Por Jaime Betts
Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa)
O brasileiro tem “um preconceito de ter preconceito”. A constatação foi do sociólogo Florestan Fernandes, em 1965. De lá para cá, pouca coisa mudou. Uma pesquisa recente feita pelo Atlas Político no ano passado encontrou que 90,6% dos entrevistados reconhecem a existência do racismo no Brasil, ao passo que 97,5% afirmam não serem racistas. Essa contradição mostra que o negacionismo reinante nos dias atuais tem seu fundamento histórico entre nós.
Djamila Ribeiro, filósofa e escritora, descreve o racismo no Brasil como “algo que todo mundo sabe que existe, mas ninguém acha que é racista”. Ou seja, o Brasil é um país racista, mas por aqui o racismo é sempre do outro. Em seu livro Pequeno Manual Antirracista, a autora aponta que “é impossível não ser racista tendo sido criado numa sociedade racista. É algo que está em nós e contra o que devemos lutar sempre”.
Recalcar e negar o racismo que nos habita ao mesmo tempo em que projetamos o mal sobre os outros são mecanismos por meio dos quais procuramos preservar uma boa imagem de nós mesmos.
Entretanto, o racismo é estrutural, e não apenas uma questão individual, pois permeia todo o tecido da sociedade através de um sistema hierarquizado de poder, opressão e violência institucional em que brancos gozam de privilégios materiais e simbólicos que são negados ou dificultados aos negros. O racismo estrutural constitui a matriz identificatória e identitária alienante da branquitude como supremacia racial com valor normativo universal.
Até o início dos anos 1990, com poucas exceções, apenas os negros ou minorias étnicas eram tomados como objeto dos estudos raciais. Surgiu então a linha de pesquisa denominada Estudos Críticos da Branquitude, inicialmente nos EUA, mas que logo se internacionalizou. Nela, a supremacia branca passou a ser estudada como parte fundamental do racismo. Nasceu como consequência da pressão social exercida sobretudo pelas lutas e conquistas dos movimentos negros pelos direitos humanos contra o racismo.
O fato de a branquitude ser objeto de estudos críticos apenas tão recentemente ajuda a entender por que este é um assunto tão sensível para pessoas brancas, mesmo para aquelas que se propõem a enfrentar o racismo refletindo sobre seu papel nas desigualdades raciais.
Quando a branquitude de uma pessoa branca é questionada, surge o que Robin Diangelo, autora de Não Basta Não Ser Racista, É Preciso Ser Antirracista, denominou “fragilidade branca”. Ela constatou que o padrão com que brancos negam o que pessoas de outra cor dizem sobre suas diferentes realidades sociais é semelhante em todas as partes do mundo.
Se “racistas são os outros”, uma pessoa branca bem intencionada, que considera não ser racista, ao ter algum preconceito racial seu exposto por alguém, desencadeia reações defensivas como “negação, silêncio, raiva, medo, culpa...”.
A fragilidade branca surge quando o pacto narcísico da branquitude é ameaçado. E, por isso, a branquitude prefere nem ao menos ser nomeada.
São reações que servem tanto para silenciar quem sofre o racismo quanto para negar e esconder o sentimento da fragilidade branca que emerge quando seus benefícios e a suposta superioridade racial são interpelados. A fragilidade branca surge quando o pacto narcísico da branquitude é ameaçado. E, por isso, a branquitude prefere nem ao menos ser nomeada.
Os paradigmas do individualismo e da meritocracia sustentam esse pacto de modo subjacente, inconsciente, negando as vantagens que trazem aos brancos, ocultando o fato de que socialmente não existe ponto de chegada igual para pontos de partida tão desiguais para brancos e negros.
Considerar o racismo apenas como falha moral de uma pessoa branca, e não como decorrência de ela ter sido subjetivada num sistema racista, serve para culpabilizar quem o cometeu. A culpa impede que as pessoas possam se responsabilizar pelos seus atos, e o sistema racista que se reproduz no laço social deixa de ser questionado. Para o branco ser antirracista, precisa enfrentar sua fragilidade branca e aprender com seus erros racistas.
Em debate
O psicanalista Jaime Bretts coordena o seminário on-line Psicanálise, Racismo e Políticas Étnico-Raciais, na quarta-feira (12/5), às 20h30min, com transmissão pela plataforma Sympla. Participarão Lia Vainer Schucman, doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), e o psicólogo e psicanalista Emiliano de Camargo David. Inscrições gratuitas aqui.