O coronavírus deixou tristeza para milhares de famílias, mas também houve quem conseguiu passar pelos primeiros 12 meses da pandemia superando obstáculos, distribuindo amor e inspirando pessoas. GZH conta histórias inéditas e revisita outras três publicadas ao longo de 2020. Elas mostram que, mesmo em meio às dificuldades, é possível encontrar esperança e compartilhá-la. Conheça, abaixo, a história de Eduardo:
Carregando a própria mala e sem lágrimas, Eduardo Kozenieski Martins da Silva cruzou o portão rumo à casa dos nonos, como chama os avós Rita e Estevão Kozenieski, de 77 e 78 anos, respectivamente, e se despediu dos pais, os comerciantes Eli Regina Kozenieski, 47, e Jairo Martins da Silva, 43, e da irmã gêmea, Isadora, sete. A ideia era ficar, no máximo, 20 dias com os avós, em Santa Rosa, no Noroeste do Estado. Era março de 2020 e a família acreditava que a pandemia seria reduzida em menos de um mês. Com a persistência da situação, porém, Eduardo segue até hoje distante dos pais e da mana.
Temendo que o filho pudesse ser contaminado por coronavírus, Eli e Jairo, que mantêm um comércio em Santo Ângelo, tomaram a decisão mais difícil da vida do casal: afastar-se do filho, que, até então, jamais havia dormido fora de casa. A explicação estava no grau de risco de morte caso o menino tivesse covid-19.
Eduardo é um guerreiro desde o nascimento. Veio ao mundo ao sete meses, minutos antes da irmã Isadora. Mas, ao contrário da menina, o pequeno pesava apenas 900 gramas e apresentava um problema cardíaco grave, que necessitaria de cirurgia. No momento do parto dos gêmeos, os pais descobriram que Eduardo tinha síndrome de down. O primeiro ano de vida do menino foi praticamente dentro dos hospitais.
— Uma mãe, quando vê o filho sofrer, não quer mais isso para ele. Ela quer protegê-lo, acima de tudo. Decidimos que o nosso filho não voltaria para uma UTI, se dependesse de nós — comenta Eli.
Ao saber que os pais ficariam isolados em casa (todas as compras são levadas por Eli e os irmãos até hoje), ela e o marido buscaram uma forma de convencer o filho a ir por espontânea vontade.
— Comentamos com os dois que o nono e a nona ficariam sozinhos durante a pandemia e perguntamos entre nós que poderia cuidar deles. Na mesma hora, os dois ergueram as mãos e se ofereceram. Eduardo ainda mais. Ele entendeu como uma missão, na qual ajudaria e protegeria os avós — explica a mãe.
Os primeiros dias de distanciamento foram os mais intensos para os pais, para a irmã, muito apegada ao mano, e para a babá do menino, Marizelia Mello. Até agora, nem as conversas diárias em videochamadas são capazes de reduzir a saudade. As visitas ocorrem todos os domingos, quando Eli, Jairo e Isadora partem de Santo Ângelo rumo ao portão da casa dos nonos, em Santa Rosa. Nunca mais se abraçaram presencialmente, mas isso não impede que os encontros separados por uma grade sejam divertidos. Juntos, mesmo distanciados, almoçam, jogam bingo, vôlei virtual e conversam muito, faça chuva ou sol. Também já celebraram o Dia das Mães, o aniversário dos irmãos com dois bolos e o Natal com direito a uma visita do Papai Noel a distância.
— A única forma de nos abraçarmos foi criando uma parede plástica com braços, que Eduardo e Isadora chamam de "o abraçador". As pessoas me perguntavam se incomodava fazer desta forma, eu só dizia que nem pensava no plástico — comenta Eli.
Em 2020, Eduardo ingressou no primeiro ano do Ensino Fundamental, mas só frequentou a escola durante uma semana. Rita, que é professora aposentada, decidiu ajudar o neto a conhecer as primeiras letras. E quando os pais menos esperavam, foram recepcionados por um cartaz escrito pelo filho dizendo que os amava.
— Ele soletra as letrinhas e junta as sílabas. É muito dedicado e sempre quer escrever uma mensagem nova para quando os pais e a mana chegarem — relata a avó.
Rita acrescenta que Eduardo é muito amoroso e solícito, sempre se oferecendo para carregar a lenha com o avô, varrer a casa, plantar alface ou depenar uma galinha.
— Com o Eduardo, o dia passa rápido. Ele é um presente que Deus nos deu. É o nosso maior amor da vida — declara Rita.
Eli confessa que se abala com o julgamento dos que ainda os condenam pela decisão tomada em março de 2020.
— Quando ele era bebê, teve um dia em que a equipe médica nos preparou para a morte cerebral dele. Não vou deixar o meu filho correr esse risco novamente — desabafa a mãe.
Apesar dos obstáculos, Eli e o marido afirmam serem gratos pelo ano que tiveram. Mesmo distantes de Eduardo, eles agradecem por terem conseguido manter o filho longe da covid-19.