Porto Alegre como a região metropolitana com maior diferença de renda gerada pelo trabalho entre as camadas da sociedade na Região Sul. Ou seja, o fosso entre ricos e pobres cresceu em Porto Alegre e é maior do que em Florianópolis e Curitiba.
O boletim, desenvolvido por Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), Observatório das Metrópoles e Observatório da Dívida Social na América Latina, mostra que o coeficiente de Gini da Grande Porto Alegre subiu de 0,599, no quatro trimestre de 2019, para 0,618, no mesmo período de 2020 — alta de 3,1% e pior resultado para esse trimestre desde 2012.
O coeficiente de Gini mede a desigualdade com escala de zero a um. Quanto mais próximo de zero, maior o nível de igualdade na área pesquisada. Quanto mais perto de um, maior a diferença nos ganhos na sociedade.
O estudo também indica que a crise provocada pela pandemia atinge estratos sociais com impactos diferentes. Os mais pobres são os mais afetados, com redução no nível de remuneração média do trabalho. Na comparação do quarto trimestre de 2020 com o mesmo período do ano anterior, a renda média das pessoas 40% mais pobres recuou 40,9% na região metropolitana de Porto Alegre, caindo de R$ 277 para R$ 164.
Nas outras classes, esse indicador também apresentou recuo, mas menor na comparação com a população que está na base da distribuição de renda. Na parcela que agrupa os 50% intermediários, a retração ficou em 11,9%. Já na dos 10% mais ricos, a queda foi de 14,5% nos períodos analisados.
O estudo usa microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc), do IBGE, sobre renda do trabalho formal e informal e não leva em conta outras fontes de renda, como o auxílio emergencial.
O professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUCRS André Salata, um dos coordenadores do boletim, destaca que, em um contexto geral, a Região Sul costuma mostrar desempenho melhor na comparação com as outras áreas do país. Ao explicar os motivos que explicam o pior desempenho da região metropolitana de Porto Alegre dentro desse grupo, Salata cita a presença maior do mercado informal.
— Em Porto Alegre, tem uma concentração maior em ocupações de menor status e principalmente no setor informal, o que faz com que, em um período de crise, essas pessoas sintam muito mais do que nas localidades onde há menor informalidade — explica.
Para o economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS Ely José de Mattos, a região metropolitana de Porto Alegre apresenta diversidade econômica maior em relação às metrópoles vizinhas na Região Sul, o que acaba impactando na distribuição de renda.
Das 22 regiões do levantamento, 18 apresentaram crescimento na desigualdade no quarto trimestre. Ao analisar o ano de 2020, Porto Alegre teve aumento no indicador no segundo e no terceiro trimestres e apresentou queda no último.
Na média móvel dos quatro trimestres de 2020, a Grande Porto Alegre fechou com 0,625 no coeficiente de Gini — também o maior valor desde 2012. Já a média nacional, que leva em conta todas as metrópoles, ficou em 0,631.
Florianópolis (SC) apresenta a menor desigualdade na média móvel de quatro trimestres. Curitiba (PR) fica com o terceiro melhor resultado entre as metrópoles. Porto Alegre está na 11ª posição. João Pessoa (PB) amarga o pior desempenho.
Pandemia agravou o problema
Segundo Salata, a desigualdade no país já vinha apresentando crescimento nos últimos anos, mas foi acelerada com a pandemia de coronavírus, punindo os mais pobres com mais severidade. A dificuldade de adaptar os trabalhos com menor renda para o sistema de home office é um dos pontos que ajudam a explicar essa equação, avalia o professor:
— O movimento de aumento de desigualdade já vinha sendo registrado desde 2015, mas salta para outro patamar a partir do segundo trimestre de 2020.
Mattos salienta que as camadas mais pobres da população costumam ser as mais afetadas em momentos de crise:
— São os primeiros a serem demitidos, têm muito menos proteção social, não têm "colchão" de poupança. Em qualquer instabilidade, ficam em dificuldade mais severa mais rápido.
Reação passa por vacina e assistência
Salata afirma que, no contexto atual, a continuidade do auxílio emergencial e a vacinação em massa contra o coronavírus são dois dos principais fatores que podem ajudar no combate à desigualdade no país no curto prazo.
Uma terceira ferramenta seria uma política mais clara e eficiente de geração de emprego, de investimento e de estímulo à economia. No entanto, o especialista entende que essa última opção é a mais difícil de entrar em vigor com as características do governo atual.
— No médio prazo, também há algumas medidas que poderiam ser adotadas. A qualificação da mão de obra é essencial. Retomar a política de valorização do salário mínimo, que está um pouco estagnado, também é fundamental.
Pensando em longo prazo, o professor cita a expansão dos programas de transferência de renda, de políticas de criação de ocupações com melhor remuneração para pessoas menos qualificadas e uma reforma tributária progressiva, que taxe menos o consumo e mais a renda, como alternativas.
Segundo Salata, a pesquisa também mostra como a desigualdade no rendimento, além de impactar no consumo e no bem-estar das famílias neste momento, tem efeitos prejudiciais para as gerações futuras. Famílias mais pobres enfrentam maior dificuldade no desempenho escolar de crianças e jovens.
— Provavelmente, a gente vai ver número maior de repetência, de evasão. Não se trata apenas de efeitos no curto prazo — pontua.