A fala enérgica e apressada parece ter sido moldada pela rotina frenética que a bageense Ana Caroline Porto, 34 anos, tem. E são nos pequenos períodos de tempo, geralmente no intervalo entre as refeições dos quadrigêmeos nascidos há seis meses, que a farmacêutica consegue realizar atividades que não sejam dedicadas exclusivamente ao quarteto. Foi em um desses momentos que ela contou como tem sido a rotina de cuidados com a turminha e como se tornou possível dar atenção a tantas vidas ao mesmo tempo em meio a uma pandemia.
Desde que os pequenos Lavínia, Larissa, Heitor e Lauren deixaram a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, criou-se uma enorme rede de apoio em torno de Ana Caroline e do marido, Leandro Machado, 39 anos. Ao todo, eram quase 10 pessoas divididas em duplas, que atuavam nos turnos da manhã, da tarde e da noite.
O rodízio de ajudantes, porém, está bem mais restrito atualmente. Com a implementação das regras de distanciamento social, como medida para barrar a ampla circulação do coronavírus, praticamente todas as pessoas que ajudavam a mãe do quarteto na lida diária tiveram que ficar em casa.
— A maioria se enquadrava no grupo de risco da doença , por serem idosas, terem comorbidades ou apresentarem as duas restrições. Os que restaram foram o meu marido e minha amiga Márcia.
Afastada do trabalho, Márcia Pimentel, 36 anos, passou a chave na própria casa e literalmente se mudou com os filhos Mateus Pimentel, 14, e Gabriel Pimentel, sete, para o lar de Ana Caroline. Assim, poderia seguir ajudando nos cuidados das quatro crianças que ela acompanhou desde o parto.
— Meu marido trabalha durante o dia. Ficamos somente a Márcia, o Mateus e eu cuidando das crianças de tarde. De noite, o revezamento é pesado, porque todos os adultos acabam dormindo pouco, já que os bebês precisam ser amamentados a cada três horas. Por eles estarem um pouco maiores agora, consigo ter tempo para cuidar da casa. Mas tempo para mim, eu nunca mais tive – conta a mãe dos quádruplos.
Sinfonia do choro
Nos momentos de maior tensão, quando o choro é generalizado, por exemplo, ela procura se manter calma e traçar estratégias. Os quadrigêmeos são separados em duplas e levados para lugares diferentes da casa. A hora do banho é outro momento de emblemático: uma mini operação de guerra é desenhada. Os pequenos são banhados individualmente e colocados nos carrinhos.
A tática da separação parece ser comum a mães de múltiplos. A empresária porto-alegrense Cristina Ryff, 45 anos, mãe dos trigêmeos Lucas, Pedro e Júlia Carpegiani, quatro anos, também faz uso desta estratégia. O marido fica responsável por aquele ou aquela que está mais agitado, e ela foge com os demais para outro cômodo.
— Costumo dizer que trigêmeos são, praticamente, uma quadrilha. Eles têm muita energia e, quando se unem, tudo fica meio caótico. Só apartando para tudo voltar para à normalidade — conta ela, que se viu obrigada a contratar uma cuidadora para dar atenção aos pequenos enquanto realiza as tarefas domésticas, pratica o ensino domiciliar com os filhos e administra seu próprio negócio.
Neste período de escalada do coronavírus pelo mundo, Cristina já viveu altos e baixos com os trigêmeos. Agora, entre maquinadas de roupa suja, a mãe realiza inúmeras atividades escolares e brincadeiras para preencher a agenda do trio. Esta, segundo ela, é uma das novas responsabilidades mais desfiadora:
— Eles estudavam em uma escola de turno integral, eu acompanhava os temas, mas não estava na posição de pensar como dissipar a energia deles e fazer esse papel de pedagoga. Apesar de tudo isso, esse é o momento menos desgastante desta jornada.
Vinda às pressas para o Brasil
Há quatro meses, Cristina e a família vivam uma vida tranquila em Portugal. Os filhos passavam a maior parte do dia dentro da escola, ela podia se dedicar aos próprios projetos e o marido, Fabiano Carpegiani, permanecia na rotina mensal de viajar para o Brasil para acompanhar de perto o desenvolvimento da empresa. Em meados de março, veio o grande baque. Com o fechamento das fronteiras e aeroportos europeus, ele não pode ir ao encontro da família na capital portuguesa. Sem a ajuda do marido e com a escola dos filhos fechada, a empresária se desdobrou em três para conseguir segurar as pontas.
Vendo que a situação não se sustentaria por mais dias, ela decidiu se desfazer da casa alugada e comprar passagens com destino a Porto Alegre:
— Foi o momento mais difícil da minha vida. Estávamos eu, as crianças e oito malas no aeroporto. Eu não recebia ajuda, porque os funcionários das companhias aéreas eram orientados a não tocar nos pertences de ninguém. Enquanto eu carregava todas as malas, meus filhos brincavam no chão do aeroporto, e eu estava desesperada por não conseguir manter o três perto de mim.
Como viver o distanciamento social com múltiplos em casa
Sem a ajuda da funcionária que realizava diariamente as tarefas domésticas, Elisa Scheibe, 41 anos, advogada e uma das idealizadoras da Metwo – plataforma de conteúdo sobre gêmeos –, afirma que se viu na posição de adaptar a rotina aos novos compromissos e deveres. Preparar todos os dias a comida dos gêmeos Franco Marty e Matin Marty, de seis anos, fazer o papel de professora ao desenvolver atividades pedagógicas, e também de recreadora enquanto realiza reuniões de trabalho, são os mais recentes desafios da incluídos na agenda.
— Como eles são maiores, proponho o desenvolvimento da autonomia deles em pequenas atividades para que eu consiga trabalhar. Mas temos nosso horário de estudo, brincamos bastante de stop, massinha de modelar e plantamos até feijão aqui em casa. Com o pai, eles fazem atividades que gastam energia. Nesse momento, eu fujo para trabalhar ou descansar um pouco — relata Elisa que dá dicas de como organizar a o dia a dia com múltiplos em casa.
- Estabeleça uma rotina compatível com sua realidade
- Fuja da perfeição: reflita sobre o que é possível ser feito com seus filhos e o que é imposição social
- Imponha horários consistentes, mas não rígidos, para realização das atividades e tarefas
- Mesmo que ela esteja menor, faça uso da sua rede de apoio, isso evita a sobrecarga e o estresse
- Tente não anular a sua humanidade e necessidades: reserve um tempinho antes dos filhos acordarem ou dormirem para uma atividade que você goste
- No caso de crianças maiores, tente fazer com que a energia dos múltiplos seja usada para colaborar com o andamento da casa. Ensine-os a tirar o prato da mesa, recolher seus brinquedos etc
- Concentre-se: quando for brincar ou estudar com seus filhos, procure dar atenção somente a eles, sem distrações