Países que estão enfrentando o primeiro verão da história da pandemia de coronavírus, no hemisfério norte, e também os locais que não sofrem com invernos rigorosos, inclusive no Brasil, tentam se adaptar à necessidade do distanciamento social sem ter de proibir que a população frequente praias, parques e praças.
Multiplicam-se pelo mundo as imagens de áreas de gramado e areia com círculos, quadrados e até corações feitos com tinta, estacas, cordas e fitas, sinalizando a distância mínima a ser mantida entre os frequentadores.
No Rio de Janeiro, tem provocado intenso debate a proposta do prefeito Marcelo Crivella de dividir a beira-mar em quadras, com possibilidade de reserva antecipada por meio de um aplicativo de celular. Cogita-se que Copacabana sirva como projeto-piloto da iniciativa. Críticas que surgiram após a divulgação da intenção de lotear a orla carioca, onde se verificou grande presença de público nas últimas semanas — com a marcante ausência de máscaras —, fizeram a administração municipal recuar. A prefeitura estuda também a realização de uma consulta popular.
Marcelo Heck, arquiteto e urbanista, mestre e doutorando em Planejamento Urbano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor da Unisinos, acredita que essas são medidas interessantes para tentar reorganizar a reocupação dos espaços urbanos.
— É um dos elementos dos quais as pessoas estão sentindo mais falta. Elas vão valorizar um pouco mais os espaços públicos. Estamos privados disso no momento — constata Heck, também diretor do Instituto de Arquitetos do Brasil.
Em um primeiro momento, as novidades devem ter, na opinião de Heck, caráter didático. As marcações no chão funcionam para dar uma dimensão espacial, orientar e mostrar, visualmente, o que representa manter distância de pelo menos dois metros, por exemplo. Ao sair do seu círculo no gramado, você está cruzando a fronteira segura para permanência no local. Esta é a mensagem que precisa ser introjetada.
Heck alerta para o risco da rigidez excessiva nas regras. O ideal é que se organize um efetivo para fiscalização com o intuito de reforçar as normas, explicando quais as medidas de proteção a serem cumpridas, em nome do bem individual e coletivo. Trata-se, portanto, de uma intervenção com caráter muito mais educativo do que punitivo.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
— O espapo público é o espaço da convivência, da troca. Temos que cuidar para não criar muito rigor e acentuar as desigualdades. Como serão feitas essas medidas, esses decretos? Como será o comércio ambulante? Como ficarão o pipoqueiro, o vendedor de cachorro-quente? O espaço público é de todos: dos mais ricos, dos mais vulneráveis, dos que têm mais oportunidades, dos comerciantes. Temos que incluir todos para retomar nossa dinâmica. Isso é mais do que ir ao parque com três pessoas e sentar em um círculo no gramado –reflete o arquiteto.
O professor acredita que será possível "tirar proveito" da pandemia para melhorar a infraestrutura dos espaços públicos nacionais. Com a necessidade constante de higienização das mãos, alguns locais terão que ser repensados para dar conta disso. Talvez seja hora, indica Heck, de disponibilizar, para uso da população, mais sanitários em melhores condições de uso e manutenção. O mobiliário urbano também cabe neste debate: haverá demanda por mais bancos, já que a estrutura que acolhia até quatro indivíduos antes da disseminação da covid-19 agora terá espaço para menos gente.
— Tem havido incentivo ao uso da bicicleta. Podemos melhorar as ciclovias, as ciclofaixas, os bicicletários — sugere o arquiteto.
Conscientização
Para a arquiteta Ana Maria Germani, que trabalhou por 35 anos como técnica da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre, a ideia de demarcar espaços em parques e praças em Porto Alegre é "absurda".
— No sábado, por exemplo, o Parque Farroupilha enche. Aí vai alguém lá e demarca um raio, termina o dia, as marcas se apagam porque cai uma chuva ou as pessoas pisoteiam. No outro dia, é preciso marcar de novo. Seria um gasto enorme. Além disso, considero muito invasivo compartimentar o uso.
Atualmente professora de Paisagismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Ana Maria acredita que o poder público deveria investir na formação de equipes para orientar os visitantes em praças e parques a usar máscaras e respeitar as recomendações de distanciamento. A ação deveria ser combinada com a disseminação de cartazes e totens em espaços públicos com orientações claras sobre a prevenção ao coronavírus.
— A única coisa que se pode fazer por essa cidade é a conscientização — concluiu a arquiteta.