À venda em edição de papel e e-book, O Mundo Pós-Pandemia consolida um exercício recorrente em meio ao surto do coronavírus: vislumbrar a vida “quando tudo isso acabar”.
O livro, organizado pelo escritor, advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) José Roberto Castro de Moraes, traz ensaios de personalidades (pesquisadores e também celebridades) de distintas áreas, reunindo uma enorme pluralidade de visões. E não apenas porque, entre muitos outros (são 50 colaboradores), Marcelo Adnet escreve sobre humor, Gustavo Franco, sobre economia, e Roberta Sudbrack, sobre o universo da comida e dos restaurantes, mas porque, além de variar o campo da reflexão, os textos são ora otimistas, ora pessimistas, ora se arriscando em previsões do futuro, ora focando em ensinamentos do passado.
Ao tom filosófico de Pedro Bial, que, lembrando Simone de Beauvoir, escreve que “o acaso tem sempre a última palavra”, segue-se a urgência objetiva de Fernando Gabeira, que denuncia o desequilíbrio ambiental e a falta de condições sanitárias nos matadouros de animais como causadores da crise. E sentencia: “No Brasil, nos embriagamos com as hipóteses maravilhosas que a tecnologia nos abre e nos esquecemos de algumas realidades gritantes”.
A seguir, o organizador responde sobre esse encontro de visões tão diferentes.
O senhor termina o texto de abertura do livro afirmando que a pandemia, a despeito de todas as dificuldades, nos oferece uma "oportunidade", uma chance de "começar de novo". O que deve nos orientar, objetivamente, nessa retomada?
A pandemia e o confinamento nos obrigaram a refletir. De certa forma, ganhamos um tempo diferente. A azáfama do dia a dia foi interrompida brutalmente. Nesse momento, muitos conseguiram enxergar sua própria vida, rever projetos, alterar ou reforçar planos. As coisas irrelevantes foram reveladas de forma mais nítida, enquanto se realçou o que era importante. Ficamos mais tempo com a família. Passamos a nos dedicar a coisas mais simples, como limpar a casa e cozinhar. Percebemos como desperdiçamos comida, assim como tomamos consciência de que perdemos nossa atenção como coisas supérfluas. Quem gostava de ler, leu mais. Muitos que não tinham o hábito da leitura, passaram a desenvolvê-lo. Eu moro no Rio de Janeiro e, no primeiro mês do confinamento, quando havia pouca circulação de automóveis, vi um céu limpo na minha cidade como jamais antes. Era mais uma prova de que o homem perturba violentamente a natureza – outra lição da pandemia. Assistimos, também, a uma enorme demonstração de solidariedade, que revelou para muitos como é bom pensar no próximo. São, portanto, muitos exemplos de que esse “tempo” oferecido pela crise nos deu oportunidades de verificar que podemos construir uma sociedade melhor.
Há correntes de filósofos e pensadores manifestando-se de maneira otimista, acreditando que o período pós-coronavírus será de mais altruísmo. Outros, em compensação, dizem que nunca a humanidade saiu desse tipo de experiência menos individualista, vide o período posterior à gripe espanhola de 1918, que é um episódio semelhante, embora ocorrido há mais de um século. No que o senhor acredita?
Infelizmente, acredito que o nosso país passará, no período imediatamente após esse fenômeno, por uma dura crise econômica, em grande parte fruto da paralisação imposta pela covid. Até o mercado se reorganizar, os tempos serão difíceis. As dificuldades, entretanto, forjam as nações. Num espaço de tempo maior, vejo, com otimismo, uma retomada com mais consciência. A proximidade da doença e da morte nos dá humildade. Além disso, a humanidade já percebeu, com muitos erros do passado, que a construção de uma sociedade mais justa, mais tolerante e inclusiva é a garantia de paz para nós e para a geração dos nossos filhos. Há dois exemplos da história: a gripe espanhola, junto da Primeira Guerra Mundial, acabou permitindo, depois, o estabelecimento de governos autoritários, que, em última análise, culminaram na Segunda Guerra Mundial e no Holocausto. O outro exemplo é o da Peste Negra, que assolou a Europa no século 14, mas germinou o Renascimento. Já passamos, como se vê, por situações de extrema adversidade e o Homem sempre reagiu. A história se faz de escolhas. Vivemos um momento conturbado, no qual temos a oportunidade de fazer diferente. A possibilidade de reconstruir é um privilégio.
As visões reunidas no livro são muito diferentes entre si - e não apenas porque um articulista escreve sobre medicina, outro sobre direito, outro sobre entretenimento etc., mas porque alguns se arriscam mais em previsões, outros, menos. Essa pluralidade de vozes é natural em coletâneas de artigos. No caso da atual pandemia, a pluralidade poderia estar indicando que há poucos consensos possíveis neste momento?
Todos nós estamos estarrecidos com o que acontece. Ninguém viveu nada parecido. O que será do amanhã? A pandemia atingiu duramente os mais diversos setores da sociedade. O que será deles? A ideia desse livro é simples: ouvir a opinião de especialistas desses diversos setores sobre como o mundo se comportará. Obviamente, nenhum deles é vidente. Entretanto, todos, além de inteligentes, sensíveis e bem informados, carregam uma enorme experiência nas suas respectivas áreas. Portanto, podem oferecer opiniões fundamentadas. A partir delas, teremos mais condições de formar nossas próprias opiniões. Há textos mais otimistas, outros pessimistas, uns conservadores e outros arrojados. Isso me parece altamente salutar. A ideia não era fazer um coro ou uma cartilha, mas permitir que pessoas inquestionavelmente qualificadas apresentassem suas reflexões, tudo a fim de que a conversa ganhe qualificação e massa crítica.
Com relação ao consenso, uma das características marcantes dos nossos tempos é a possibilidade de as pessoas apresentarem seus pensamentos a um grupo gigante e indefinido de outras pessoas. A tecnologia permitiu que todos pudessem expressar suas opiniões. Isso é altamente positivo, mas exige, também, mais responsabilidade e senso crítico. Responsabilidade de quem se expressa e senso crítico de quem recebe a informação. A experiência mostra como é importante formar conceitos. Ao mesmo tempo em que devemos fugir dos preconceitos, das ideias previamente estabelecidas, se faz necessário estabelecer conceitos sólidos e desenvolver o senso crítico, respeitando outros pontos de vista. O consenso absoluto não é bom sinal. O diálogo, o confronto de pontos de vista, diferentemente, demonstra civilidade e permite o florescer de uma comunidade.
Gosto muito de Shakespeare e há, como de costume, várias referências que podemos colher da obra dele para o que vivemos. Particularmente, penso em Romeu e Julieta, uma de suas primeiras tragédias. Como se sabe, o casal de jovens morre no final da peça. Shakespeare deixa claro que os amantes podem morrer, mas o amor não morre com eles. A doença contagiosa que hoje marca a civilização, por mais vil que seja, não tem a força para destruir os grandes sentimentos humanos. As experiências do sofrimento e da morte, o reconhecimento de nossa fragilidade física, entre outros revezes, não faz cessar a capacidade humana de amar, nas suas diversas acepções.
Como foi possível reunir tanta gente requisitada no livro, do ministro Luís Roberto Barroso à atriz Fernanda Torres, do diretor de TV Boni à historiadora Mary del Priore, do técnico Bernardinho ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso?
Todos os colaboradores – pelos quais tenho enorme admiração – têm plena ciência da importância do atual momento histórico. Com certeza, são todos, sem exceção, pessoas profundamente comprometidas com a construção do Brasil, um país que ainda tem muito a se aprimorar. Quando pessoas com esse grau de comprometimento são convidadas a participar de um projeto que visa a difundir informação relevante, todas ficam felizes em contribuir.