O racismo é um processo histórico, estruturado e perpetuado na sociedade a partir da desvalorização e restrição de acesso dos negros a oportunidades de ascensão social. Foi consolidado, em países como o Brasil, por práticas e políticas que, ao longo dos séculos, contribuíram para a marginalização da população negra. Nem sempre o preconceito ocorre de maneira consciente: há também um processo institucionalizado e culturalmente enraizado que organiza as relações sociais no Brasil: o racismo está entranhado na estrutura básica de organização social.
A pesquisadora Márcia Lima, que coordena o Núcleo Afro-Cebrap no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), explica que o racismo atua em diversas dimensões, sendo a estrutural uma delas.
– É um fenômeno estruturante da sociedade. Ele atua em diversas dimensões e camadas e pode ser observado em diferentes níveis. Mas entendo que a distinção entre estrutural e institucional busca demonstrar que os diferentes níveis da sociedade instrumentalizam o racismo de maneira diferente. O mesmo acontece quando falamos do racismo cotidiano, nas situações de interação pessoal – define Márcia, que também é professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP).
Estudiosos da questão explicam que as bases do racismo brasileiro se assentam nos quase quatro séculos em que a escravidão africana vigorou. No decorrer dos períodos Colonial e Imperial, a escravidão posicionou, de maneira indivisível, os negros e os brancos em mundos diferentes. Com a assinatura da Lei Áurea, em 1888, passaram a vigorar mecanismos menos explícitos de tentativa de subordinação da população negra.
O racismo estrutural que vigora no Brasil se apresenta como uma base em cima da qual se constroem as relações políticas, econômicas e sociais no país. As pessoas e as instituições são moldadas, por vezes de forma inconsciente, para encarar como normal que brancos e negros ocupem lugares diferentes. A advogada Flávia Pinto Ribeiro exemplifica:
– As pessoas são racistas quando não ficam espantadas ou indignadas diante da notícia do assassinato de uma pessoa negra, diante da ausência de negros nos governos, nos tribunais e nos cargos de direção de empresas, ou diante de um Estado que oferece transporte de qualidade, saneamento básico e segurança pública aos bairros ricos, mas nada disso às periferias, habitadas majoritariamente por pessoas negras. O racismo estrutural é tão cruel que até mesmo a população negra o reproduz – explica Flávia.
O senso comum tende a compreender o racismo de maneira simplista, como se fosse limitado a situações em que uma pessoa negra é proibida de ingressar em um clube, impedida de entrar no elevador social, revistada ao sair da loja ou insultada com palavras pejorativas. Tais casos configuram racismo, claro, e são passíveis de punição segundo a legislação vigente, mas o preconceito vai muito além disso.
A ausência de negros e negras em cargos de lideranças nas maiores empresas do país mostra, por exemplo, como o racismo estrutural atua em diversas dimensões e camadas. Ele estrutura a sociedade a partir da desvalorização e da restrição de oportunidades de pessoas negras no processo de ascensão social. Observe o quadro abaixo:
No ano em que os movimentos por inclusão e diversidade ganharam importância inédita, o Magazine Luiza abriu, em setembro, as inscrições para seu programa de trainees de 2021 – e decidiu aceitar apenas candidatos negros, o que causou controvérsia nas redes sociais. A varejista tinha, na época, 53% de pretos e pardos em seu quadro de funcionários. Mas apenas 16% deles ocupam cargos de liderança. “O alerta despertado por essa baixa participação fez com que o Magalu decidisse atuar, oferecendo oportunidades para quem ainda está começando a carreira”, reforçou a companhia.
A empresária Luiza Trajano, dona da rede de lojas, declarou, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em outubro, que descobriu em sua empresa poucos executivos negros em altos cargos e, por isso, optou pelo programa de trainee exclusivo a pessoas negras: “O racismo estrutural está inconsciente nas pessoas”.
“Temos que entender mais o que é racismo estrutural. O dia que entendi até chorei, porque sempre achei que não era racista até entender que o racismo está nas estruturas”, declarou ela.
Para ativistas, pesquisadores e representantes de movimentos negros, buscar uma perspectiva antirracista demanda que se lute pela desnaturalização da discriminação e da desigualdade. Para a doutora em Sociologia Rosana Heringer, existe uma demografia do racismo que é facilmente perceptível quando se entra em determinados ambientes, principalmente mais “exclusivos” e “hierárquicos”.
– Se queremos ser antirracistas, nos cabe estranhar e repudiar essa composição monótona e quase monocromática de espaços do Judiciário, do poder Executivo nas suas várias instâncias, do Congresso Nacional, das câmaras municipais e de assembleias legislativas. Também devemos estranhá-la e repudiá-la quando olhamos para o setor privado e para outras instâncias da administração pública, onde a mesma monocromia se repete – garante a pesquisadora.
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