Nenhum setor deve escapar às consequências da pandemia do coronavírus, mas pelo menos um poderá sair com um horizonte maior do que entrou no período de distanciamento social. Com o atendimento presencial suspenso em diversos locais em razão do risco de contágio, bares e restaurantes ampliaram a oferta de produtos e serviços, antecipando tendências da gastronomia que podem se consolidar quando tudo passar.
Pratos para serem finalizados em casa, kits de insumos, embalagens sustentáveis, e-commerce com produtos usados nos preparos, além da valorização de ingredientes sazonais e da “comida de vó” não estão apenas ajudando os estabelecimentos a sobreviverem. Na avaliação de especialistas e de parte dos consumidores, são iniciativas com potencial para conviver com as operações físicas quando elas forem retomadas.
— As pessoas gostam de sair, interagir, socializar, mas têm oportunidades que não eram olhadas pelos estabelecimentos e estão relacionadas a hábitos que vão ficar, como cozinhar mais em casa. O restaurante, que tinha um olhar mais para o serviço, agora tem que olhar para a indústria — diz o especialista em bebidas e alimentos do Sebrae, Rogério Klafke.
Mais do que restringir a circulação, a pandemia despertou muita gente para as múltiplas possibilidades de se entreter no próprio lar e dedicar um olhar mais cuidadoso ao que consome. Uma pesquisa realizada no começo de julho pela consultoria Galunion, com 1,1 mil pessoas de diferentes faixas etárias, apontou que 66% pretendem continuar preparando refeições em casa depois desse período. Entre os entrevistados, 41% disseram, ainda, que vão pedir mais delivery do que antes do distanciamento. Quase 40% acham que vão usar mais o sistema “take away”, e 25% indicaram que vão comprar mais kits para preparar comida em casa.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Chefs como curadores de consumo
Os novos hábitos de consumo estão sendo, aos poucos, assimilados por empresários do setor. Nos últimos meses, popularizaram-se serviços em que os restaurantes, bares e chefs de cozinha atuam como curadores, escolhendo os produtos que serão entregues, por exemplo, em kits para ocasiões específicas, como um happy hour caseiro, ou mesmo como mestres, orientando como preparar e consumir os produtos. Racionalização de recursos e modos de produção e entrega mais sustentáveis viraram aliados para tornar a operação mais econômica.
A boa e velha marmita ganhou roupagem gourmet e foi adotada por chefs renomados. Em sua coluna no caderno Destemperados, a chef Roberta Sudbrack destacou as quentinhas como as “new big things”, ou a “nova tendência” da gastronomia. Para ela, o modelo obriga os chefs a focarem no essencial, o que pode ter reflexos positivos no setor.
“Abandonar o excesso, abolir os dogmas, as listas, as estrelas – e o estrelismo – encerrar esse capítulo e sacudir essa poeira! Correr para casa e trancar o ego num daqueles quartos onde não vamos muito, onde guardamos os esquecimentos.(...) Quentinhas são a nossa sobrevivência, a nossa dignidade e a chance de continuar a exercer o nosso ofício, que é de certa maneira um serviço mais do que essencial neste momento: o de alimentar as pessoas, de transportar não apenas comida dentro de cada quentinha que preparamos, mas amor e esperança”, escreveu.
Adaptar os pratos a um consumo menos mediado e buscar formas de fazê-lo chegar ao cliente com a mesma qualidade do restaurante são desafios a serem enfrentados pelos estabelecimentos. Potencializado pelo distanciamento social, o serviço de delivery terá de se qualificar. Mais de 80% das pessoas ouvidas pela pesquisa da Galunion relataram terem tido problemas com pedidos feitos dessa forma.