Entranhado na sociedade brasileira, o racismo "é um processo em que as condições de organização da sociedade reproduzem a subalternidade de determinados grupos", como definiu o advogado e estudioso da teoria social Silvio Almeida no livro O que É Racismo Estrutural?. Significa que, perpetuando comportamentos e status sociais que remetem ao tempo da escravização dos negros, a sociedade atual mantém a população de pretos e pardos mais suscetível à pobreza e à violência, por exemplo.
É por isso que ativistas e pesquisadores afirmam que, para que a luta contra a discriminação racial produza resultados consistentes, há um passo que precisa ser tomado: assumir que somos racistas – seja como indivíduos ou sociedade.
– Os indivíduos e as instituições costumam ter convicção de que não são racistas, mas as atitudes revelam o contrário. Se uma sociedade é racista, a sua mídia, a sua universidade, a sua polícia, os seus tribunais vão ser racistas – explica o advogado Humberto Adami, que preside a Comissão da Verdade da Escravidão Negra, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Para a professora da Universidade de São Paulo (USP) Márcia Lima, o racismo é fruto de um processo histórico, mas o racismo estrutural é mais do que uma consequência desse processo.
– As dificuldades enfrentadas pela população negra são decorrentes dos mecanismos discriminatórios contemporâneos, e não simples legado do passado. A discriminação racial é uma forma de preservação de privilégios e de ganhos materiais e simbólicos – define a pesquisadora, que coordena o Núcleo Afro-Cebrap no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) .
O racismo também se manifesta de formas menos explícitas, mas com efeitos igualmente graves na vida da pessoa negra. Os números do quadro abaixo são ilustrativos: em qualquer aspecto da vida no Brasil, os pretos e os pardos – grupos que o IBGE classifica como negros – estão sempre em desvantagem na comparação com os brancos. Veja:
O fato de muitos brasileiros ainda não aceitarem que o racismo é parte da estrutura da sociedade é, conforme especialistas, um dos motivos para a perpetuação da discriminação. Mas isso pode mudar. Para Márcia Lima, a luta constante da população negra por igualdade tem surtido algum efeito, mesmo que a passos bem curtos.
– Há décadas de denúncias sistemáticas do movimento negro que também sempre foram invisibilizadas, mas que incomodam e que de certa forma vêm surtindo efeito, não na magnitude devida, porém com pequenos e constantes avanços – garante a professora.
Para a doutora em Sociologia Rosana Heringer, coautora do livro Caminhos Convergentes: Estado e Sociedade na Superação das Desigualdades Raciais no Brasil, no mundo em que vivemos, construído sobre as bases de desigualdades raciais e discriminação, que trazem sofrimento de várias formas a muita gente, é preciso que cada um de nós se pergunte cotidianamente sobre seu papel, seja na conservação ou, principalmente, na transformação das práticas discriminatórias.
– O primeiro passo na construção da atitude antirracista é nos reconhecermos como parte do problema, desconstruindo o racismo tanto no cotidiano quanto nas nossas convicções e expectativas, nos nossos projetos de país e de futuro – define Rosana.
A pesquisadora explica que uma necessária atitude antirracista implica, por parte dos brancos, em deixar de ver a discriminação como algo natural. É a permanente atitude de dizer, em alto e bom som: “isso não é normal”.
– Precisamos usar lentes antirracistas que nos permitam escrutinar o racismo estrutural reproduzido nos espaços de poder, na política, no sistema econômico, na mídia, na educação, nas práticas religiosas. Essa percepção, que é imediata por parte das pessoas negras nesses espaços, muitas vezes nos passa despercebida. Com a visão enevoada por nossos privilégios, nem sempre percebemos o que está diante de nós – ela explica.
Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro minimizou o racismo estrutural no Brasil, onde cerca de 55% da população de 212 milhões de pessoas se identifica como preta ou parda. Bolsonaro disse que ele mesmo é “daltônico” nessa questão, enquanto o vice-presidente Hamilton Mourão gerou indignação ao dizer que “não há racismo” no país.
Segundo a porta-voz do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU), Ravina Shamdasani, “o racismo estrutural, a discriminação e a violência que os afrodescendentes enfrentam no Brasil estão documentadas por dados oficiais”. Ravina contrariou o discurso de Bolsonaro e Mourão citando estatísticas que mostram que “o número de vítimas afrobrasileiras de homicídio é desproporcionalmente mais alto do que o de outros grupos”.
– Os brasileiros negros sofrem exclusão, marginalização e violência com, em muitos casos, consequências mortais – destacou.
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